A união estável é um fato dos dias atuais, não exigindo qualquer formalização para a sua caracterização, bastando que estejam presentes os requisitos estabelecidos em lei. Mas, a sua formalização é recomendada para trazer segurança jurídica para as partes, minimizando atritos e disputas judiciais.
De início, vale dizer que a união estável consiste na relação entre duas pessoas (hereto ou homoafetiva) cuja convivência seja pública, contínua, duradoura, e com o objetivo de constituição familiar. Ao contrário do que muitos acreditam, não há a necessidade de que o casal resida na mesma habitação para que o vínculo seja configurado e tampouco prazo mínimo. Assim, a união estável é uma situação de fato.
Por essa razão, o fato de o casal não ter qualquer documento sobre essa união não quer dizer que a relação não exista ou que não produza direitos. Ela poderá ser provada de várias formas, como: contas correntes conjuntas, testemunhas, disposições testamentárias, apólice de seguro, entre outros meios de provas.
Nesse sentido, embora a união estável não exija registro formal para a sua existência, é possível formalizar a união por meio de escritura pública lavrada em cartório de notas ou mediante contrato particular. Dentre as duas formas de formalização, damos ênfase à Escritura Pública Declaratória de União Estável realizada em cartório. Isso porque, o documento público é dotado de fé pública e traz prova plena aos fatos relatados pelos companheiros.
Nesse viés, o ordenamento jurídico brasileiro fortaleceu a validade, a eficácia e o valor probante do documento público lavrado de forma legítima por notário, tabelião e oficial de registro, conferindo-lhe fé pública, consoante o disposto no art. 3º da Lei nº 8.935/1994, que tem a seguinte redação:
“Art. 3º Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro”.
Dessa maneira, a formalização por meio de escritura pública traz maior segurança, tranquilidade e certeza de que as declarações das partes reflitam a sua vontade real, livre de qualquer vício de consentimento, coação, fraude etc. Nesse sentido, em recente decisão o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negou provimento ao pedido de nulidade de Escritura Pública de União Estável, uma vez que essa foi lavrada perante o Tabelião e, por essa razão, é dotada de fé pública que lhe confere validade. O caso tratava de tentativa de sucessores de pessoa falecida em anular escritura de união estável para excluir a companheira de direitos hereditários. Os sucessores alegavam vício de consentimento do falecido ao assinar a escritura de união estável lavrada em cartório.
Vale transcrever a ementa da decisão:
AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ESCRITURA PÚBLICA DE UNIÃO ESTÁVEL. Insurgência da parte Autora contra a sentença que julgou improcedente a demanda. Descabimento. Data indicada na escritura pública como início da união estável que coincide com o constante nos autos da ação de divórcio ajuizada pelo “de cujus” em face da Apelante Elza. Distinção dos endereços de residência do “de cujus” e da Apelada que não afastam, isoladamente, a união estável. Elementos indicativos da veracidade das informações declaradas no documento, como provas testemunhais e documentais quanto às diversas internações do “de cujus”, sempre acompanhado pela Apelada. Apelantes que não lograram êxito em comprovar vício no consentimento do “de cujus”, citando prontuários médicos que tão só apontam sua degradação física, sonolência e lentificação, que não guardam relação com a perda de lucidez. Prova testemunhal que ampara a narrativa de que a relação com a Apelada era pública e notória. Escritura pública que é dotada de fé pública, assinada por tabelião, que declarou consentimento das partes. Análise integrada do conjunto probatório que permite concluir que o documento é formalmente perfeito e válido. Sentença mantida. Recurso negado. (TJ-SP – AC: 10112922520188260554 SP 1011292-25.2018.8.26.0554, Relator: Maria de Lourdes Lopez Gil, Data de Julgamento: 26/08/2020, 7ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 27/08/2020)
Nos termos da decisão, o TJSP entendeu que a declaração prestada pelo falecido perante o tabelião e por ele reconhecida não configurava vício de consentimento em razão da fé pública do tabelião.
Em outro caso parecido, o entendimento do TJSP foi no mesmo sentido ao negar provimento a outro pedido de anulação de Escritura Pública de União estável, por entender que o documento público é hígido e possui presunção de veracidade.
Assim, transcrevemos ementa:
APELAÇÃO CÍVEL – Ação de Anulação de Escritura Pública declaratória de união estável – Sentença de improcedência – Apelo dos autores requerendo, preliminarmente, a nulidade da sentença, por violação ao princípio da identidade física do juiz e pelo cerceamento de defesa – Não ocorrência – Sentença proferida na vigência do atual Código de Processo Civil, que não reproduziu o art. 132 do Código revogado – Parte que não fez qualquer impugnação à conduta da magistrada de origem no momento da colheita da prova, pretendendo anular a audiência em grau recursal – Não cabimento – Rechaçada a utilização de ‘nulidade de algibeira’ – Conduta viola boa-fé objetiva e deveres laterais de conduta – No mérito, requerem a anulação da escritura pública de união estável realizada entre sua falecida irmã e o réu – Alegação de vício de consentimento por parte da ‘de cujus’, que na época passava por tratamento médico em decorrência de câncer cerebral – Escritura pública que possui presunção de veracidade, corroborada por demais provas constantes dos autos – Apelantes não se desincumbiram de seu ônus de prova, não tendo comprovado o alegado vício de consentimento – Higidez da escritura, dotada de fé pública – Inteligência do art. 215 do Código Civil – Sentença mantida – Recurso não provido. (TJ-SP – AC: 10079078820168260344 SP 1007907-88.2016.8.26.0344, Relator: Manoel Ribeiro, Data de Julgamento: 29/11/2019, 9ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 29/11/2019).
Tem-se, portanto, que nossos tribunais têm mantido a validade de declarações de união estável feitas perante tabelião de notas, dada à fé pública desse último. Se a formalização das uniões estáveis retratadas nos julgados acima tivesse sido feita por meio de contrato particular, talvez o desfecho dos casos pudesse ter sido outro. Uma vez coisa é certa: a disputa judicial seria muito mais complexa e longa, o que certamente atrasaria o final do processo de inventário.
A escritura pública de união estável promove maior segurança para o casal, uma vez que garante prova plena da existência da união, bem como pode inibir eventuais nulidades futuras. Além disso, a escritura possui eficácia contra terceiros e garante todos os direitos sucessórios e previdenciários em caso de falecimento de um dos companheiros.
Ana Bárbara Zillo é advogada do departamento de wealth planning do Battella, Lasmar & Silva Advogados.
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