Por David Roberto R. Soares da Silva
Em recente decisão, o Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT) permitiu a pesquisa e penhora de bens de companheiro em união estável para responder por dívida contraído pelo outro companheiro. A decisão reforça a importância na formalização da união e os riscos da não escolha de regime de bens apropriado.
No caso analisado, o casal havia elaborado uma declaração singela de união estável sem menção à adoção do regime de bens adotado. Nos termos do art. 1.725 do Código Civil, quando os companheiros na união estável não estabelecem por escrito o seu regime de bens, adotar-se-á o regime da comunhão parcial no tocante às relações patrimoniais do casal.
Por este regime (arts. 1.658 c/c 1.660 do Código Civil), os bens adquiridos na constância da união estável são considerados bens comuns do casal, ou seja, pertencentes a ambos, ainda que venham a ser registrados em nome de apenas um deles. O mesmo ocorre com relação às dívidas e obrigações: aquelas contraídas na constância da união estável também se tornam comuns ao casal, ou seja, ambos respondem pelas dívidas e obrigações, ainda que contraídas em nome de um deles.
O Código Civil traz algumas exceções a essa regra, como é o caso de bens recebidos por herança e doações, salários, obrigações anteriores à união estável, dentre outros.
Pois bem, no caso analisado pelo TRT, o companheiro havia contratado um empregado em 2017, rescindindo seu contrato em agosto de 2018. O empregado acionou o companheiro na Justiça do Trabalho por verbas trabalhistas. Em outubro de 2018, o casal firma uma declaração de união estável, sem adoção de regime de bens, dizendo que vivem em união estável desde 2016.
Na execução da dívida trabalhista, pretendeu o empregado buscar e penhorar bens da companheira por não encontrar bens em nome do companheiro. Em 1ª Instância, a Justiça do Trabalhou negou a busca e penhora alegando que o contrato de trabalho era anterior à declaração de união estável.
Em sede de recurso o TRT reverteu a decisão sob o argumento de que embora firmada em outubro de 2018, a declaração de união estável reconhecia seu início em 2016, deixando, no entanto, de estabelecer o regime de bens. Invocando o art. 1.725 do Código Civil, o TRT entendeu que o regime do casal era o da comunhão parcial de bens dado que as partes não tinham eleito, por escrito, regime de bens diverso. Assim sendo, a Corte Trabalhista entendeu que se tratava de dívida comum do casal e, por essa razão, a busca e penhora de bens em nome da companheira deveria ser aceita.
Vale transcrever a ementa da decisão:
“UNIÃO ESTÁVEL. PESQUISA DE BENS EM NOME DA COMPANHEIRA DO EMPREGADO EXECUTADO, PARA FINS DE PENHORA DA COTA PARTE DESTE NOS EVENTUAIS BENS AMEALHADOS NA UNIÃO. POSSIBILIDADE. O devedor responde por suas dívidas com o seu patrimônio (CPC, art. 789), o que, de regra, inclui a meação que lhe cabe no patrimônio comum adquirido na constância da união estável, em regime de comunhão parcial (CC, art. 1.725; Lei 9.278/1996, art. 5º). Noticiada a existência de união estável desde antes do início do contrato de emprego, deve ser deferido o requerimento de pesquisa de bens em nome da companheira do empregado executado, para fins de penhora da cota parte deste nos eventuais bens amealhados na união estável”. (Proc. nº 0000411-64.2019.5.12.0019, julgamento em 22/04/2021).
A decisão traz outro julgado no mesmo sentido que permite a penhora de bens comuns do casal em união estável, mesmo na ausência de qualquer formalização. Vale transcreve, também, esse julgado:
“PENHORA. UNIÃO ESTÁVEL CONFIGURADA. VALIDADE. Comprovado nos autos que a agravante e o executado viviam em união estável na forma do art. 1.723 do Código Civil e após adquiriram veículo, cabível a penhora sobre o bem móvel de propriedade da convivente. Conforme art. 1.658 do mesmo diploma legal, o qual disciplina o regime de comunhão parcial, não é vedada a penhora da meação sobre os bens adquiridos na constância da união dos conviventes” (TRT/12, AP 0000529-16.2018.5.12.0006, publicado em 30/09/2019).
As decisões revelam a importância da formalização da união estável e, também, da adoção de um regime de bens apropriado que, de alguma forma, proteja o patrimônio do casal.
Nos dois casos, tivessem os companheiros formalizado a sua união estável de forma adequada, incluindo a adoção do regime da separação total da bens, a busca e penhora de bens do companheiro não devedor não seria admitida.
No dia a dia do planejamento patrimonial para casais, a escolha do regime da separação total de bens, sugerida por vezes por uma das partes, é mal-recebida e mal interpretada como uma forma de alijar a outra parte do usufruto dos bens durante a relação ou um medo de a relação não dar certo. Ou até mesmo de falta de amor ou falta de confiança. Ou seja, as partes olham a adoção da separação de bens apenas sobre a ótica dos “bens”, jamais das dívidas e obrigações que podem surgir durante a relação.
O regime da separação de bens pode ser um aliado importante na proteção do casal e dos seus filhos, especialmente no caso de uma das partes vier a incorrer em obrigações e dívidas excessivas. Dívidas, diga-se de passagem, que podem surgir durante o exercício de uma profissão liberal (ex., erro médico) ou mesmo de uma atividade empresarial.
Por isso, na escolha do regime de bens, deve o casal tentar abstrair todos os vieses, preconceitos e tabus e considerar as exposições que cada parte possui a riscos externos (profissionais, empresariais etc.), os quais, de alguma maneira, podem afetar negativamente o patrimônio do casal e, mais importante que isso, o sustento da futura família e filhos.
David Roberto R. Soares da Silva é advogado tributarista, também especializado em planejamento patrimonial e sucessório. É sócio do Battella, Lasmar & Silva Advogados, autor do Brazil Tax Guide for Foreigners (2021), e coautor do Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos (2018), Tributação da Economia Digital no Brasil (2020), Renda Variável: Investimentos, Tributação e Como Declarar (2021), e do e-book Regimes de Bens e seus Efeitos na Sucessão, todos publicados pela Editora B18.
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