O testamento, mesmo o particular, precisa guardar um mínimo de formalidades, somente sendo possível flexibilizá-las em situações muito especiais.
Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial que visava validar um testamento particular excepcional, feito de próprio punho por um homem que morreria de câncer posteriormente.
No caso, o testamento dispunha que os bens de alto valor sentimental, porém de valor econômico reduzido, não fossem repassados para seus irmãos, herdeiros colaterais. Segundo o desejo do testador, os bens deveriam ser doados à biblioteca municipal, asilos, museus e entidades assistenciais.
O dilema residiu no fato de que o documento não cumpriu as exigências e formalidades estipuladas na lei. Segundo o parágrafo 1º do artigo 1.876, o testamento deve ser lido e assinado na presença de, pelo menos, três testemunhas, que devem subscrever o documento.
Na situação, o documento de duas páginas tinha apenas a assinatura do testador, bem como, havia suspeitas de que o documento não tinha sido escrito de uma só vez. Em consequência disso, a validade do testamento foi negada pelas instâncias judiciais comuns, em resposta ao pedido dos herdeiros colaterais.
O testamenteiro – aquele que cumpre as disposições do testamento -, recorreu ao STJ alegando a presença de situações excepcionais justificadoras do testamento particular.
Segundo a Corte, o testamento particular foi considerado inválido justamente pela falta das formalidades na sua preparação. Para o ministro Moura Ribeiro, ainda que se admitisse o documento feito sem testemunha ou em circunstância excepcional, deveria, no mínimo, ser assinado em todas as folhas e feito em uma única assentada.
Neste sentido, destacamos trecho do acordão:
“Importante salientar que o testamento, mesmo o particular, precisa guardar um mínimo de formalidades, somente sendo possível flexibilizar em situações muito especiais, o que não parece ser o caso” (STJ – REsp: Nº 2.000.938 -SP 2021/0374579-5, MINISTRA NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 08/08/2022, T3 – TERCEIRA TURMA)
Já a relatora ministra Nancy Andrighi, que teve sua posição vencida, entendeu ser ilógico desrespeitar a disposição de última vontade tão enérgica e enfática, escrita sob a dor física e emocional causada pela exclusão e pela indiferença dos irmãos.
Conforme sua interpretação, quando não há incertezas em relação à vontade do falecido, é justificável a requalificação do testamento particular para a forma de codicilo. O codicilo é um tipo de documento previsto no Código Civil, no artigo 1.881, que serve como expressão da última vontade do indivíduo em relação a assuntos como o cerimonial de seu funeral e doações de pequenas quantias, ou objetos de reduzido valor.
Em conclusão, a recente decisão ressalta de maneira contundente a importância de seguir rigorosamente as formalidades legais ao redigir um testamento. Embora possam parecer excessivas ou burocráticas, essas exigências legais têm um propósito fundamental: garantir a validade do testamento e evitar controvérsias futuras.
Ademais, essa abordagem é prudente não apenas assegura a validade do documento, mas também para proteger os interesses do testador e de seus beneficiários, garantindo que seus desejos sejam realizados de maneira eficaz e de acordo com a lei.
Ana Bárbara Zillo é advogada do departamento de wealth planning do BLS Advogados, em São Paulo.
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