Desde 2018, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) enfrenta questionamentos sobre o uso do termo “assessor de investimentos”, em detrimento do “agente autônomo de investimento” para se referir aos prepostos das corretoras que contratam esse participante do mercado de valores mobiliários.
Tudo começou com a permissão expressa em uma de suas manifestações de entendimento divulgada em dezembro de 2018, quando a CVM, o órgão regulador do mercado de capitais, ressaltou a existência de reclamações de investidores que acreditavam estar contratando um consultor “financeiro”, quando na verdade estavam realizando negócios com um agente autônomo de investimento.
Segundo a manifestação da CVM, o uso do termo “assessor” era permitido, mas desde que o participante revelasse ao cliente[1] como suas atividades eram realizadas, evitando assim a confusão com o consultor de valores mobiliários.
Isso porque, em que pese o agente autônomo de investimento possa atuar diretamente com a orientação na alocação dos ativos, apenas o consultor está apto a recomendar valores mobiliários de forma independe e individual aos clientes, característica principal dessa atividade (de consultoria de valores mobiliários).
Em verdade, o agente autônomo de investimento só pode exercer as atividades previstas na norma, quais sejam: prospecção e captação de clientes; orientações sobre os produtos da corretora e a transmissão das ordens dos investidores aos sistemas das intermediárias, vedada a recomendação de valores mobiliários e participação em outros negócios, como o segmento de seguros – razão pela qual muitas sociedades de agentes autônomos de investimento adotam o modelo de negócio conhecido como “PJ 1” e “PJ 2”.
Atualmente, por meio do advento da Lei nº 14.317 de 2022[2] o termo agente autônomo de investimentos foi deixado totalmente de lado, sendo inserido no corpo da legislação a expressão “assessor de investimento”.
Porém, o regime jurídico do profissional não se alterou: ele ainda continua mediando a negociação de produtos em nome da corretora como integrante sistema de distribuição de valores mobiliários, recebendo por meio de comissões, taxas e rebates pelo produto intermediado, sem independência no exercício de suas atividades.
Ou seja, a mera alteração da expressão não indica que ele se tornou mais ou menos independente do que um ou outro profissional no mercado, indica apenas uma mudança, possivelmente estratégica, do que virá acontecer no futuro com o “mercado de assessoria de investimentos” – expressão não citada nas normas da CVM para se referir ao imenso mercado desses profissionais.
Apenas para se ter ideia do crescimento, estima-se que o número de assessores de investimento tenha crescido mais de 70% desde 2017, ocupando a primeira posição no ranking se comparado à quantidade e crescimento de outros participantes do mercado de valores mobiliários que prestam serviços relativamente parecidos, como o consultor de valores mobiliários e o administrador de carteira de valores mobiliários registrado na modalidade gestor de recursos.
Hoje, o que se discute é se o modelo de negócio vai realmente mudar.
Com as propostas de mudança das normas do assessor de investimentos e intermediários previstas nas Minutas do Edital de Audiência Pública SDM n. 5 de 2021[3], a CVM analisa se o profissional poderá ou não exercer a atividade de recomendação de valores mobiliários no escopo de seus serviços de negociação e intermediação.
Entretanto, a autorização para o exercício de recomendação não irá alterar a natureza da prestação de serviços do profissional, que continuará vinculado à instituição do sistema de distribuição de valores mobiliários contratante, sem independência ou qualquer outro tipo de conduta que permita eventual confusão com o consultor de valores mobiliários. Uma tarefa, no mínimo, muito difícil.
Por fim, ressalte-se: a prestação de serviços de planejamento financeiro (de forma remunerada) é vedada ao assessor de investimentos, e o uso de termos similares (como wealth planning, financial planner; advisory) deve ser usado com cautela, exatamente para não levar o cliente a erro.
[1] Atualmente, existem discussões judiciais a respeito da titularidade das comissões geradas pela carteira do cliente que mantém conta na corretora, uma vez que a norma dispõe que o assessor de investimentos tem apenas uma relação comercial com o cliente. A ausência de disposição regulatória específica sobre o assunto permitiu arranjos societários diversos entre assessores de investimento pessoa jurídica, física e corretoras, resultando em uma disputa acirrada por clientes por meio das divergências existentes nas cláusulas de non compete, non solicit e outras cláusulas de barreira comuns no mercado de assessoria de investimentos.
[2] Que alterou a Lei nº 6.385 de 1976, mais conhecida como a lei do mercado de valores mobiliários.
[3] A Minuta A e Minuta B do Edital de Audiência Pública SDM n. 5 de 2021 também trouxeram outras propostas de mudança, como a possibilidade de o assessor de investimento ter mais de uma corretora contratante (movimento conhecido com o fim da exclusividade) e/ou ter sócios capitalistas nas sociedades de assessores de investimento (por meio da constituição ou transformação da sociedade simples em empresária). Até hoje, o relatório de análise do Edital com aprovação das mudanças ainda não foi publicado.
Vivian Marques, CEA® é advogada atuante em questões regulatórias do mercado de valores mobiliários e especialista em investimentos (ANBIMA); negócios no Sistema Financeiro Nacional e em planejamento sucessório.
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