São relativamente comuns os casos de pessoas não possuem sucessores vivos e, na ausência de um planejamento sucessório adequado, essa situação pode fazer com que o patrimônio seja “herdado” pelo Poder Público.
Para o Direito Sucessório, a morte é que irá determinar a abertura da sucessão, transmitindo a posse e propriedade dos bens do de cujus aos herdeiros legítimos ou testamentários.
Nesse sentido, se uma pessoa morre sem deixar testamento, seu patrimônio obedecerá à ordem de vocação hereditária, a qual, nada mais é, do que a sequência pela qual os parentes sucessíveis serão chamados para receber a herança da pessoa falecido.
Pela ordem, em primeiro lugar, encontram-se os herdeiros necessários. Nesse patamar, a herança será destinada aos descendentes e, a depender do regime de bens adotado, ao cônjuge ou companheiro. Se não houver descendentes, os ascendentes, se vivos, são chamados para dividir a herança com o cônjuge, e na ausência deles, o cônjuge herda a totalidade dos bens.
Se não houver nenhum herdeiro necessário, a herança caberá aos parentes colaterais, seguindo a seguinte ordem: irmãos, sobrinhos, tios e primos até o 4º grau.
Por conseguinte, para que os herdeiros recebam a herança, é necessário que eles estejam vivos e sejam localizados.
Todavia, no caso de o falecido não ter herdeiros nem deixar testamento, entram em ação dois termos importantes: herança jacente e herança vacante.
A herança jacente é aquela que ocorre quando alguém falece e não é deixado nenhum herdeiro e nenhum testamento, tornando-a assim uma herança sem nenhuma destinação.
Nesse sentido, estabelece o art. 1.819 do Código Civil:
Art. 1.819. Falecendo alguém sem deixar testamento nem herdeiro legítimo notoriamente conhecido, os bens da herança, depois de arrecadados, ficarão sob a guarda e administração de um curador, até a sua entrega ao sucessor devidamente habilitado ou à declaração de sua vacância.
Em termos práticos, não sendo localizados herdeiros legítimos, o juiz declara a herança jacente e nomeia um curador que ficará responsável pela guarda e manutenção dos bens, até que seja encontrado algum sucessor passível de receber a herança. Os procedimentos de herança jacente são regulados pelos arts. 738 a 743 do Código de Processo Civil.
Durante esse período (chamado de período de jacência), deve o curador nomeado adotar todas as medidas para a conservação dos bens, prestando contas ao juiz, sempre sob supervisão do Ministério Público. Entre as atividades desse curador estão, por exemplo, receber aluguéis, gerir os recursos financeiros, pagar os impostos e demais despesas do patrimônio etc. Pode o curador, inclusive, promover e responder a ações judiciais relacionadas com a herança jacente (por exemplo, promover ação de despejo por falta de pagamento de aluguel, reintegração de posse de imóvel invadido).
Durante esse período, deverão ser realizadas diligências para determinar o paradeiro de eventuais sucessores e outros bens, incluindo o exame de correspondências e documentos pessoais que possam indicar a localização de bens e herdeiros.
Finalizado o inventário dos bens, ainda sem herdeiros localizados e habilitados, o juiz determinará a expedição de edital, que seja publicado na internet do site do tribunal de justiça a que estiver vinculado, e na plataforma do Conselho Nacional de Justiça.
Passado um ano da primeira publicação de edital, sem que nenhum herdeiro reclame para si a herança, ela será declarada vacante e o bem será destinado ao patrimônio público, nos termos do art. 1820 do Código Civil:
Art. 1.820. Praticadas as diligências de arrecadação e ultimado o inventário, serão expedidos editais na forma da lei processual, e, decorrido um ano de sua primeira publicação, sem que haja herdeiro habilitado, ou penda habilitação, será a herança declarada vacante.
Com a declaração de vacância, os bens serão destinados ao Município ou ao Distrito Federa.
Vale notar que a herança vacante também ocorre nos casos em que todos os chamados a suceder renunciam à herança (Código Civil, art. 1.823).
Importante frisarmos que, enquanto a herança jacente tem caráter transitório, a herança vacante possui caráter definitivo.
Por fim, mesmo depois de instaurada a sentença que promove a vacância, ainda é possível que um dos herdeiros necessários (cônjuge, companheiro, descendente ou ascendente)a reivindique, desde que não tenham se passado cinco anos da data de abertura da sucessão (falecimento). Isso significa que, com a declaração de vacância, irmãos, sobrinhos, tios – que não são herdeiros necessários – perdem o direito à herança, dado que essa reivindicação somente é possível aos herdeiros necessários. Depois desse prazo de cinco anos, a sentença de vacância se torna definitiva, e o acervo hereditário passará a ser do Poder Público em caráter definitivo.
Pois bem, após toda a explanação, o questionamento que deve estar sendo feito nesse momento é: não tenho herdeiros legais, e não quero que meu patrimônio seja destinado ao Poder Público. O que posso fazer?
Em casos assim, é possível que a pessoa disponha de seu patrimônio por meio do testamento. Nessa situação, como não há herdeiros necessários, é permitido que o testador deixe a totalidade de seu patrimônio para quem bem entender, incluindo entidades filantrópicas. religiosas, ONGs etc.
Senão vejamos,
Imaginemos que o testador é solteiro, sem filhos e sem ascendentes. Nesse caso, ele pode deixar 100% dos seus bens para aqueles que desejar, seja um parente, um amigo próximo e até mesmo uma instituição de caridade.
Para tanto, é possível que o testador utilize umas das várias modalidades de testamento disponíveis, como o testamento particular, o cerrado ou aquele lavrado por meio de escritura pública perante Tabelião de Notas, esse último sempre o mais recomendado. (Leia mais sobre testamentos em nosso mini-site)
Ademais, o testador pode alterar seu testamento quantas vezes quiser durante sua vida, podendo adequar a partilha de seus bens conforme sua conveniência, necessidade ou mutação do seu patrimônio.
Como dito acima, as questões envolvendo herança são complexas e variam conforme vários fatores. Entretanto, é interessante lembrarmos que o testamento tem excelente aplicação para pessoas sem herdeiros legais.
Ana Bárbara Zillo é advogada do departamento de wealth planning do Battella, Lasmar & Silva Advogados.
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