Por David Roberto R. Soares da Silva
Antes mesmo de o Supremo Tribunal Federal publicar o acórdão que declarou inconstitucional a incidência do ITCMD sobre heranças e doações do exterior, o Congresso Nacional já se move para limitar os efeitos da futura perda de arrecadação.
Em 17 de março último, o Deputado Hildo Rocha (MDB-MA) apresentou à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 37/2021 para regulamentar o art. 155, § 1º, inciso III da Constituição Federal, que trata da incidência do imposto sobre heranças e doações.
Com apenas três artigos, o PLP nº 37/2021 determina que, para bens imóveis, o ITCMD será devido ao Estado onde se localiza o bem, em qualquer hipótese. Já o ITCMD relativo a “bens móveis, títulos e créditos, ainda que no exterior” caberá ao Estado onde se processar o inventário ou arrolamento, ou tiver domicílio o doador.
O § 1 do art. 2º determina, ainda, que o imposto também se aplica aos bens imóveis e respectivos direitos situados no exterior.
Mas, a questão central discutida na recente decisão do STF se encontra no § 2º do art. 2º. Esse dispositivo estabelece que, no caso de bens herdados no exterior ou quando o doador tiver domicílio no exterior, o imposto caberá ao Estado em que tiver domicílio o beneficiário residente no Brasil.
À primeira vista, o PLP nº 37/2021 parece não trazer maiores problemas com relação aos bens imóveis envolvendo estrangeiros. Se o imóvel estiver localizado no Brasil, o ITCMD será devido ao Estado onde se localiza o bem.
A pergunta que fica no ar, no entanto, é se o imposto ainda seria devido em casos em que ambos o falecido (ou doador) e o herdeiro (ou donatário) sejam não residentes, estando apenas o imóvel localizado no Brasil. Não são raras as situações de estrangeiros que adquirem propriedades no Brasil e tenham seus herdeiros também fora do país. Se o contribuinte é o beneficiário (herdeiro), mas ele não for residente em qualquer Estado brasileiro, como justificar a tributação? O mesmo ocorre se um doador não residente doar um imóvel a um donatário também não residente. Como o imposto é pessoal (herdeiro ou donatário = beneficiário), parece que estaríamos diante de um caso de não incidência, pois o imposto de doações não poderia atingir alguém não residente em nenhum estado da Federação.
Já no que se refere aos bens móveis, especialmente participações em empresas, é de se esperar uma briga entre os estados. Vejamos o Estado de São Paulo, por exemplo, cuja legislação estabelece que o ITCMD é devido quando o ato de transferência do bem incorpóreo (ações ou quotas) ocorrer dentro dos limites do Estado. Vamos dizer que um estrangeiro falece no exterior deixando quotas de uma empresa em São Paulo a um herdeiro no Paraná. Pelo texto do PLP nº 37/2021, o imposto caberá ao Paraná, mas certamente haverá resistência pela Junta Comercial paulista em registrar a transferência das quotas sem o devido pagamento do ITCMD para São Paulo.
Exemplos como este são encontrados em diversas legislações estaduais. Então, a promulgação da lei complementar, se vier a ocorrer, exigirá uma revisão detalhada das leis estaduais para evitar que novos conflitos apareçam. A contar pelo histórico verificado nas últimas duas décadas, as perspectivas não são promissoras.
O PLP nº 37/2021 ainda está nos primeiros estágios do processo legislativo. Em breve serão designados o relator e as comissões pelas quais o projeto deverá passar até sua apreciação e aprovação pelo pleno da Câmara dos Deputados por maioria absoluta dos seus membros (50% + 1). Ato contínuo o projeto deverá ser apreciado em rito similar pelo Senado Federal.
Os astros parecem conspirar para a aprovação do projeto ainda em 2021. A sangria dos cofres estaduais em razão da COVID-19 e ausência de eleições em anos ímpares são fatores que podem acelerar o interesse dos congressistas. No entanto, mesmo que aprovado ainda em 2021, a tributação somente poderia alcançar fatos geradores a partir de 2022.
Por fim, não seria de se entranhar que, atento às movimentações do Congresso Nacional, o STF postergue a publicação do acórdão para momento posterior à edição da Lei Complementar. Se isso acontecer, os contribuintes terão ganhado o caso no STF, mas não terão levado, pois a lei complementar criaria a incidência para fatos futuros. A ver…
BAIXE O PROJETO DE LEI Nº 37/2021 AQUI
David Roberto R. Soares da Silva é advogado tributarista, também especializado em planejamento patrimonial e sucessório. É sócio do Battella, Lasmar & Silva Advogados, autor do Brazil Tax Guide for Foreigners, e coautor do Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos, Tributação da Economia Digital no Brasil, e do e-book Regimes de Bens e seus Efeitos na Sucessão, todos publicados pela Editora B18.
com relação ao seu levantamento….” A pergunta que fica no ar, no entanto, é se o imposto ainda seria devido em casos em que ambos o falecido (ou doador) e o herdeiro (ou donatário) sejam não residentes, estando apenas o imóvel localizado no Brasil.”
sendo sucinto, não vejo problema para uma leitura adequada do texto proposto….” para bens imóveis, o ITCMD será devido ao Estado onde se localiza o bem, EM QUALQUER HIPÓTESE.” visto que o contribuinte do ITCMD, para bem imóvel, será o beneficiário (independentemente da localização deste) e o imposto caberá ao estado onde está o bem.
As brigas tributárias dos entes da federação tenderão a serem superadas e moduladas com a readequação nas legislações estaduais.