Por Danielle Santos
Em agosto de 2021, saiu na imprensa que o testamento do cantor Agnaldo Timóteo, falecido de Covid-19 naquele ano, deixara 50% da herança, estimada em R$ 16 milhões, para a sua filha adotiva de 14 anos. A notícia causou furor na família do artista, que pleiteou anular o documento que fez a menina proprietária de vários imóveis do falecido.
Essa exposição midiática nos leva a refletir sobre um tema pouco comentado, mas não muito raro de ocorrer: como um menor ou incapaz pode lidar com uma herança recebida e de que forma imóveis herdados podem ser vendidos?
No caso do Agnaldo Timóteo, ele nomeou como inventariante e tutor da filha seu advogado e amigo há 45 anos. A menina, com apenas 14 anos na época, é considerada incapaz pela legislação brasileira, nos termos do que determina o Art. 3º do Código Civil: “são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos“.
Vale lembrar que capacidade civil é a aptidão de adquirir direitos e de assumir deveres nas relações jurídicas patrimoniais como, por exemplo, comprar, vender e realizar contratos.
Na qualidade de filha e herdeira, o recebimento dos imóveis por herança não causa grandes problemas. Mas a situação muda quando a questão se volta ao direito de a menor vender esse patrimônio herdado, especialmente no caso de bens imóveis.
Se a filha do cantor quiser vender algum imóvel deixado pelo pai é necessário observar certos parâmetros para que a venda não seja considerada, acarretando problemas ao comprador. Isso porque a capacidade das partes é um dos requisitos legais para praticar um ato jurídico válido, com respectivos direitos e deveres.
Os menores de 18 anos devem ser representados pelos seus pais ou tutor, e caso um laudo médico comprove a incapacidade do adolescente é preciso que ele seja representado por um curador juridicamente instituído. Pensando em um incapaz (exemplo: menor de 16 anos), a venda deverá respeitar alguns requisitos legais. Os pais, tutores ou curadores, mesmo sendo os responsáveis legais por administrar, cuidar e proteger os interesses e bens do incapaz, não podem livremente vender os bens dos seus curatelados ou tutelados.
É necessário que a venda tenha uma autorização judicial prévia. Isso porque o Estado entende que é preciso resguardar os interesses e patrimônios do incapaz para que eles não sejam prejudicados, e não fiquem desamparados financeiramente. Por incrível que pareça, não é raro se deparar com uma venda de imóvel de propriedade de menor ou interditado sem a devida autorização judicial, ainda que todos os documentos tenham sido assinados pelos pais ou responsáveis legais
Vale a pena transcrever o que dispõem os Arts. 1.691, 1.750 e 1.781 do Código Civil:
“Art. 1.691. Não podem os pais alienar, ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz.”
“Art. 1.750. Os imóveis pertencentes aos menores sob tutela somente podem ser vendidos quando houver manifesta vantagem, mediante prévia avaliação judicial e aprovação do juiz.”
“Art. 1.781. As regras a respeito do exercício da tutela aplicam-se ao da curatela, com a restrição do art. 1.772 e as desta Seção.”
Não é simples obter um alvará judicial para a venda. É preciso que um advogado entre com um processo e solicite a autorização do juiz.
No caso dos pais querendo vender imóvel pertencente a filho menor, a ação deve descrever a “necessidade da venda”, entendida como subsistência do menor para custeio de alimentos ou medicação, ou o “interesse da prole”, compreendido como algo mais vantajoso para o incapaz como a venda para adquirir um patrimônio melhor e maior. Caso os requisitos não sejam bem colocados, o juiz não concederá o alvará.
Já no caso de um incapaz interditado ou representado por tutor, como a filha de Agnaldo Timóteo, a lei impõe três requisitos imprescindíveis: (1) manifesta vantagem tão somente para o incapaz, (2) avaliação judicial para verificar que a venda não traz prejuízos financeiros a ele, e (3) a posterior aprovação do juiz.
Mesmo assim, o valor da venda deve ser depositado em juízo e só poderá ser retirado mediante outro alvará, e ainda prestação de contas por parte do tutor ou curador para mostrar que o dinheiro custeará despesas ordinárias com o seu sustento, sua educação e a administração de seus bens.
Vale ressaltar que a autorização judicial deve ser prévia à venda, sob risco de ser declarada nula e o comprador requerer o valor de volta e ainda restituição por possíveis benfeitorias realizadas no imóvel.
No âmbito do planejamento patrimonial e sucessório, não são raras as situações nas quais se sugere a doação de imóveis aos filhos, por vezes menores. Essa doação, que a princípio, pode parecer vantajosa, pode causar problemas e transtornos adicionais no futuro, especialmente se for necessário vender o imóvel detido pelo menor de idade.
Em certos casos, uma solução possível pode ser a constituição de uma empresa holding, cujas quotas podem ser então doadas aos filhos menores com reserva de usufruto aos pais. De toda forma, qualquer planejamento patrimonial ou sucessório envolvendo menores ou incapazes deve ser precedido de cuidadosa análise para se evitar dissabores que não possam ser revertidos ou desfeitos no futuro.
Danielle Santos é advogada militante na defesa dos direitos e solução dos conflitos familiares, especializada em Direito de Família e Sucessões em Recife/PE.
Comprei um imóvel em nome de menores, com todas as exigências que a lei requer, alvará judicial, prova de imóvel de maior valo etc… na época só fiz a escritura publica, e agora fui registrar, o cartório exigiu que se faça um termo aditivo colocando os menores como vendedores. Isso é legal, uma vez que o dinheiro foi usado para compra de imóvel de maior valor devidamente comprovado e com alvará judicial, antes da concretização da venda. Eu só quero registrar. A escritura pública, e impostos etc já foram pagos na época.
A recomendação nesse caso é procurar assessoria jurídica especializada.