Com a crise econômica, vem a inadimplência e, consequentemente, os contratos de financiamento, sobretudo de bens imóveis, passam a sofrer os efeitos diretos da recessão. Somente o corte de gastos às vezes não é suficiente, e o mutuário, por vezes, tem seu imóvel levado a leilão.
Mas não são somente as instituições financeiras que utilizam esse modo de alienação. Credores que não obtiveram êxito na recuperação de seu crédito, via penhora, terminam por também levar o imóvel do devedor a leilão.
Por outro lado, há um mercado ávido pela aquisição desses mesmos imóveis, por um preço bem inferior ao praticado no mercado. São pessoas dispostas a acompanhar editais de leilão, ou sites especializados, na busca de bons negócios.
O edital é um instrumento em que se comunicam os atos oficiais, e por ele, ficam os interessados sabendo em quais condições estão disponíveis os bens levados à venda em leilão, seja judicial, seja extrajudicial. Nos leilões judiciais, é comum que conste dos editais que o arrematante é o responsável pelas dívidas tributárias do imóvel, o que, conforme veremos, passa por uma alteração de entendimento muito relevante.
Recentemente, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) decidiu[1] que o comprador de imóvel levado a leilão não é responsável por dívidas tributárias existentes anteriormente à arrematação. Ou seja, o valor pago pelo comprador tem justamente o objetivo de liquidar a dívida do devedor que resultou no leilão do bem e não dívidas de outra natureza, tais como as dívidas tributárias do imóvel.
O entendimento foi baseado no art. 130, parágrafo único do Código Tributário Nacional – CTN, cuja redação é a seguinte:
“Art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, sub-rogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação.
Parágrafo único. No caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço.”
Sub-rogar significa substituir, transferir, transmitir. O caput do art. 130 acima trata de casos de aquisição de bens imóveis, cujos débitos tributários transferem-se ao adquirente/comprador, tornando-o responsável tributário, caso essas mesmas dívidas não estejam pagas, ou ainda, caso não se comprove a quitação no título de aquisição (escritura do imóvel). Caso típico é a compra e vende de imóvel entre particulares: dívidas passadas de IPTU ou ITR seguem o imóvel.
À primeira vista, essa primeira parte do art. 130 do CTN pode levar à confusão.
Mas, logo em seguida, o parágrafo único excepciona a regra, dizendo que, ao invés de a dívida tributária se transmitir (se sub-rogar) ao adquirente, ela se transfere ao preço do bem arrematado em leilão. Ou seja, não será o arrematante do leilão quem responderá pela dívida, mas o preço que ele vier a pagar pela arrematação.
Vejamos trecho do acórdão do TJSP em que essa conclusão fica ainda mais clara:
“Infere-se do parágrafo único que, diante da aquisição de bem imóvel em hasta pública, a sub-rogação do crédito tributário ocorrerá sobre o respectivo preço, ou seja, o arrematante recebe o imóvel livre de quaisquer ônus tributários pretéritos à arrematação.”
E continua:
“(…) o edital não pode modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias ou a responsabilidade pelo pagamento contrariando às disposições do CTN. Conclui-se que a previsão que estabelece ao arrematante a responsabilidade por eventuais débitos tributários é inválida e, portanto, nula de pleno direito.”
Apesar da notícia ser bem positiva aos compradores de imóveis em leilão, a questão ainda não está pacificada.
É que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), possui decisões tanto favoráveis quanto contrárias ao entendimento da Corte Paulista. Numa delas, o STJ assim decidiu:
“(…) Firme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que, “havendo expressa menção no edital de hasta pública nesse sentido, a responsabilidade pelo adimplemento dos débitos tributários que recaiam sobre o bem imóvel é do arrematante (…)”[2]
Nesse ponto, restará ao STJ a palavra final sobre o caso, por meio de controle de demandas repetitivas, que certamente irão se proliferar cada vez mais em relação ao assunto, pacificando a questão de uma vez por todas.
Um fator que não se pode esquecer é o efeito prático dado ao tema.
É que, na esmagadora maioria das vezes, quem permite que seu imóvel vá a leilão não teve condições de mantê-lo, implicando um acúmulo de dívidas de todos os matizes: IPTU, condomínio, água, energia elétrica etc. E, certamente, quem o compra não quer “herdar” todo esse passivo, do contrário, não o faria.
É da própria lógica do leilão saldar eventuais débitos porventura existentes sobre o bem, e tornar o comprador o sucessor dessas dívidas possivelmente tornaria a venda por essa modalidade inviável, prejudicando ainda mais o credor, o mais afetado nessa cadeia.
Assim, é de se ter em mente que, a depender do caso, um estudo detalhado do imóvel em leilão é sempre o melhor caminho a trilhar. Lembre-se que esses bens podem ser alienados com redução de até 50% do valor de mercado, o que os torna um bom investimento, guardadas as devidas seguranças.
Artur Francisco da Silva é advogado do departamento de wealth planning e tax do Battella, Lasmar & Silva Advogados.
[1] Apelação nº 1000782-30.2020.8.26.0053.
[2] Agint no REsp 1845861.
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