Por Pedro Henrique Souza Silva
Decisões recentes nos tribunais do Canadá esclareceram as dinâmicas legais e práticas da propriedade conjunta (joint tenancy), um instrumento amplamente utilizado no planejamento patrimonial para facilitar a transferência de propriedade por meio do direito de sucessão automática (right of survivorship). Para fins deste artigo chamaremos apenas de joint tenancy.
Embora frequentemente elogiada por sua simplicidade e eficácia na eliminação da necessidade de inventário (probate), essa modalidade de propriedade pode gerar riscos significativos quando ocorrem mudanças inesperadas ou surgem disputas. Casos recentes ressaltam a importância de compreender a flexibilidade e as limitações do joint tenancy, especialmente no contexto do planejamento sucessório.
Primeiramente, vale dizer que o joint tenancy é um instituto que tem origem no direito inglês e existente em países que adotam o common law, como Canadá, EUA, Reino Unidos, Bahamas, BVI etc., mas que não é o caso do Brasil, . Um propriedade detida em joint tenancy outorga a cada coproprietário o direito a 100% sobre o bem, sem fração ideal, fazendo com que a sucessão ocorra somente entre aqueles tenants, excluindo outros possíveis herdeiros.
No caso Jackson v. Rosenberg, a Corte de Apelação de Ontário confirmou o direito unilateral de um dos coproprietários de encerrar o joint tenancy, convertendo-a em propriedade comum (tenancy-in-common), equivalente ao que seria uma propriedade em condomínio, com frações ideais distintas atribuídas a cada proprietário. Esta conversão tem por consequência eliminar a sucessão automática do joint tenancy apenas entre os tentants, fazendo com que ela ocorra na direção ao sucessor legítimo do tenant falecido.
Vamos ao caso.
Em 2012, Nigel Jackson transferiu a titularidade de seu imóvel para joint tenancy com Lori Rosenberg, sobrinha-neta de sua falecida companheira, como parte de uma estratégia patrimonial para permitir que Rosenberg herdasse a propriedade sem pagar taxas de inventário. Com esse procedimento, na morte de Nigel, Rosenber herdaria toda a propriedade. No entanto, em 2020, Jackson descobriu que Rosenberg e seu cônjuge planejavam reformar e vender o imóvel enquanto ele ainda estivesse vivo. Para manter o controle sobre sua casa, Jackson desfez o joint tenancy, garantindo que continuaria sendo proprietário de sua parte do imóvel.
Rosenberg argumentou que a transferência do imóvel para joint tenancy representava uma doação irrevogável, concedendo-lhe a propriedade plena do bem. Entretanto, o tribunal discordou, exigindo que Rosenberg provasse que a transferência foi um presente incondicional. A decisão concluiu que Jackson havia concedido apenas um direito de sucessão condicional, sem conceder direitos imediatos sobre a propriedade durante sua vida. Ao encerrar o joint tenancy, Jackson reduziu o interesse de Rosenberg a apenas 50% do valor do imóvel após sua morte. Ou seja, a Corte não exclui Rosenberg como proprietária do imóvel, mas eliminou o joint tenancy fazendo com que ela detivesse uma parcela ideal de 50%, o que não lhe daria direito de vender o imóvel.
Esse caso esclarece que o direito de sucessão automática não impede que o doador tome medidas que diminuam seu valor, demonstrando tanto a flexibilidade quanto os potenciais conflitos associados à propriedade conjunta.
Por outro lado, a Suprema Corte da Colúmbia Britânica, também no Canadá, analisou um aspecto diferente do joint tenancy em uma disputa sobre um imóvel em Burnaby. O imóvel por uma uma avó e sua neta desde 2008, foi convertido por ambas para joint tenancy, conforme confirmado por documento assinado em 2010. Em 2019, a avó foi declarada incapaz e, em 2021, seu filho adotivo — atuando como seu representante legal sob a Lei de Propriedade de Pacientes (Patients Property Act) — encerrou o joint tenancy. Ele alegou que essa ação era necessária para alinhar a distribuição do patrimônio da avó ao seu suposto desejo de dividir a herança igualmente entre todos os netos.
No entanto, o tribunal não encontrou evidências que sustentassem a alegação de que a avó pretendia modificar o joint tenancy ou alterar seu plano sucessório após a doação. Como resultado, invalidou o encerramento do joint tenancy, determinando que a ação do filho adotivo não beneficiava a avó nem seu patrimônio durante sua vida, mas visava apenas modificar a distribuição da herança.
No final, o tribunal confirmou que a neta continuava sendo a única proprietária legal e beneficiária do imóvel. Essa decisão reforça a importância de respeitar as intenções originais do doador no joint tenancy e limita o poder de representantes legais de modificar disposições patrimoniais sem justificativa clara.
Esses casos ilustram a dupla natureza do joint tenancy: embora facilite a sucessão patrimonial sem a necessidade de inventário, também pode gerar riscos significativos devido à sua flexibilidade. Para o planejamento sucessório, as implicações são profundas.
O direito de encerrar unilateralmente a copropriedade em joint tenancy dá autonomia aos proprietários para se adaptarem a mudanças nas circunstâncias, mas também pode criar incertezas para demais tenants, que podem assumir que o direito de sucessão permanecerá intacto. Além disso, ações de terceiros, como representantes legais de pessoas incapazes, podem levar a disputas judiciais caso modifiquem a propriedade sem evidências claras da intenção do doador.
Para mitigar esses riscos, indivíduos que consideram o joint tenancy devem tomar medidas proativas para garantir que seus planos sucessórios estejam bem documentados, revisados regularmente e alinhados com seus objetivos de longo prazo. Comunicação aberta entre os tenants pode ajudar a evitar mal-entendidos e disputas, enquanto aconselhamento jurídico especializado é fundamental para navegar pelas complexidades desse instituto.
Essas decisões judiciais recentes servem como um alerta de que o joint tenancy, embora seja uma ferramenta poderosa de planejamento patrimonial, exige planejamento cuidadoso e previsibilidade. A possibilidade de encerramento unilateral desse tipo de propriedade destaca a necessidade de equilibrar flexibilidade e estabilidade, garantindo que a estrutura escolhida possa se adaptar a mudanças sem comprometer a intenção original do proprietário. À medida que as circunstâncias legais e pessoais evoluem, é essencial monitorar e revisar regularmente os arranjos de titularidade de bens para evitar disputas e preservar a integridade dos planos sucessórios.
Pedro Henrique Souza Silva é economista com MBA em Economia, Investimentos e Banking, e integrante do time da DR Asset Planning, em Londrina/PR.
