Por Daniel Tregier e Fabio Meirelles
A Resposta à Consulta Tributária nº 25343/2022, de 31 de março de 2023, foi publicada em 04/04/2023 e descortinou a primeira manifestação pública e legal da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo (SEFAZ SP) sobre a questão da incidência de ITCMD sobre distribuição advindas de um Trust constituído no exterior.
Como de costume, o grande doutrinador Dr. David Roberto R. Soares Silva fez uma ótima leitura da Resposta à Consulta n.º 25343/2022, publicando sua visão sobre a resposta da SEFAZ SP no seu artigo “ITCMD E TRUST ESTRANGEIRO. ANÁLISE DO POSICIONAMENTO DO FISCO PAULISTA”[1]. Traz em seu bojo, quatro pertinentes comentários preliminares sobre a manifestação do FISCO Paulista, os quais abordarei mais adiante.
O Consulente traz ao conhecimento da SEFAZ SP que é beneficiário de um Trust constituído por uma empresa no exterior, com parte de seu patrimônio, com suas determinações previstas em um Deed of Trust e em uma Letter of Wishes. Não traz o Consulente maiores detalhes sobre o settlor e trustee, apenas informações de que o Trust é: irrevogável; settlor não se confunde com beneficiário; Trust Fund é autônomo ao patrimônio do settlor, trustee e beneficiário e que as distribuições ao beneficiário se dão de forma gratuita.
Expõe ainda sobre a decisão do STF no julgamento do RE nº 851.108/SP (Tema 825 da Repercussão Geral), que entendeu pela impossibilidade de os Estados e o Distrito Federal instituírem o ITCMD sobre doações de bens localizados no exterior e por doador estrangeiro, dada a inexistência de lei complementar regulando a incidência de ITCMD nesses casos. Reconhece o Consulente que a Lei nº 10.705/2000 já havia instituído no Estado de São Paulo o ITCMD sobre a doação de bem localizado no exterior.
Vencidas as considerações, o Consulente busca saber:
- Se a distribuição de ativos localizados no exterior, por um trust irrevogável, sediado no exterior, a beneficiário, pessoa física residente no Estado de São Paulo, deve ser considerada como uma doação feita ao beneficiário.
- Em caso positivo, se o Consulente deverá recolher o ITCMD, nos termos dos incisos I, II e III, do artigo 3º, c/c, alínea ‘b’, do inciso II, do artigo 4º, ambos da Lei no 10.705/2000, mesmo diante da decisão do STF no âmbito do RE nº 851.108/SP (Tema 825 da Repercussão Geral) mencionada acima.
- Registre-se que o Consulente anexa, eletronicamente, cópia de documentos identificados como “Ato de Constituição” (“Deed of Trust”) e “Carta de Intenções” (“Letter of Wishes”).
O FISCO Paulista ao se manifestar, evita a “bola dividida” com o Fisco Federal, apontando que: “11.1. Ademais, convém ressaltar que não nos manifestaremos acerca da possibilidade de incidência de outros tributos nos pagamentos de rendimentos feitos ao beneficiário, restringindo-nos à análise quanto à incidência do ITCMD, de competência estadual”, antecipando naturalmente que sua posição será diversa daquela emitida na Solução de Consulta COSIT n.º 41/2020 pela Receita Federal.
Em continuação, registra que há grande controvérsia quanto a natureza jurídica do Trust, e que esta análise deve ser feita diante de cada caso.
Buscando embasar sua posição final, o Fisco Paulista continua sua fundamentação argumentando sobre o ITCMD e sua fundamentação legal, a doação e seus aspectos legais para, enfim, chegar em suas conclusões. Inicia apontando que:
“(…) No que tange à estrutura básica do trust, conforme já mencionado, os bens entregues pelo settlor não passam a compor o patrimônio próprio do trustee, mas ficam sob o seu controle para o benefício do beneficiário. Nesse sentido, é possível apreender que o destinatário de fato dos direitos sobre esses bens sempre é o beneficiário. Quando o settlor entrega os bens para a instituição do trust, não se vislumbra mera intenção de realizar investimentos financeiros ou simplesmente salvaguardar o seu patrimônio, mas se pretende fazer esse patrimônio chegar ao(s) beneficiário(s). Exceto na hipótese em que a instituição do trust instrumentalize algum pagamento devido ao beneficiário, o patrimônio é transferido de forma gratuita, havendo o animus donandi, com a intenção de praticar o ato por liberalidade, configurando-se verdadeira doação, com o enriquecimento do beneficiário na medida em que o settlor empobrece. (…)”
Entende a Autoridade Fiscal Estadual que, quando o settlor indica o beneficiário, numa situação de um trust irrevogável, o beneficiário passa a ser titular dos direitos sobre o Trust, conforme previsto no contrato (ou Deed of Trust). Nesta esteira, fundamenta que se de fato isso ocorreu ao Consulente, é, sim, devido o ITCMD conforme dispõe o artigo 4º da Lei 10.705/2000.
Trocando em miúdos, neste caso a SEFAZ SP entende que o ITCMD é devido tão logo o Trust irrevogável seja instituído em favor do beneficiário.
O Fisco Paulista, inclusive, ressalta a decisão do STF nos Autos do RE nº 851.108/SP, mas crava que permanece válido e vigente no ordenamento jurídico o artigo 4º da Lei 10.705/2000, afastando, pois, os efeitos daquela decisão.
Voltando ao artigo[2] do Nobre Dr. David Roberto R. Soares Silva, com maestria anota os quatro pontos que podem ser previamente comentados, em sua visão:
1) no caso de trusts revogáveis, por não haver perda de patrimônio – empobrecimento de um, contra o enriquecimento do outro -, não haveria que se falar de doação na instituição do Trust;
2) havendo no trust revogável o settlor como beneficiário, não haveria que se falar em doação;
3) a incidência do ITCMD neste caso apenas se sustenta porque não está aplicando a decisão do STF no RE nº 851.108/SP – de modo que a via judicial poderia ser o caminho para barrar esta cobrança;
4) o entendimento do Fisco Paulista conflita com o entendimento da Receita Federal na Solução de Consulta COSIT n.º 41/2020, que pretende tributar as distribuições do Trust como rendimentos, sendo atingidos pelo IRPF.
Para complementar esta visão, diria que a SEFAZ SP pretende, de certa maneira, antecipar o recolhimento do tributo estadual em casos de trusts irrevogáveis, e não vemos isso com acerto por parte do Fisco Estadual.
Isto porque, ainda que o trust seja irrevogável e o beneficiário certo, a condição extintiva do Deed of Trust não terá se aperfeiçoado, de forma que, não se pode falar que a hipótese de incidência do ITCMD estará configurada. A hipótese de incidência do ITCMD se encontra perfeita com a transmissão da propriedade, pela morte, ou pela doação / cessão gratuita (caso do Trust).
Ora, como considerar transmitida uma propriedade se, ainda, a mesma se encontra sob administração de terceiro aguardando uma condição que extinga os efeitos e determinações do Deed of Trust? Novamente, o FISCO segue pela via da atecnia em busca do “El Dorado”.
Ademais, importante destacar que, via de regra, o donatário é quem deve realizar o pagamento do ITCMD em uma doação, no entanto, nesses casos em que o settlor instituiu o trust, muitas vezes o beneficiário nem mesmo sabe que é beneficiário de um trust.
Como então o beneficiário poderia recolher o tributo no momento de sua instituição? E mesmo que soubesse, não necessariamente teria disponibilidade econômica para o pagamento do imposto (afinal, é o donatário o responsável pelo recolhimento, mas, em 99% dos casos, quem efetivamente recolhe o tributo é o doador), uma vez que a cláusula extintiva do trust não ocorreu.
A decisão traz elementos importantes para a discussão, no entanto, mostra mais uma vez a importância da regulamentação do trust no Brasil, com muito cuidado, para evitar insegurança jurídica para os contribuintes.
[1] https://www.b18.com.br/itcmd-e-trust-estrangeiro-analise-do-posicionamento-do-fisco-paulista/
[2] idem
Daniel Tregier, Advogado formado pela FMU/SP; LLM em Direito Tributário pelo Insper; responsável pela área de Operações Internacionais e Wealth Planning do RSZ&M Advogados.
Fabio Lago Meirelles, Advogado formado pela FMU/SP; Pós Graduado em Direito Civil e Processo Civil; LLM em Direito Penal e Processo Penal; Especialista em Planejamento Estratégico pela ADESG/SP – método ESG -; Contabilidade Geral pela FGV e IFRS pela IACAFM / IBEFAC; atua na área de Operações Internacionais e Wealth Planning do RSZ&M Advogados
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