A advocacia preventiva, como fonte de consulta para tomada de negócios por parte de empresas e pessoas físicas, é de suma importância, em face das complexidades dos negócios e escassez de tempo, para minorar riscos e maximizar riquezas. No contexto econômico, os direitos reais de garantia ganharam importância na circulação de riqueza, pois contribuíram para a humanização na cobrança das dívidas, estabelecendo garantias que permitem ao credor buscar, diretamente no patrimônio do devedor dado em garantia por meio do penhor, da hipoteca, da anticrese, ou mesmo a alienação fiduciária, a satisfação do seu débito.
Neste artigo, analisarmos o direito real da hipoteca, a importância do seu registro, características, e implicações no âmbito da proteção do bem de família e na esfera do direito intertemporal, quanto ao prazo de perempção.
Mas, o que é hipoteca?
O professor Humberto Theodoro Junior [1] define hipoteca como um:
“Direito real acessório que adere a um direito, geralmente pessoal ou de crédito, de sorte que o respectivo titular conta, após o gravame hipotecário com duas pretensões: uma pessoal, que é a de exigir o cumprimento da dívida por parte do devedor; outra real, que é a de excutir a garantia hipotecária, caso não se dê o adimplemento da dívida”
(…) No plano do direito real, da hipoteca nasce para o credor o direito de, não cumprida voluntariamente a obrigação pelo devedor, após o seu vencimento, vender forçadamente o bem dado em garantia, apurar o preço e se pagar com preferência em relação a todos os demais credores ao devedor comum”
Consiste especificamente em destinar um bem imóvel para a garantia de uma dívida.
Nesse sentido é, aliás, o disposto no artigo 1.422 do Código Civil, onde se lê:
“O credor hipotecário e o pignoratício têm o direito de excutir a coisa hipotecada ou empenhada, e preferir, no pagamento, a outros credores, observada, quanto à hipoteca, a prioridade no registro”.
A hipoteca é prevista nos artigos 1.473 a 1.505 do Código Civil, donde traz consigo a classificação de direito real, visto que ela existe no direito civil independentemente da norma processual.
As principais características da hipoteca são (1) o direito de sequela, representado pelo direito do credor em perseguir o bem dado em garantia da dívida, e (2) o direito de preferência de se sobrepor aos demais credores, no ato de receber seu crédito.
Caracteriza-se, também, pela sua acessoriedade, como meio de assegurar o pagamento da obrigação principal e por ser um direito indivisível, conforme leciona Orlando Gomes [2]:
“(…) o ônus real grava a coisa na sua totalidade e em todas as suas pares, pouco importando que seja dividida ou que a dívida seja amortizada. Assim, o devedor que tenha pago parte da dívida não obtém redução proporcional da garantia hipotecária; o bem hipotecado continua a garantir o pagamento do saldo sem qualquer diminuição, tal como gravado ao se constituir a relação”
Contudo esta indivisibilidade não é absoluta, de acordo com o artigo 1488 do Código Civil:
“Art. 1.488. Se o imóvel, dado em garantia hipotecária, vier a ser loteado, ou se nele se constituir condomínio edilício, poderá o ônus ser dividido, gravando cada lote ou unidade autônoma, se o requererem ao juiz o credor, o devedor ou os donos, obedecida a proporção entre o valor de cada um deles e o crédito”
O alcance da norma concerne aos imóveis parcelados, seja por meio de loteamento ou por desdobramento.
O artigo 1473 do Código Civil define os bens imóveis que podem ser objetos de hipoteca.
Portanto, a hipoteca é um direito real de garantia (artigo 1.225, IX, do Código Civil) incidente, em regra, sobre bens imóveis, que dá ao credor o poder de excutir o bem, alienando-o judicialmente, e dando-lhe primazia sobre o produto da arrematação para satisfazer sua dívida.
A constituição da hipoteca pode dar-se por meio de contrato (convencional), pela lei (legal) ou por sentença (judicial) e, desde então, já tem validade interpartes como um direito pessoal.
Convencional, como bem define o Professor Silvio de Salvo Venosa [3]:
“É aquela derivada de acordo de vontades. As partes têm a faculdade de garantir obrigações de dar, fazer ou não fazer com hipoteca”
Exige o registro para que possa produzir efeitos perante terceiros. Isso significa que a ausência de registro da hipoteca não a torna inexistente, mas apenas válida inter partes (entre credor e devedor) como crédito pessoal, sem efeito com relação a outros terceiros.
Deste modo, se a ausência de registro da hipoteca não a torna inexistente, mas apenas válida inter partes como crédito pessoal, impõe-se a aplicação do disposto no artigo 3º, V, da Lei nº 8.009/1990 à espécie para se reconhecer a validade da penhora incidente sobre o bem de família ofertado pelo devedor como garantia de contrato de compra e venda por ele descumprido. Neste sentido: (Quarta Turma, AgRg no Ag nº 1.051.257⁄SP, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe de 2.9.2010).
O artigo 1476 do Código Civil prevê a possibilidade de existir pluralidade de hipotecas sobre o mesmo bem imóvel. Neste caso, as variadas hipotecas obedecerão a ordem de registro, nos termos do artigo 1477 do Código Civil c.c. o artigo 189 da Lei nº 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos).
Denota-se, portanto, a importância do registro para fins de garantia do privilégio do primeiro credor.
A hipoteca legal decorre de certas situações em que a Lei prestigia determinados credores colocados sob determinadas condições, exigindo a sua garantia, para fins preventivos e acautelatórios. Ela está prevista no artigo 1.489 do CC/2002. Não exige registro, mas sim de especialização [4].
Por outro lado, a hipoteca judicial tem como origem uma sentença condenatória. A finalidade é garantir a efetividade das decisões judiciais condenatórias, conferindo ao exequente direito de prosseguir na execução, inclusive, contra os adquirentes do bem. Contudo, a medida perdeu importância e utilidade frente à fraude à execução, além de não estar mais previsto no vigente Código Civil.
Além destas espécies, cumpre consignar a existência da modalidade de hipoteca cedular, prevista no artigo 1486 do Código Civil. A cédula hipotecária é um título de crédito que representa um financiamento bancário lastreado em garantia real sobre determinado imóvel.
Neste compasso, quando a operação de financiamento vier a ser formalizada por meio de cédula de crédito, além das condições do financiamento, é constituída a hipoteca sobre um ou mais imóveis, como garantia do pagamento da dívida.
Diversamente, na alienação fiduciária o devedor e proprietário de um bem imóvel (fiduciante) transfere a propriedade ao credor (fiduciário), a título de garantia, até que seja satisfeita a obrigação.
Nesta modalidade, a propriedade do credor fiduciário é resolúvel, detendo a posse indireta do bem, enquanto o devedor fiduciante permanece com a posse direta, na qualidade de depositário.
Na hipoteca, por outro lado, não há transferência de propriedade ao credor.
Outra diferença substancial denota-se no vencimento das garantias: a hipoteca convencional pode ter seu prazo prorrogado por até 30 (trinta) anos, diferentemente da alienação fiduciária, que é uma garantia transitória, com caráter resolúvel, porquanto a propriedade do bem está vinculada ao pagamento da dívida.
Por este motivo, com o pagamento da dívida a fidúcia é revogada, revertendo-se em definitivo a propriedade ao devedor, enquanto que o não pagamento consolida a propriedade plena em nome do credor fiduciário.
No tocante a execução das garantias, na hipoteca é necessária ajuizar uma demanda judicial para apurar o saldo devedor, para viabilizar sua alienação por hasta pública.
Isto, sem contar nos percalços do seu desdobramento: com a arrematação do bem, o novo adquirente ou o agente financeiro tem ainda que promover a desocupação do imóvel também por vias judiciais.
De modo mais vantajoso, na execução de garantia fiduciária, especialmente aquela sobre bens imóveis regida pela Lei nº 9.514/1997, a satisfação do crédito, em caso de inadimplemento, pode ser obtida por via extrajudicial, por meio de procedimento de consolidação de imóvel em cartório, mais simples e célere.
Por derradeiro, o credor fiduciário não é preterido pelos créditos trabalhistas e tributários, em face do seu direito constitucional de propriedade (resolúvel) sobre o bem, diversamente dos credores hipotecários.
O artigo 1.499 do Código Civil elenca as hipóteses de extinção da hipoteca. E, também, a arrematação e a adjudicação enquanto atos finais do processo executório extinguem a hipoteca, observados os ditames processuais a ele inerentes (artigo 889 e 892 e seguintes do CPC).
Em regra, a hipoteca não torna o bem indisponível.
Contudo, há casos que por força da lei, a hipoteca impede a venda sem anuência do credor. Vejamos as hipóteses:
Sistema Financeiro da Habitação
A formalização de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão relativas a imóvel financiado pelo SFH dar-se-á em ato concomitante à transferência do financiamento respectivo, com a interveniência obrigatória da instituição financiadora (parágrafo único do art. 1º da Lei nº 8.004/1990). Não se pode lavrar escritura, tampouco registrar só a venda ou transmissão do imóvel, sem a transferência do financiamento e da hipoteca. Imóvel hipotecado no SFH só pode ser transferido com a anuência do credor hipotecário.
Cédulas de Crédito Industrial, Comercial, à Exportação e Rural
É necessária a anuência do credor para alienação de bens vinculados às Cédulas de Crédito Industrial, Comercial, à Exportação e Rural. Abaixo, citamos os dispositivos legais:
Decreto-lei nº 413/1669
“Art. 51. A venda dos bens vinculados à cédula de crédito industrial depende de prévia anuência do credor, por escrito.”
Lei nº 6.840/1980
“Art. 5.º Aplicam-se à cédula de crédito comercial e à nota de crédito comercial as normas do Decreto-lei nº 413/69 (…).”
Lei nº 6.313/1975
“Art. 3.º Serão aplicáveis à Cédula de Crédito à Exportação (…) os dispostos do Decreto-lei n.º 413 de 9 de janeiro de 1969”.
Decreto-lei nº 167/1967
“Art. 59. A venda de bens apenhados ou hipotecados pela cédula de crédito rural depende de prévia anuência do credor, por escrito.”
Hodiernamente, não obstante o tema estar sempre presente nos certames de concursos, na prática, a hipoteca está sendo substituída pela alienação fiduciária de imóveis, em razão das suas vantagens, como a satisfação do crédito, em caso de inadimplemento, pela via extrajudicial, mais simples e célere, além de não ser preterido pelos créditos trabalhistas e tributários, diversamente dos credores hipotecários.
Em nosso ordenamento jurídico, a hipoteca sobrevive, pois ainda é constituída por instrumentos cedulares rurais, uma vez que o Decreto-lei nº 167/1967 não prevê outra forma de garantia para bens imóveis (artigo 20).
De qualquer modo, é de salutar importância os serviços da advocacia preventiva e especializada, de modo a demandar menos tempo aos compradores e mais segurança jurídica, porquanto existem certas nuances contratuais e eventos jurídicos na operação que não estão ao alcance do conhecimento de leigos, especialmente o prazo de perempção da hipoteca (artigo 1485 do Código Civil).
A advocacia preventiva já é uma realidade para as empresas. Contudo, caminha a passos lentos com relação às pessoas físicas.
Na tarefa consultiva do advogado, para evitar que a perempção ocorra em vinte anos, a hipoteca terá de ser submetida a uma prorrogação convencional a fim de que o novo ajuste se dê sob o regime da lei nova, sem prejuízos ao cliente, como direcionador de valor e de riqueza patrimonial aos investidores.
Alexandre Assaf Filho é advogado especializado em direito societário e direito das startups, e sócio do Assaf Advogados, em Ribeirão Preto/SP.
Notas:
[1] JUNIOR, Humberto Theodoro. Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 53, p. 165-176, jul./dez. 2008.
[2] GOMES, Orlando. Direitos Reais. 19 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. P. 411.
[3] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Direitos reais. 3ª. Edição. 2003. Ed Atlas. Pág. 520 e 540.
[4] O princípio da especialização consiste no dever de proceder quanto à descrição minuciosa e à individualização do bem que servirá como garantia hipotecária, além dos requisitos da dívida, não podendo a hipoteca ser instituída com base em bens gerais e ilimitados, devendo o patrimônio do devedor ser pormenorizadamente gravado, de acordo com o vínculo obrigacional (VENOSA, 2003, p. 525). Não pode, portanto, incidir sobre bens futuros ou ainda não concretizados, pois escapa à realidade jurídica.