Assessores de investimentos desistem de suas carreiras para se tornar consultores de investimentos

Por Vivian Marques, CEA®

O mercado de prestação de serviços de investimentos tem mudado a cada dia, bem como a própria evolução da regulação do mercado de valores mobiliários, o que tem trazido novos movimentos na área. Um deles é a crescente procura, por parte dos Assessores de Investimentos (AIs, os antigos agentes autônomos de investimentos), por um modelo mais flexível, como a Consultoria de Valores Mobiliários.

Essa tendência reflete a busca por maior independência no exercício das atividades, maior liberdade na recomendação de investimentos, menor pressão em relação a metas estabelecidas por Corretoras e menor conflito de interesses na prestação dos serviços: características que revelam, também, a insatisfação dos Assessores de Investimentos em relação às suas próprias carreiras – e por isso o “abandono” da carreira como prepostos das Corretoras.

O Cenário Atual: Assessoria vs. Consultoria

A categoria de Assessor de Investimentos, atividade econômica regulada pela CVM, tem sido uma porta de entrada relevante para o público interessado no mundo das finanças e dos investimentos, principalmente para os jovens que querem uma posição de destaque no mercado financeiro – sem ter que passar pelo ambiente bancário mais tradicional.

Entretanto, apesar do crescimento expressivo do setor nos últimos anos, observa-se um evidente descontentamento com o modelo de atuação atrelado às Corretoras. E um dos motivos envolve a questão da remuneração, pois “os Assessores de Investimentos são remunerados por comissionamento sobre os produtos intermediados, o que pode aumentar o grau de conflitos de interesse na prestação de serviços e impactar a transparência no relacionamento com os clientes, por mais que haja normas tentando minimizar tal situação, como a Resolução CVM n. 179” (MARQUES, Vívian, 2023, p. 44-45).

Por outro lado, os Consultores de Valores Mobiliários, enquanto prestadores de serviços com menor grau de conflito de interesses, têm maior liberdade no exercício de suas atividades, recomendando investimentos no mercado de valores mobiliários e recebendo diretamente dos próprios clientes. Para melhor compreender este ponto, veja-se o artigo 1º da Resolução CVM nº 19, que dispõe sobre a atividade:

“Art. 1º Para os efeitos desta Resolução, considera-se consultoria de valores mobiliários a prestação dos serviços de orientação, recomendação e aconselhamento, de forma profissional, independente e individualizada, sobre investimentos no mercado de valores mobiliários, cuja adoção e implementação sejam exclusivas do cliente. (…)”

A forma como o profissional é remunerado é um aspecto fundamental a ser considerado. Por mais que Consultor e Assessor exerçam funções relativamente parecidas, podendo recomendar investimentos no mercado de valores mobiliários (permissão que veio com a Resolução CVM nº 178), não podemos nos esquecer: quem paga o Assessor de Investimentos é Corretora, com quem o cliente tem um vínculo direto. É por isso também que a Consultoria é vista como mais transparente, pois neste modelo não existe um intermediador. Ou seja, o cliente sabe para quem e quanto está pagando pela prestação dos serviços, o que nem sempre é claro no modelo da Assessoria de Investimentos.

Os Desafios da Transição

Apesar das vantagens aparentes, a transição de Assessor para Consultor não é um caminho simples. O rompimento do vínculo com a Corretora pode ser desafiador, especialmente quando existem contratos atrelados aos incentivos financeiros pagos por essas Instituições aos Assessores de Investimentos/Escritórios de Investimentos.

No caso dos Assessores de Investimentos sócios minoritários, a situação é ainda mais delicada, eis que ele precisará se retirar do Contrato Social do Escritório primeiro para depois cancelar a ANCORD e pedir o registro perante a CVM para atuar como Consultor de Valores Mobiliários, procedimento que está longe de ser rápido ou fácil.

Na prática, muitos enfrentam desafios adicionais e significativos, como a exigência de multas milionárias para se desvincular dos Acordos de Sócios, Contratos Preliminares e suas respectivas cláusulas restritivas de direitos (como a cláusula de lock-up, não concorrência e não aliciamento de clientes), o que é muito comum entre Escritórios de Investimentos maiores.

A mudança também requer uma reestruturação da base de clientes e da estratégia comercial de abordagem e prospecção. Isso ocorre porque, para que um investidor se torne cliente de uma Consultoria, é necessário assinar um “Contrato de Prestação de Serviços de Consultoria de Valores Mobiliários”. E essa exigência e requisito podem causar estranheza, já que, no modelo de Assessoria de Investimentos, não há necessidade de um contrato específico com o Assessor – apenas o contrato com a Corretora, assinado no momento da abertura da conta, um procedimento que muitas vezes passa despercebido pelo próprio cliente.

Conclusões

Apesar de os Assessores de Investimentos ainda serem a maioria, o interesse pela Consultoria de Investimentos demonstra uma tendência clara: os profissionais do mercado financeiro estão buscando mais autonomia e um modelo de atuação sustentável e valorizado.

Em verdade, a migração de Assessores de Investimentos para Consultores de Valores Mobiliários já era um movimento esperado, eis que modelos mais independentes e com menor grau de conflito de interesses estão alinhados às melhores práticas internacionais do mercado de prestação de serviços de investimentos.

É claro que, para muitos profissionais, essa transição representa um desafio inicial, mas, a longo prazo, pode compensar, principalmente pelo fato de a Consultoria não estar ligada diretamente à Corretora e, em razão disso, estar fora do mercado de intermediação.

Para aqueles que desejam construir um relacionamento mais transparente e de longo prazo com seus clientes, a Consultoria realmente se apresenta como uma oportunidade promissora, sendo totalmente indicada aos profissionais que priorizam a liberdade em sua atuação, sem depender de terceiros.

Vivian Marques, CEA® é advogada, mestre em Sistema Financeiro Nacional, especialista em investimentos (ANBIMA). É Atuante na área de Direito do Mercado financeiro, Societário e Planejamento Patrimonial, com foco em Assessores de Investimentos, Consultores de Valores Mobiliários, Gestores de Recursos e Analistas de Valores Mobiliários.

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