Não é de hoje que o estado americano da Flórida atrai muitos brasileiros, seja como um destino permanente de habitação, seja como um refúgio temporário para lazer ou negócios. Para aqueles que adquirem bens nesse estado americano, mas permanecem como residentes fiscais no Brasil, algumas precauções são necessárias para evitar alguns dissabores financeiros e tributários.
Este artigo explora, de forma genérica, as consequências relacionadas à necessidade de inventário e à incidência do imposto federal causa mortis (estate tax) de certos ativos que brasileiros frequentemente adquirem e mantêm, individualmente ou conjuntamente com outra pessoa (copropriedade).
O inventário na Flórida é geralmente necessário quando uma pessoa estrangeira não-residente falece deixando bens na Flórida. Apesar de a Flórida não possuir um imposto sobre heranças, existe o estate tax federal, que geralmente incide quando um indivíduo não domiciliado nos Estados Unidos (ex., brasileiro morando no Brasil) falece deixando bens nos EUA (os chamados U.S.-situs assets) acima do limite de isenção de US$ 60 mil.
Alguns tipos de copropriedade, entretanto, escapam à necessidade de inventário. Poucos tipos de bens também deixam de deflagrar a incidência do estate tax. É, portanto, útil conhecer os aspectos gerais de inventário e estate tax dos tipos de bens que brasileiros mais comumente adquirem e mantêm na Flórida.
Tipos de Copropriedade
Tenancy in Common
Pela tenancy in common, cada coproprietário é titular de uma fração ideal sobre o bem, tal como ocorre no Brasil (condomínio). Quando um coproprietário falece, sua fração ideal será transmitida a seus herdeiros de acordo com as disposições de seu testamento ou trust, ou segundo as leis sucessórias. O tenancy in common, geralmente, não evita o inventário ou o estate tax.
Joint Tenancy with Right of Survivorship
Um tipo de copropriedade possível na Flórida, mas que não existe no Brasil, é a joint tenancy with right of survivorship (JTWRS). Quando duas ou mais pessoas (1) adquirem o mesmo direito, (2) ao mesmo tempo, (3) por meio do mesmo título e (4) têm a mesma posse do bem, elas criam uma joint tenancy with right of survivorship em relação a esse bem, desde que o instrumento respectivo preveja direitos de sobrevivência.
Quando do falecimento do primeiro coproprietário, a propriedade sobre o bem se consolida automaticamente em nome dos coproprietários (tenants) sobreviventes por força de lei, assim evitando o inventário.
Em relação ao estate tax, esse imposto geralmente incide sobre a porção do direito de propriedade do coproprietário sobrevivente que exceder o preço pago por ele originalmente. Diga-se, por exemplo, que João e Paulo compraram uma casa como joint tentants with right of survivorship a um preço total de US$ 100 mil, sendo US$ 60 mil pago por Paulo e US$ 40 mil por João. João falece e a propriedade integral da casa consolida-se em Paulo. O estate tax incidirá sobre a porção do valor da casa para a qual Paulo não pagou o preço (no caso, sobre US$ 40 mil.
Quando a JTWRS é criada por doação, legado ou herança, então o monte mor (base de cálculo do estate tax) deve incluir a fração ideal de cada coproprietário sobre o bem tido em copropriedade. Finalmente, quando os coproprietários são marido e esposa, então o monte mor de cada cônjuge deve incluir 50% do valor do bem mantido em copropriedade.
A venda do direito de um coproprietário em JTWRS, ou sua execução por um credor, dissolve a joint tenancy e a converte em numa tenancy in common.
Tenancy by the Entireties
Este tipo de copropriedade é exclusivo para casais e é bem similar à joint tenancy. Com o falecimento de um cônjuge, o sobrevivente se torna o único proprietário do bem por força de lei e, portanto, sem inventário.
O estate tax é calculado sobre a fração ideal de cada cônjuge de 50% da propriedade mantida sob tenancy by the entireties, independentemente do preço pago por cada cônjuge.
Um credor de um dos cônjuges geralmente não pode alcançar a propriedade mantida sob tenancy by the entireties. Todavia, ela termina com (1) o falecimento de um dos cônjuges, (2) o divórcio ou (3) um acordo entre os cônjuges para extingui-la.
Tipos de Bens
Contas Bancárias
Uma conta conjunta é uma conta bancária que pertence a mais de uma pessoa. Quando uma conta bancária pertence a joint tentants with right of survivorship, cada um dos coproprietários pode sacar o saldo integral da conta a qualquer tempo.
Para uma conta de depósito, a presunção é de que qualquer coproprietário da conta tem direito de sobrevivente, exceto quando os coproprietários são casados entre si, hipótese em que a presunção é de tenancy by the entireties.
Contas pay-on-death (POD) e contas totten trust têm a particularidade de que o beneficiário indicado na conta apenas se torna proprietário da conta após o titular original falecer.
Valores depositados por pessoas estrangeiras em bancos nos EUA geralmente não desencadeiam a incidência do estate tax federal. Um estrangeiro não residente nos EUA pode, portanto, falecer sem que isso resulte na incidência do estate tax sobre os saldos de sua conta corrente ou conta poupança nos EUA. Se a conta for mantida conjuntamente pelo estrangeiro e seu cônjuge, por exemplo, o cônjuge sobrevivente também geralmente evita o inventário, porque a propriedade do saldo da conta conjunta consolida-se no cônjuge sobrevivente por força de lei.
Ações e Títulos de Dívida
Ações de companhias dos EUA são considerados U.S.-situs assets e, portanto, passiveis de serem incluídos no monte mor do indivíduo estrangeiro para fins do estate tax. Títulos de dívida de uma empresa dos EUA ou do governo dos EUA também são passiveis de inclusão, exceto se os juros por eles pagos se qualifiquem à isenção de imposto de renda (americano) na qualidade de portfolio interest, que não iremos tratar aqui. Se o título paga juros que constituem portfolio interest, então o título não é passível de inclusão no monte mor do indivíduo estrangeiro.
Ambos os tipos de bens, todavia, se mantidos diretamente por um indivíduo estrangeiro, precisam ser inventariados na Flórida.
Veículos
Um estrangeiro não residente que falece deixando um veículo na Flórida faz com que esse veículo seja incluído em inventário na Flórida e, ainda, esteja sujeito ao estate tax federal.
Imóveis
Imóveis mantidos via JTWRS ou tenancy by the entireties evitam inventário. O mesmo não ocorre com os imóveis mantidos por meio de tenancy in common. Um indivíduo estrangeiro que seja proprietário direto de um imóvel não evita o estate tax ao falecer.
É por isso que estrangeiros geralmente adquirem bens imóveis nos EUA por meio de uma estrutura envolvendo uma entidade nos EUA e outra fora do desse país: o indivíduo estrangeiro capitaliza a entidade estrangeira, que então capitaliza a entidade dos EUA, a qual por sua vez adquire o imóvel. Quando o indivíduo estrangeiro falece, ele (ou ela) possui apenas suas ações de uma empresa estrangeira que não constituem U.S.-situs assets e que, dessa forma, evita tanto o inventário na Flórida quanto o estate tax federal.
Brasileiros devem tomar cuidado ao formatar e usar essa estrutura, tendo em vista (1) as particularidades e diferentes resultados tributários de se selecionar dentre os tipos societários existentes (corporations, partnerships, LLCs etc.) e (2) o risco de que a utilização de imóvel pertencente a uma empresa para fins pessoais possa imputar renda tributável para esse indivíduo.
Conclusão
Existem muitas estratégicas sucessórias que minuciosamente endereçam as preocupações familiares e tributárias de uma pessoa, tais como testamentos, trusts, entidades familiares, outros tipos de propriedade, bem como particularidades de copropriedade não exploradas neste artigo.
J. Rubens Scharlack, advogado habilitado no Brasil e no estado americano da Flórida, e sócio fundador de Scharlack PLLC.
Olá!
Gostei do artigo, porém ainda não esclareceu minhas dúvidas sobre o processo sucessório de bens Ma FL/USA.
Eu apreciaria se fosse mais aprofundado.
Obrigado!