Por Walter Moreira Neto, CFP®
Desde março de 2022, o banco central dos Estados Unidos, o Federal Reserve ou o FED, vem aumentando as taxas de juros, situação essa que se repetiu em maio, deixando os juros americanos em patamares recordes em mais de duas décadas. Mas o aumento dos juros não afeta apenas os mercados norte-americanos, impactando, também, mercados do mundo todo.
O que leva um país a ter um aumento da taxa de juros
Isso ocorre basicamente por três grandes motivos.
O primeiro deles ocorre quando a economia está muito aquecida. Normalmente, as pessoas não entendem que uma economia extremamente aquecida pode ser ruim, mas é. Uma coisa é a economia estar crescendo de uma maneira sustentável e outra é ela estar superaquecida, onde as pessoas compram cada vez mais e não se tem produto para isso. Logo, os produtos sobem de preço mais rapidamente do que o aumento dos salários das pessoas gerando inflação.
O segundo motivo é a especulação. Quando um governo vê um cenário de especulação no mercado, é um sinal para que se entre com uma política monetária para fazer esse aumento das taxas de juros.
Por exemplo, na crise de 2008, tínhamos um cenário em que o mercado imobiliário americano subiu de uma maneira muito feroz, sendo praticamente impossível imaginar que este mercado não se valorizaria. Então quem comprava o imóvel tinha certeza de que no ano seguinte, dali a 6 meses, o imóvel comprado já valeria mais. Não somente as pessoas que estavam comprando, mas também as pessoas e instituições que estavam emprestando o dinheiro para a compra de imóveis.
Sendo assim, era normal que algumas pessoas tivessem imóveis sem nem mesmo ter dinheiro. Isso era chamado de NINJA (no income, no jobs, no assets), que significa sem renda, sem emprego e sem patrimônio. Então os bancos emprestavam dinheiro para essas pessoas sem problema algum, sem receios, pois se essas pessoas não pagassem, as instituições pegariam os imóveis de volta já valorizados. Entretanto, o que aconteceu foi justamente ao contrário, pois o mercado imobiliário americano sofreu um revés enorme e era mais vantajoso para as pessoas pararem de pagar essas dívidas e dar os imóveis do que manter esse patrimônio que já não valia muita coisa. Por isso foi importante que o governo freasse a economia aumentando as taxas de juros.
O último motivo é a inflação, que é quando você tem um aumento de preço e, aliás, o papel principal de um banco central de um país é proteger a moeda daquele país seja ela qual for. E é bem importante que as pessoas entendam o prejuízo que a inflação pode causar no país. Nós brasileiros sabemos muito bem qual é o papel prejudicial da inflação, pois a não muito tempo atrás tivemos uma inflação gigantesca.
Se pegarmos o plano real desde 1994, o poder de compra do real foi praticamente destruído, em torno de 85%. Ou seja, 10.000 reais naquela época valem mais de 60.000 reais hoje. O papel do banco central é proteger a moeda para que consigamos manter nosso poder de compra.
As pessoas normalmente não conseguem observar esse valor da corrosão de uma moeda, pois aquela moeda continua tendo o mesmo valor unitário. Obviamente comparando uma moeda com outra é possível ver a disparidade através do câmbio, mas somente conseguimos ver a perda do poder de compra quando vamos ao comércio e percebemos que o nosso real compra cada vez menos produtos e serviços. Portanto é imprescindível que o banco central controle o poder de compra da moeda e assim garantindo uma economia sustentável para a população.
Pois, então, qual foi o motivo para o FED aumentar as taxas de juros a partir de março de 2022?
Basicamente, foi a inflação de 2021, ou o CPI como eles chamam a medida da inflação nos Estados Unidos. Esse índice ficou em quase 7% quando a média histórica é um pouco abaixo de 3%. O Banco Central falou durante muito tempo que seria uma inflação temporária, mas percebemos que não é bem assim.
Obviamente, com a pandemia foi preciso que o Banco Central injetasse muito dinheiro para que a economia não entrasse em colapso e não houvesse um grande número de demissões. Quando você junta essas variáveis – crédito muito barato, muito dinheiro circulando na economia, escassez de produtos básicos – você acaba gerando inflação.
O papel do Banco Central é controlar a inflação gerada por essa situação tirando dinheiro do mercado financeiro. E ele faz isso aumentando as taxas de juros como modo de restringir a circulação desse dinheiro até que se abaixe a inflação.
Os impactos para os brasileiros desse aumento de taxas de juros nos Estados Unidos?
Vamos falar sobre alguns. Nossa taxa SELIC já vem aumentando há algum tempo. Quando falamos de taxas de juros de longo prazo, principalmente, estamos falando sobre uma diferença de risco entre um país e outro. O Brasil teria que pagar, o que chamamos de prêmio de risco, para o investidor tirar o dinheiro dele de um lugar seguro para um outro onde a incerteza e o risco são muito maiores, em comparação com os Estados Unidos, por exemplo.
Imaginemos a seguinte situação: Para um investidor americano comprar títulos públicos brasileiros há um ano ele recebia 2% de remuneração, ou 0% nos Estados Unidos. Atualmente a nossa taxa de juros no Brasil está em torno de 11%, então ele pode com a altíssima segurança ganhar 0% lá nos Estados Unidos, ou 11% aqui no Brasil. Esse é um risco que na cabeça do investidor pode valer a pena.
Pode existir uma incerteza (risco) maior, mas em contrapartida também é maior com 11% de retorno. Mas, como os Estados Unidos, que é a maior economia do mundo e teoricamente tem 0% de risco, aumenta sua taxa para 5%, o investidor pensa que a diferença que antes era 11% passa a ser de 6%, então não seria mais vantajoso se expor ao risco desses países como o Brasil. O valor acaba saindo do Brasil. Para ser atrativo aos investidores internacionais e estes continuarem a trazer recursos ao Brasil, e não ocorrer uma desvalorização grande do dólar, o Brasil acaba sendo obrigado a aumentar a sua taxa de juros, que é justamente o segundo impacto sobre o qual falaremos.
Não é uma certeza que isso possa acontecer, mas falando sobre economia, a desvalorização do real e a apreciação do dólar pode acontecer. Todas as negociações são feitas em dólar, todo foco de demanda é para o dólar, as trocas internacionais são feitas em dólar, então tem uma demanda altíssima para o dólar e essa demanda aumenta ainda mais quando se tem uma taxa de juros decente. Então você pode ter o risco extremamente baixo com um tipo de juros interessante. O dinheiro migra para o dólar e quanto mais essa demanda for para o dólar, mais esse dólar pode se valorizar e o real se desvalorizar.
Outros ativos que podem sofrer também com esse aumento de taxa de juros são o ouro e o bitcoin. Ativos financeiros que não geram fluxo de caixa também podem ser penalizados. Se você tem um ativo extremamente seguro, pagando juros e rendendo 4,5% ao ano é muito mais interessante ficar posicionado nesse tipo de investimento do que ficar em ouro e Bitcoin que não tem fluxo de caixa, pois o fluxo acaba migrando para o dólar e penalizando essas classes de investimentos.
Outro impacto que pode acontecer no Brasil com a desvalorização do real e o dólar mais forte é a geração de uma inflação maior por aqui em razão dos produtos importados. Esse aumento é possível, e até previsível que aconteça, em decorrência desse aumento de juros nos Estados Unidos.
E o que acontece nas épocas em que o FED aumenta os juros?
O que normalmente as pessoas imaginam é que um aumento da taxa de juros e a restrição de crédito para as empresas poderem crescer e desenvolver suas atividades de uma maneira mais rápida pode impactar demais as empresas e consequentemente a bolsa. Faz sentido pensar dessa maneira, mas o que acontece é o contrário.
Analisando alguns períodos em que o FED aumentou a taxa de juros, temos que desde 1970 apenas entre 71-74 a bolsa de valores (S&P500), medido pelas maiores 500 empresas – teve um aumento substancial. É importante destacar que logo após ou durante a subida conseguimos ver grandes quedas, como por exemplo, 50% entre 73-74.
De 85-88, quando houve uma subida da bolsa em 52%, houve a crise de 87, com uma semana em que a queda chegou aos 34%. Por fim, entre 2000 e 2002, o mercado caiu praticamente 50%. É importante notar que não dá para fazer muito timing aqui, mas é possível observar que nos anos em que as taxas de juros dos Estados Unidos subiram, a bolsa por lá teve um retorno bem decente com média de retorno de 23%.
Você deve estar se perguntando, o que acontece no Brasil quando o FED sobe as taxas por lá?
O resultado é mais ou menos parecido. Vou trazer como exemplos três períodos mais recentes onde já estávamos no plano real. Temos uma queda entre 1999-2000 de 10%, de 2004-2006, uma alta de quase 70% e de 2015-2018, uma alta de 102%, então nos Estados Unidos nesse mesmo período teve uma alta e aqui somente uma queda de 10% aproximadamente, mas uma forte alta nos demais anos.
Explicados os motivos do aumento da taxa de juros, você deve estar se perguntando o que você deve fazer para se proteger? Primeiramente, se você tiver uma bola de cristal para saber o momento em que terá uma incerteza no mercado, saia do mercado e entre na baixa. Estou brincando, mas é justamente esse conselho que a grande maioria dos investidores procura.
Eles querem saber qual o momento certo de sair e entra, r quando as coisas estiverem bem, ou quais as classes de investimento para se investir e se beneficiar dessa alta de juros, ou para se proteger caso haja uma queda relevante.
Não dá para saber quando isso vai acontecer, nem se vai acontecer. Destacamos alguns pontos e possíveis impactos no câmbio, na taxa de juros, na inflação, mas isso pode simplesmente não acontecer, ou muito depois e numa magnitude muito menor do que imaginamos.
A recomendação é que se tenha uma carteira como a que o Ray Dalio falou, a all-weather. Não tente montar uma carteira para um único cenário econômico, pois este cenário pode nunca acontecer. O conceito de carteira all-weather é montar uma carteira com diversas classes de ativos, se possível, mais descorrelacionadas entre si, onde o movimento delas não tenham relação uns com os outros para que você consiga diminuir a oscilação da sua carteira de investimentos gerando mais conforto e fique investido uma maior quantidade de tempo, o que fará diferença no longo prazo.
O que você pode esperar com o aumento de taxas? Incerteza e oscilação. É bem possível que tenha oscilação dos ativos em uma magnitude maior do que aquela que você está acostumado.
Conclusão
É importante entender se a dimensão de renda variável que você tem no seu portfólio está adequada ao seu perfil de risco. É importante que você se sinta confortável e entenda o que está fazendo para que tenha fôlego para permanecer investido por muito tempo.
Se a oscilação vier e você estiver desconfortável com isso, talvez seja necessário rever com seu banker, seu family office se a exposição que você tem em renda variável está adequada. Mas. antes de diminuir esta exposição em renda variável entenda seu mapa patrimonial e o impacto do que uma possível redução no retorno pode significar lá na frente para você chegar aos seus objetivos.
Walter Moreira Neto, CFP®, é consultor financeiro registrado da CVM, mestre em investimentos internacionais, e fundador e CEO da Overclub Family Office.
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