Por David Roberto R. Soares da Silva
O Diário Oficial da União de 16 de setembro de 2024 publicou a Lei nº 14.973/2024 que trata da desoneração da folha de pagamentos de 17 setores produtivos. A lei ainda reabre, com algumas modificações importantes, o Regime Especial de Regularização Geral de Bens Cambial e Tributária (RERCT), criado em 2016. Ele também permite a atualização do valor de bens imóveis mediante pagamento de uma alíquota fixa de 4% para pessoas físicas e 10% para as jurídicas.
Novo RERCT-Geral
O art. 9º da Lei nº 14.973/2024 faz renascer o Regime Especial de Regularização Geral de Bens Cambial e Tributária (RERCT-Geral), um programa que permite a regularização de recursos, bens ou direitos de origem lícita não declarados ou declarados incorretamente, mantidos no Brasil ou no exterior por residentes ou domiciliados no país.
A grande diferença desse novo RERCT é a possibilidade de regularizar bens mantidos no Brasil. As duas versões anteriores, de 2016 e 2017, somente permitiam a regularização de bens mantidos no exterior.
As regras aprovadas aproveitam grande parte das regras do RERCT original, contempladas na Lei nº 13.254/2016, com a atualização da data-base, que passa a ser 31 de dezembro de 2023, exigindo, para os bens declarados no programa, a retificação da Declaração de Ajuste Anual apresentada em 2024.
A carga total da regularização é a mesma do RERCT 2016, ou seja, de 30%, representada por uma alíquota de IRPF de 15% e de uma multa de 100% do valor do imposto devido.
A cotação do dólar para fins de conversão do valor de ativos no exterior para reais é R$ 4,8413 – cotação fixada para venda pelo Banco Central para o último dia útil de dezembro de 2023 – 29 de dezembro de 2023 (Art. 10 da Lei nº 14.973/2024, combinado com o Art. 4º, § 9º da Lei nº 13.254/2016).
Os procedimentos e condições de adesão permanecem os mesmos, ainda pendentes de regulamentação pela Receita Federal. Dado que o prazo de adesão é muito curto, de 90 dias a partir da publicação da lei (16 de setembro de 2024), é muito provável que a Receita Federal aproveite a plataforma de adesão ao RERCT utilizada nas versões anteriores do programa, em 2016 e 2017, com alguns ajustes.
O Art. 11 da lei dispõe que o RERCT-Geral aplica-se a “todos os recursos, bens ou direitos de origem lícita de residentes ou domiciliados no País até 31 de dezembro de 2023, incluindo movimentações anteriormente existentes, mantidos no Brasil ou no exterior, e que não tenham sido declarados ou tenham sido declarados com omissão ou incorreção em relação a dados essenciais”. Ele lista os ativos passíveis de regularização, a saber:
“I – depósitos bancários, certificados de depósitos, cotas de fundos de investimento, instrumentos financeiros, apólices de seguro, certificados de investimento ou operações de capitalização, depósitos em cartões de crédito, fundos de aposentadoria ou pensão;
II – operações de empréstimo com pessoa física ou jurídica;
III – recursos, bens ou direitos de qualquer natureza decorrentes de operações de câmbio ilegítimas ou não autorizadas;
IV – recursos, bens ou direitos de qualquer natureza, integralizados em empresas brasileiras ou estrangeiras sob a forma de ações, integralização de capital, contribuição de capital ou qualquer outra forma de participação societária ou direito de participação no capital de pessoas jurídicas com ou sem personalidade jurídica;
V – ativos intangíveis disponíveis no Brasil ou no exterior de qualquer natureza, como marcas, copyright, software, know-how, patentes e todo e qualquer direito submetido ao regime de royalties;
VI – bens imóveis em geral ou ativos que representem direitos sobre bens imóveis;
VII – veículos, aeronaves, embarcações e demais bens móveis sujeitos a registro em geral, ainda que em alienação fiduciária.”
Dado que o novo RERCT-Geral também se aplica para ativos no Brasil, vale observar os trechos destacados acima, em que, agora, é possível regularizar bens, recursos ou direitos integralizados em empresas brasileiras, assim como ativos intangíveis no Brasil.
Atualização do valor de bens imóveis
Os Arts. 6º e 7º da lei estabelecem regras para a atualização do valor de bens imóveis, tanto para pessoas físicas quanto para pessoas jurídicas.
O Art. 6º permite que pessoas físicas residentes no Brasil atualizem o valor de seus bens imóveis já declarados anteriormente à Receita Federal. O imóvel pode ser atualizado para o valor de mercado e a diferença entre o novo valor e o custo de aquisição informado na última Declaração de Ajuste Anual será tributada pelo Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) à alíquota de 4%.
A opção pela atualização deve ser feita conforme regulamentação da Receita Federal, e o imposto deverá ser pago em até 90 dias após a publicação da lei.
O valor atualizado será considerado acréscimo patrimonial na data do pagamento do imposto. O novo valor deverá ser incluído na Declaração de Ajuste Anual de 2025 (ano-calendário 2024) como custo adicional de aquisição do imóvel.
As regras são similares para as pessoas jurídicas com relação ao valor dos bens imóveis em seu ativo permanente. Nesse caso, a atualização estará sujeita a uma carga tributária total de 10%, sendo 6% a título de Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e 4% de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Importante dizer que os valores atualizados não poderão ser considerados como despesa de depreciação para fins tributários.
O prazo de pagamento será de 90 dias após a publicação da lei, nos termos da regulamentação a ser baixada pela Receita Federal.
O Art. 8º da Lei cria regras específicas para casos de alienação ou baixa dos bens imóveis atualizados antes de decorridos 15 anos da atualização. O cálculo do ganho de capital será feito através de uma fórmula específica que considera o valor da alienação, o custo antes da atualização e o diferencial tributado na atualização.
A depender do tempo decorrido entre a atualização e a venda do imóvel, aplicar-se-á um percentual de redução do ganho de capital, que varia de 0% a 100%, dependendo do tempo decorrido. Em um extremo, temos 0% de redução do ganho para alienações realizadas em até 36 meses após a atualização, até chegar a 100% para alienações após 180 meses da atualização. Na prática, a partir de 36 meses da atualização, tem-se um percentual de 8% para cada período de 12 meses, chegando a 100% depois de 180 meses (15 anos)
As regras visam permitir a atualização dos valores de imóveis declarados, gerando receita tributária imediata para o governo, mas também estabelecem mecanismos para evitar que essa atualização seja usada como forma de elisão fiscal em caso de venda dos imóveis em curto prazo após a atualização.
Aqueles que possuem bens não declarados no Brasil ou no exterior, ou que estejam considerando atualizar o valor dos bens imóveis no país, devem começar a fazer os cálculos, pois o prazo será de apenas 90 dias, ou seja, ainda em 2024.
David Roberto R. Soares da Silva é advogado tributarista especializado em planejamento patrimonial e sucessório, sócio do BLS Advogados, e autor de Tributação das aplicações financeiras, empresas offshore e trusts no exterior (2024), Construindo o Planejamento Patrimonial e Sucessório: Análise de casos reais (2023), do Brazil Tax Guide for Foreigners (2010-2021), e coautor do Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos (2022), Renda Variável (2021) e Tributação da Economia Digital no Brasil (2020), todos publicados pela Editora B18.