Por Ivone Zeger
Eles são os primeiros a socorrer, e muitas vezes, os últimos a receber.
Dias desses, conversava com um rapaz espanhol, Jorge, que há dois anos está no Brasil. Criado em Madri, formado em engenharia, decidiu migrar para cá em busca de trabalho. A Espanha, como se sabe, vive em meio a uma profunda crise econômica. No final do ano passado, o desemprego chegou a 26%, o que corresponde a seis milhões de espanhóis, ou ainda, um quarto da população ativa. Mas o percentual de desempregados dá um salto quando se considera o universo de jovens abaixo dos 25 anos: 52% deles perderam seus empregos.
Já muito bem alocado em uma empresa de construção civil, Jorge me contou que antes de migrar viveu à custa da aposentadoria do avô, e graças a ele, que custeou a viagem, pôde tentar uma vida no Brasil. A realidade de Jorge é a mesma de muitos jovens e famílias espanholas. No Brasil, país que atualmente tem a estabilidade econômica reconhecida no mundo todo, curiosamente, situação semelhante se esboça. Dados do IBGE mostram que os aposentados sustentam 12 milhões de famílias no Brasil e, pasmem, na maioria dos municípios com mais de 20 mil habitantes, são os responsáveis por dinamizar a economia local.
Casas de avós são verdadeiras relíquias para a memória afetiva das pessoas. Hoje em dia, por conta de mudanças profundas nas constituições familiares, além de afeto, os avós vêm contribuindo com reforços consideráveis no orçamento. Pais e mães solteiros, ou que se separam e voltam para as casas dos genitores, muitas vezes na companhia dos filhos gerados da relação que finda, são situações até corriqueiras. Pode-se dizer que as novas constituições familiares, em parte, existem em função dos avós.
Também são eles que, na lei, são chamados a contribuir com pensões alimentícias, caso o pai ou a mãe não possam assumir. A lei determina que, na falta de condições financeiras dos pais, os parentes de primeiro grau devem se responsabilizar, ou seja, os avós, irmãos mais velhos ou tios da criança ou do adolescente para quem a pensão alimentícia é destinada. E estes devem fazê-lo na medida de suas possibilidades.
Claro, na maioria das vezes, quem socorre são os avós e, normalmente, o fazem com prazer e carinho. E é aí que mora o perigo: sim, há pais que simplesmente se aproveitam da bondade de seus pais e esquecem que a responsabilidade de manter e educar os filhos é sua. Provavelmente, você conhece uma história dessas.
Os avós deixam de fazer exames de rotina e prevenção, economizam em seus remédios, muitas vezes param de pagar seus planos de saúde. Outros dedicam-se diretamente à educação dos netos, levando-os à escola, ocupando-os com lazer apropriado.
É bom lembrar, entretanto, que essa situação não deve vigorar por muito tempo. Pessoas acima de 65 anos têm necessidades específicas que devem ser atendidas. Já por isso, é possível aos avós recorrerem de sentenças judiciais que lhe impugnam uma responsabilidade maior do que verdadeiramente podem arcar. Ou, caso surja uma doença ou a situação dos avós se complique, é possível recorrer à justiça para que uma análise de possibilidades financeiras seja refeita. Não se contribui muito com a felicidade dos filhos quando não os deixamos cumprir com os compromissos que são pertinentes à vida adulta.
Aliás, se há deveres a serem compartilhados, os idosos também têm seus direitos. Quando não recebem pensões nem aposentadorias, a lei lhes garante a possibilidade de recebimento de pensão dos próprios filhos, o que, convenhamos, deveria ser um ato espontâneo, mas nem sempre o é.
Da mesma forma, carinho, atenção e visitas cordiais deveriam ser um gesto rotineiro na vida de quem tem pais idosos. Ocorre que, cada vez mais, a vida ganha um ritmo alucinante e, pouco a pouco, os momentos de folga são preenchidos de outra forma. A casa dos pais idosos, se não são o esteio da família ou o próprio lar dos filhos adultos, se tornam apenas mais um local de passagem rápida, ou deslocamento obrigatório. Esse fenômeno, infelizmente, é mundial.
Para se ter uma idéia, na China, país onde o respeito pelos mais velhos e, em conseqüência, pelos pais é uma das virtudes mais levadas em consideração, foi promulgada lei que obriga filhos a visitarem seus pais. Assim como o Brasil, a China é um país de dimensões continentais, onde muitos dos mais importantes centros urbanos podem estar a muitos quilômetros de distância da cidade onde moram os pais. Lá, os especialistas afirmam que é a industrialização e o ritmo vertiginoso do crescimento das cidades os motivos que levam a afastar pais e filhos.
O vice-diretor do Centro de Pesquisas sobre Envelhecimento chinês, Dang Janwu, afirmou à imprensa internacional que o seu país consegue assegurar bem estar material dos idosos, mas esclareceu que as necessidades espirituais também são tão ou mais relevantes que o aspecto material e que estas só os filhos podem prover. Outra medida tão importante quanto a lei promulgada foi a reedição de um texto clássico, uma coletânea de contos folclóricos que, por seis séculos, foi utilizada pelas famílias para educar as crianças e incutir nelas o respeito aos idosos.
No Brasil, o Estatuto do Idoso dá conta de cercar com instrumentos jurídicos a provisão das necessidades mais prementes dos idosos, por parte do poder público. E interfere muito pouco quanto a de que forma os filhos devem agir em relação aos pais, afinal, não é característica das leis brasileiras adentrarem o espaço doméstico.
Quanto ao Jorge, uma vez estabelecido, já tem dinheiro poupado para pensar numa boa viagem de férias. Pergunto: vai ver o avô? Ele responde: Não, vou conhecer o Nordeste brasileiro!
Por mais comercial que a data de 26 de julho, Dia dos Avós, possa se converter – e sabemos que essas datas são mesmo mais um incentivo ao consumo do que momentos de reflexão – seria bem interessante pensar: há mesmo necessidade de uma lei para prover um afeto que deveria ser, no mínimo, espontâneo? E, afinal, pensar que a maneira com que os filhos agem com seus pais idosos tem, em grande parte, relação com a maneira como foram criados. Dá o que pensar!
Ivone Zeger é advogada especialista em Direito de Família e Sucessão e doutoranda em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidad de Buenos Aires, Argentina. É autora dos livros “Herança: Perguntas e Respostas”, “Família: Perguntas e Respostas” e “Direito LGBTI: Perguntas e Respostas.
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