Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), entendeu que os cônjuges sob o regime da separação obrigatória de bens podem, por meio de pacto antenupcial, estabelecer regime de bens ainda mais restrito, afastando a aplicação da Súmula nº 377 do Supremo Tribunal Federal (STF), que estabelece a comunicabilidade patrimonial dos bens adquiridos na constância do casamento.
De antemão, vale lembrarmos que o Código Civil estabelece o regime da separação obrigatória de bens no casamento para a pessoa maior de 70 anos. Nesse modelo, cada cônjuge é dono do seu próprio patrimônio, independentemente de ter sido adquirido antes ou depois do casamento.
Em contrassenso à essa proteção legal, o STF, por meio da Súmula de nº 377, de 1964, determinou que, no regime da separação obrigatória de bens, comunicam-se os bens adquiridos durante o casamento, tal como ocorre na comunhão parcial de bens. A súmula, se lida e interpretada isoladamente, sugere a extinção do regime da separação obrigatória, pois determina, em sentido contrário à lei, que os bens adquiridos na constância do casamento sujeito ao regime da separação obrigatória devem compor o patrimônio conjunto do casal.
Entretanto, esse importante entendimento sumulado merece ressalva nesse momento, tendo em vista a recente decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 1.922.347, senão vejamos.
No caso analisado pelo STJ, um homem de 77 anos e uma mulher de 37 anos firmaram um pacto antenupcial mais restritivo, com aplicação do regime da separação obrigatória de bens (tendo em vista a idade do cônjuge) e o afastamento da sumula nº 377 do STF, requerendo a não comunicabilidade dos bens adquiridos durante o casamento.
Após o falecimento do marido, a viúva pretendeu ver reconhecida a sua participação integral na partilha dos bens adquiridos durante o casamento, requerendo a aplicação da súmula 377 que havia sido afastada pelo pacto antenupcial.
O STJ negou provimento ao recurso da viúva e reconheceu ser possível aos noivos (e companheiros), em exercício da autonomia privada, firmarem escritura pública para afastar a incidência da súmula 377 do STF, perfazendo um casamento ou união estável em regime de separação obrigatória com pacto antenupcial de separação de bens.
Vale transcrever trecho da ementa:
“No casamento ou na união estável regidos pelo regime da separação obrigatória de bens, é possível que os nubentes/companheiros, em exercício da autonomia privada, estipulando o que melhor lhes aprouver em relação aos bens futuros, pactuem cláusula mais protetiva ao regime legal, com o afastamento da Súmula n. 377 do STF, impedindo a comunhão dos aquestos”. (STJ, Recurso Especial nº 1.922.347, julgamento em 7 de dezembro de 2021)
Segundo o relator do caso, Ministro Luís Felipe Salomão, o pacto antenupcial reflete a autonomia privada, conferindo efetividade ao planejamento familiar dos casais. Dessa forma, a lei deve ser interpretada de acordo com a sua finalidade, sendo válido colocar no pacto antenupcial uma previsão ainda mais restritiva do que a obrigatória.
Para o relator o objetivo da lei é justamente conferir maior proteção ao patrimônio do idoso que está se casando e aos interesses de seus herdeiros e, por isso, “é possível que o pacto antenupcial venha a estabelecer cláusula ainda mais protetiva aos bens do nubente septuagenário – afastando a incidência da súmula 377 do STF do regime da separação obrigatória -, preservando o espírito do CC/02 de impedir a comunhão dos bens do ancião”.
Por outro lado, o ministro destacou não ser possível afastar o regime de separação obrigatória ou adotar pacto que torne o regime mais ampliativo em relação aos bens.
Pois bem, diante desse cenário, o que podemos notar é que esse entendimento surtirá efeitos perante os Cartórios, uma vez que esses não mais poderão negar lavrar pactos antenupciais contendo disposições para afastamento dos efeitos da Súmula 377 do STF quando se tratar do regime da separação legal de bens.
Por fim, trata-se de uma decisão extremamente importante para fins de planejamento patrimonial e sucessório, vez que é por meio da escolha do regime de bens que se determina como os bens do casal serão administrados durante o casamento e ainda, determina os impactos da partilha no direito sucessório.
Ana Bárbara Zillo é advogada do departamento de wealth planning do Battella, Lasmar & Silva Advogados.
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