Por David Roberto R. Soares da Silva
Sem muito alarde, a Câmara dos Deputados analisa projeto de lei complementar que pretende regular a eficácia de trusts estrangeiros no Brasil e o seu respectivo tratamento tributário. O projeto não se relaciona com o projeto, já em discussão no Congresso, sobre a possibilidade de criação de um trust brasileiro (contrato de fidúcia).
O Projeto de Lei Complementar nº 145/2022 (PLP 145), de autoria do deputado Eduardo Cury foi apresentado à Câmara dos Deputados em 23 de novembro de 2022 e desde 2 de dezembro se encontra na Comissão de Finanças e Tributação daquela Casa legislativa. Contando com 18 artigos, o PLP 145 cria um arcabouço tributário inovador e bastante interessante e que, se aprovado, trará e certeza e segurança jurídica sobre a eficácia jurídica e o tratamento tributário adequado na utilização de trust estrangeiros com partes residentes no Brasil.
Definições
O seu art. 2º fornece definições que serão importantes para o tratamento tributário adequado das transferências patrimoniais envolvendo trusts estrangeiro. São elas:
- beneficiário: o beneficiário efetivo ou o beneficiário potencial, conforme o caso;
- beneficiário efetivo: pessoa favorecida pelo trust e que já tenha adquirido, de forma incondicional, total ou parcialmente, direito sobre o patrimônio do trust, assim entendido o direito imediato, não sujeito a termo ou condição, de acessar qualquer parcela de ativos sob o trust, seja através de distribuições, resgates de capital originário ou extinção do trust;
- beneficiário potencial: pessoa que poderá ser favorecida pelo trust mas que ainda não tenha adquirido, de forma incondicional, direito sobre o patrimônio do trust, assim entendido o direito imediato, não sujeito a termo ou condição, de acessar qualquer parcela de ativos sob o trust, seja através de distribuições, resgates de capital originário ou extinção do trust;
- instituidor: pessoa que cria o trust mediante transmissão de bens ou direitos a um trustee para a formação de patrimônio sob trust, indica beneficiários ou determina o propósito do trust, se assim desejar;
- trust: instituto jurídico de direito estrangeiro resultante da transferência de bens ou direitos com valor econômico feita por uma pessoa física ou jurídica, designada instituidor, a um proprietário formal, designado trustee, concomitantemente ao nascimento de um direito de propriedade ou titularidade autônomo dos beneficiários dos bens ou direitos transferidos;
- trustee, administrador ou curador: pessoa que recebe a guarda e a propriedade formal de bens ou direitos com valor econômico integrantes do trust e assume deveres perante os beneficiários do trust e em relação ao patrimônio sob o trust.
De pronto, já se percebe que o PLP 145 faz uma distinção interessante sobre “beneficiário efetivo” e “beneficiário potencial”. Essa distinção, como se verá, será importante para fins tributários, dado que somente a aquisição da condição de “beneficiário efetivo” é que acarretará um efeito tributário no Brasil.
Lei aplicável e competência jurisdicional
O PLP 145 ainda destaca que o beneficiário poderá ser o próprio instituidor ou terceiros, ou ainda nomeados pelo trustee ou por lei.
Os artigos 3º a 5º trata da lei aplicável ao trust, que será aquela indicada no próprio instrumento de sua constituição, “exceto se ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes” (Art. 3º). Esse ponto é interessante, pois pode ser interpretado no sentido de que trusts que violem regras brasileiras poderão não ter a sua eficácia reconhecida no Brasil. Esse seria o caso, por exemplo, de trusts utilizados para prejudicar herdeiros necessários.
Na falta de indicação da lei aplicável, devem ser utilizadas as regras do Direito Internacional Privado (Art. 4º).
Com relação à jurisdição para processar ações relacionadas ao trust, a justiça brasileira não terá competência jurisdicional quanto o seu instrumento de constituição estabelecer outra jurisdição (Art. 5º). Entre as exceções a essa regra está o processamento de ações de natureza tributária envolvendo o trust e relacionadas a tributos devidos no Brasil (Art. 5º, parágrafo único).
Mas, passemos às questões tributárias.
ITCMD
A primeira questão relevante é a de que o PLP 145 considera que as distribuições feitas por trust (estrangeiro, diga-se) estão sujeitas ao ITCMD e não ao imposto de renda (IR), embora o IR se aplique em algumas situações, como se verá adiante.
A regra geral é a de que o fato gerador do ITCMD é a aquisição, pelo beneficiário potencial, de direito incondicional e imediata a qualquer parcela dos ativos do trust (Art. 7º). Em outras palavras, o ITCMD deverá ser recolhido quando um beneficiário potencial se torna um beneficiário efetivo.
Nos termos da definição trazida pelo Art. 2º do PLP 145, essa aquisição de direito incondicional ocorre, de forma parcial ou total, quando qualquer parcela dos ativos do trust se tornar disponível a um beneficiário, sem se sujeitar a qualquer termo ou condição. Vejamos algumas situações hipotética para fins de incidência do ITCMD:
Situação | Possível consequência tributária de ITCMD |
Regra do trust estabelece que beneficiário receberá um valor ao completar 18 anos. | Até os 18 anos, não há fato gerador. Ao completar 18 anos, o direito se torna incondicional e o ITCMD incidirá ainda que o beneficiário não solicite a distribuição. |
Regra do trust estabelece pagamentos mensais a um beneficiário. | ITCMD incidirá mensalmente. |
Regra do trust estabelece que o beneficiário poderá solicitar uma distribuição ao trustee, mas que o trustee poderá avaliar a conveniência ou mesmo o valor. | ITCMD incidirá somente quando o trustee aceitar a solicitação e sobre o montante efetivamente aprovado. |
Regra do trust estabelece que o trustee deverá determinar momento e montante da distribuição ao beneficiário, de acordo com certos critérios estabelecidos previamente pelo instituidor. | ITCMD incidirá somente quando o trustee fizer essa determinação. |
É importante notar que, nos termos do PLP 145, a vinda dos recursos ao Brasil é irrelevante. Se uma distribuição se tornar disponível ao beneficiário, ele deverá pagar o ITCMD imediatamente, de acordo com as regras do estado em que reside.
A base de cálculo do imposto é o valor do bem ou direito transmitido, em moeda nacional (Art. 7º, inciso I).
O PLP 145 ainda traz regras de não incidência do imposto (Art. 8º) ao excluir certas transmissões do conceito de doação. Não serão consideradas doações e não estarão sujeitas ao ITCMD (Art. 8):
- as transferências de bens, direitos e valores do instituidor para o trustee, para a formação do patrimônio do trust;
- quaisquer pagamentos de valores ou transferências patrimoniais do trust para o instituidor;
- quaisquer pagamentos de valores ou transferências patrimoniais realizadas pelo trust a beneficiários efetivos após a aquisição de tal condição.
A hipótese 3 se justifica, pois o imposto será devido, pelo beneficiário, no momento da aquisição do direito incondicional a uma distribuição, ainda que essa distribuição ocorra em momento posterior.
ITBI
Ponto interessante diz respeito à transferência de bens imóveis ao trust. O PLP 145 (Art. 9º) estabelece que o ITBI (imposto sobre transmissão de bens imóveis) não incidirá sobre as transferências de imóveis e respectivos direitos para a constituição do fundo do trust. Ora, na prática, a ‘capitalização’ do trust com imóveis não estará sujeito nem ao ITCMD (Art. 8º) nem ao ITBI, trazendo uma possível oportunidade de planejamento tributário.
O ITBI, no entanto, incidirá em operações imobiliárias, nas seguintes situações (Art. 10):
- tiverem sido adquiridos com resultados auferidos pelo trust após a aquisição por beneficiário efetivo de tal condição e forem transmitidos a beneficiário efetivo que não seja o instituidor; ou
- forem entregues ao instituidor, na qualidade de beneficiário, e não tiverem sido previamente transferidos pelo instituidor ao trustee.
O PLP 145 ainda estabelece que os documentos do trust, devidamente legalizados, serão suficientes para o registro da transmissão da propriedade perante o Cartório de Imóveis, sem a necessidade de lavratura de escritura pública. Outro grande avanço.
* * *
As regras de imposto de renda atinentes ao trust no PLP 145 serão objeto de outro artigo, dada a sua complexidade.
No entanto, já é possível adiantar que o PLP 145 é inovador e ajuda a dar mais segurança jurídica aos planejamentos sucessórios internacionais envolvendo essa poderosa ferramenta fiduciária.
David Roberto R. Soares da Silva é advogado especializado em planejamento patrimonial e sucessório, sócio do BLS Advogados, e autor do Brazil Tax Guide for Foreigners (2010-2021), e coautor do Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos (2022), Renda Variável (2021) e Tributação da Economia Digital no Brasil, todos publicados pela Editora B18.
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