Por Daniela Ispirian Mir Gelamo, CFP®
O ano de 2014 foi marcado, para os moradores da cidade de São Paulo, pela crise da Cantareira. A maior cidade do Brasil entrou em estado de alerta quando um dos principais reservatórios que abastecem a cidade chegou em seu nível mais baixo de volume de água. Foram cerca de 9 milhões de pessoas impactadas. Uma crise que voltou para as manchetes em 2021, pois o volume de água atingiu novamente a marca abaixo dos 40%.
Normalmente falamos de outros tipos de crises quando pensamos em finanças e, se chegou até este parágrafo, deve estar se perguntando o que um reservatório de água tem a ver com finanças. Ou, ainda, pode pensar que houve algum erro na edição da revista.
Não houve erro! É aqui mesmo que quero mostrar a importância de cuidar, manter e acompanhar o nosso reservatório financeiro, assim como devemos zelar pelos nossos mananciais, já que a saúde financeira, tal como a água, é vital para nossa vida.
Imagine que seu reservatório Cantareira seja um lago ao fundo de sua casa. Um lago que não existia quando você se mudou ou quando começou a trabalhar. Você precisa primeiro cavar o buraco, para só depois enchê-lo de água, e então ter seu reservatório pessoal.
Enquanto está ativo, trabalhando e recebendo uma renda, você não precisa da água do lago, pois tem dinheiro para comprá-la do sistema de distribuição municipal ou até adquiri-la num supermercado. É neste momento que você deve comprar água, não só para viver diariamente, mas também para começar a encher seu reservatório.
A chuva pode até contribuir com esse volume, mas só ela não resolve. A crise da Cantareira nos mostrou que não basta chover torrencialmente se as represas que abastecem o reservatório estão passando por uma seca. Quantas vezes São Paulo ficou debaixo d’água, com enchentes desastrosas, e ainda assim foi preciso extrair água do “volume morto” – nível abaixo das comportas –, que nunca havia sido usado para atender a população?
Na linguagem financeira, o que quero dizer é que não adianta esperar que uma chuva torrencial, ou melhor, o valor recebido de uma rescisão trabalhista ou do inventário dos falecidos pais sejam os únicos responsáveis por aumentar o volume de seu reservatório financeiro. A sua reserva financeira para o futuro não pode ficar vazia, esperando um milagre dos céus. É preciso garantir que um valor mensal seja depositado no seu reservatório para que ele atinja um volume ideal, de forma que, no futuro, nunca precise usar o volume morto, ou seja, nunca precise de empréstimos com juros impraticáveis ou, ainda, viver com ajuda de familiares ou caridade.
Ainda que algumas pessoas pensem em trabalhar até o final da vida, haverá um momento em que o mercado de trabalho não estará mais de braços abertos para os mais velhos. Ou, ainda, nosso corpo não terá a mesma disposição para arregaçar as mangas e trazer renda para o lar. E aí? Se seu reservatório pessoal estiver vazio, como fará para sobreviver?
O que o Governo fornece aos aposentados pelo sistema de previdência e seguridade social não é e nunca será suficiente. Ou seja, podemos até ir à fonte de uma praça e pegar um balde de água disponível ao público, mas ela não suprirá o padrão de consumo estabelecido ao longo dos anos. E, provavelmente, um balde abastecerá apenas o café da manhã.
É importante entender que, quanto antes você começar a encher seu reservatório financeiro, menor será o tamanho das doses mensais necessárias para completá-lo. Se já está prestes a deixar de receber uma renda do mercado de trabalho e ainda não tem uma reserva suficiente para consumir na longevidade, será preciso encontrar maneiras de aumentar a dose, seja gastando um pouco menos ou buscando mais renda neste final de tempo laboral para garantir que terá a quantidade suficiente para encher rapidamente sua reserva.
Para caracterizar melhor o tamanho do reservatório versus o tamanho da dose que deve ser despejada, quero deixar um exemplo hipotético.
Imagine que duas pessoas distintas precisem de uma reserva pessoal de R$ 1 milhão para consumir a partir dos 60 anos. Uma delas, que começa a preencher o reservatório aos 20 anos, precisará de apenas 500ml, ou melhor, R$ 500 por mês para completá-lo. Já o outro, que começa aos 40 anos, precisará de um pouco mais de R$ 2.000 mensais para encher o mesmo reservatório.
No exemplo acima, o tamanho do reservatório é igual para os dois indivíduos, mas nem sempre é assim na vida real. Diversos fatores determinam o tamanho necessário do reservatório, variando de pessoa para pessoa.
Um determinado reservatório pode ter que fornecer água para uma família pequena, outro para uma pessoa que quer ter suprimento para viajar todo ano, outro ainda para uma família enorme. Também não é prudente pré-definir o tamanho da dose mensal para todos, diferenciando apenas a idade, pois cada indivíduo tem suas escolhas, estilo de vida e capacidade financeira independente.
Por isso, tão importante quanto garantir que todo mês o seu reservatório seja abastecido, é definir e dosar de acordo com:
- a capacidade de reserva financeira mensal;
- o tamanho do seu reservatório pessoal;
- o tempo que ainda tem para preenchê-lo
- e a expectativa do tempo que pretende usufruí-lo – a conhecida longevidade!
Garanta seu futuro construindo e preenchendo seu reservatório financeiro. Não fique à espera de um milagre dos céus. Caso uma boa chuva contribua com o aumento do volume, perfeito! Você ainda poderá passar a beber água da sua fonte antes mesmo do esperado, ou quem sabe ter mais para saciar novos sonhos.
Daniela Ispirian Mir Gelamo, CFP® é planejadora financeira pessoal em São Paulo/SP.