O testamento vital ou diretivas antecipadas de vontade é um documento redigido por uma pessoa capaz e em pleno gozo de suas faculdades mentais com o objetivo de dispor acerca dos cuidados, tratamentos e procedimentos que deseja ou não ser submetida, caso seja acometida de moléstia grave – ameaçadora de sua vida – fora de possibilidades terapêuticas, que a impeça de manifestar livremente sua vontade.
Em outras palavras, o testamento vital serve para que as pessoas documentem quais tratamentos desejam ou não receber em momentos em que se encontrarem acometidas por doença terminal e incapacitadas de expressarem livremente a sua vontade.
Embora não exista legislação especifica sobre o tema no Brasil, a sua possibilidade jurídica decorre da interpretação de diversos dispositivos legais previstos no ordenamento jurídico brasileiro e nas resoluções do Conselho Federal de Medicina, senão vejamos:
Constituição Federal: Art. 5º, inciso III – “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.
Resolução CFM nº 1.931/2009: Art. 41 – “Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal. Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal”.
Posto seu conceito, é imperioso ressaltar alguns pontos importantes para a elaboração desse documento.
Primeiramente, o testamento vital só será válido quando redigido por pessoa absolutamente capaz, ou seja, maior de 18 anos, e que não se enquadre em nenhuma situação de incapacidade.
Outra característica do testamento vital é a necessidade de manifestação expressa de forma escrita. Nesse sentido, apesar de não haver nenhuma lei impondo a forma do testamento vital, aconselha-se a lavratura por escritura pública, uma vez que o tabelião possui fé pública para atestar as condições nas quais a pessoa expressa a sua vontade.
Seguindo, o testamento vital não pode conter disposições contrárias à legislação brasileira, como por exemplo, as que prevejam eutanásia, desligamento de equipamentos ou a suspensão de tratamentos ordinários. Nesse segmento, apenas disposições que digam respeito à recusa de tratamentos paliativos serão válidas, como por exemplo, ordem de reanimação, manutenção artificial de estado vegetativo, suspensão de hemodiálise, entre outros.
Uma outra medida importante que também pode ser incluída no testamento vital é a nomeação de um representante legal para lidar com todas as questões administrativas, jurídicas e médicas do paciente terminal.
Vale ressaltar, que essa representante legal, ainda, pode ter poderes para administrar os bens do enfermo enquanto perdurar sua incapacidade temporária e enquanto não for promovida a sua interdição.
Por fim, por mais que o testamento vital não tenha nenhum dispositivo específico que verse sobre o seu tema em nossa legislação, nota-se que alguns tribunais têm reconhecido o direito de autodeterminação em relação à própria vida, por meio deste documento.
Esse é o caso da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), senão vejamos:
JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE. ORTOTANÁSIA. Pretensão de estabelecer limites à atuação médica no caso de situação futura de grave e irreversível enfermidade, visando o emprego de mecanismos artificiais que prologuem o sofrimento da paciente. Sentença de extinção do processo por falta de interesse de agir. Manifestação de vontade na elaboração de testamento vital gera efeitos independentemente da chancela judicial. Jurisdição voluntária com função integrativa da vontade do interessado cabível apenas aos casos previstos em Lei. Manifestação que pode ser feita por meio de cartório extrajudicial. Desnecessidade de movimentar o Judiciário apenas para atestar sua sanidade no momento da declaração de vontade. Cartório Extrajudicial pode atestar a livre e consciente manifestação de vontade e, caso queira cautela adicional, a autora poderá se valer de testemunhas e atestados médicos. Declaração do direito à ortotanásia. Autora que não sofre de qualquer doença. Pleito declaratório não pode ser utilizado em caráter genérico e abstrato. Falta de interesse de agir verificada. Precedentes. Sentença de extinção mantida. Recurso não provido. (TJSP – AC: 10009381320168260100, Relator: MARY GRÜN, SÉTIMA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, Data de Publicação: 24/04/2019).
No caso acima, a parte buscou o Poder Judiciário para que se atestasse a sua sanidade mental ao preparar o seu testamento vital. Ao analisar o caso, o TJSP entendeu ser desnecessária a tutela judicial para esse objetivo, bastando, para isso, se munir de testemunhas e atestados médicos que confirmem o seu estado mental. De posse desses documentos e da expressão de sua vontade explícita perante o Tabelião, assegurada estará a validade da escritura pública de testamento vital.
Assim, tem-se que o testamento vital serve como ferramenta poderosa para expressar a vontade do indivíduo, evitando, ou ao menos minimizando, o risco de que terceiros – na incapacidade temporária do declarante – tomem decisões que contrariem sua vontade, especialmente no que diz respeito a temas de natureza financeira ou de saúde.
Ana Bárbara Zillo é advogada do departamento de wealth planning do Battella, Lasmar & Silva Advogados.
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