Por Marianna Keller
Sob a ótica moderna, compreende-se que as relações surgem, mudam e transmutam sob mais diversos vértices. Tão fugaz quanto as belezas da vida, observa-se que o caminho cotidiano urge de diante de nossos olhos e pede soluções diversas aos mais diversos tipos de problema existentes.
Com a nova configuração da vida, os seres humanos apresentam novas formas de enxergar a vida e, principalmente de se relacionar. A fluidez de muitos relacionamentos culmina em não formalização desses vínculos, o que pode gerar sérias consequências no âmago legal.
A primeira, alude-se que a união estável, ante o silêncio das partes, primariamente é um fenômeno de fato e, com a consolidação das circunstâncias que lhe são permanentes, passa a ser de direito.
Observa-se que na ausência de qualquer formalização, as características a serem buscadas passam a ser aferidas na realidade. O judiciário brasileiro procura entender se os indivíduos relacionais já se entendem e conjugam como família.
O Código Civil, superada a dicotomia da distinção dos sexos, preleciona que a união estável pode ser entendida como o vínculo que carrega as características de uma conjunção pessoal pública, notória, duradoura e com o intuito de constituir família:
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
Frente a todos os preceitos legais e, simplificando a linguagem, trata-se de um “casal que se comporta como se casados fossem”. A diferença substancial entre a união estável e o matrimônio consiste na formalidade material correlacionada com o segundo instituto.
Para todos os fins, atesta-se que a principal diferença entre os institutos consiste na inexistência de alteração do estado civil dos envolvidos, assim como a não opção da eleição do regime de bens a ser aplicado no relacionamento inter partes.
Por outro lado, o matrimônio e a união estável se assemelham no que tange à incidência dos efeitos sucessórios, familiares e patrimoniais, áreas que carecem de importantes decisões.
No que toca aos efeitos sucessórios, o companheiro participa da sucessão do outro companheiro em concorrência com os outros descendentes sucessíveis pela regra do Art. 1.790 do Código Civil, que estabelece o seguinte:
Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes
I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.
Na seara de efeitos familiares, quando registrada, há presunção de paternidade da prole nascida na vigência, conforme o Enunciado 7 da Jornada de Direito Notarial e Registral:
I Jornada de Direito Notarial e Registral – Enunciado 7
A presunção de paternidade, prevista no art. 1.597 do Código Civil, aplica-se aos conviventes em união estável, desde que esta esteja previamente registrada no Livro E do Registro Civil das Pessoas Naturais da Sede, ou, onde houver, no 1º Subdistrito da Comarca, nos termos do Provimento CNJ n. 37/2014.
Quanto aos aspectos patrimoniais, adentra-se na particularidade do regime de bens e a presunção de aplicação da comunhão parcial de bens quando não houver formalização das partes sobre o tema. É o que dispõe o Art. 1.725 do Código Civil:
Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.
Reflete -se que os conviventes possuem algumas ferramentas à sua disposição para regrar alguns pontos de sua relação. Cita-se que os benefícios da contratualização da relação se dão com a consolidação dos pontos comuns e que são de pleno interesse do casal.
Em regra, os instrumentos negociais devem seguir a regra do Art. 104 do Código Civil, teoria geral do negócio jurídico, para produção de efeitos. Suscintamente, aponta-se que o pacto deve ser lícito, determinado/determinável e com agentes capazes.
Como um exemplo de benefício para a escrituração dos termos da relação: delimitação da espécie do relacionamento, data de começo, a intenção de constituir família ou não, o regime de bens adotado, forma de contribuição para as despesas comuns entre outras.
A omissão dos termos escritos pode provocar a comunicação patrimonial não desejada de recursos ou de bens que poderiam não estar planejados, assim como não seriam de interesse de um dos integrantes da relação em mear. O mesmo se aplica aos frutos gerados por esses bens.
Em síntese, o Art. 1.725 do Código Civil disciplina que o regime da comunhão parcial de bens será aplicado ao vínculo relacional, salvo na existência de contrato escrito. Ato contínuo, a lei não delimita a forma como se formaliza esse vínculo, podendo ser por escritura pública ou contrato particular, sendo que cada um deles possui suas vantagens e desvantagens.
A jurisprudência reconhece a validade do instrumento, senão vejamos:
PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. CONTRATO DE CONVIVÊNCIA PARTICULAR. REGULAÇÃO DAS RELAÇÕES PATRIMONIAIS DE FORMA SIMILAR À COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS. POSSIBILIDADE.
1. O texto de Lei que regula a possibilidade de contrato de convivência, quando aponta para ressalva de que contrato escrito pode ser entabulado entre os futuros conviventes para regular as relações patrimoniais, fixou uma dilatada liberdade às partes para disporem sobre seu patrimônio.
2. A liberdade outorgada aos conviventes deve se pautar, como outra qualquer, apenas nos requisitos de validade de um negócio jurídico, regulados pelo art. 104 do Código Civil.
3. Em que pese a válida preocupação de se acautelar, via escritura pública, tanto a própria manifestação de vontade dos conviventes quanto possíveis interesses de terceiros, é certo que o julgador não pode criar condições onde a lei estabeleceu o singelo rito do contrato escrito.
4. Assim, o pacto de convivência formulado em particular, pelo casal, na qual se opta pela adoção da regulação patrimonial da futura relação como símil ao regime de comunhão universal, é válido, desde que escrito.
5. Ainda que assim não fosse, vulnera o princípio da boa-fé (venire contra factum proprium), não sendo dado àquele que, sem amarras, pactuou a forma como se regularia as relações patrimoniais na união estável, posteriormente buscar enjeitar a própria manifestação de vontade, escudando-se em uma possível tecnicalidade não observada por ele mesmo.
5. Recurso provido.
(REsp n. 1.459.597/SC, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 1/12/2016, DJe de 15/12/2016.)
Por meio de pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça, o instrumento particular de convivência possui a eficácia apenas entre os contratantes. Isso significa que as suas disposições não possuem efeitos contra terceiros fora da relação. Esses efeitos somente são alcançados quando a formalização se dá por meio de escritura pública lavrada perante tabelião de notas, o que envolve o pagamento de emolumentos.
Nessa linha de intenção, válido ressaltar que o intuito do contrato é de apenas formalizar o teor da relação, não servindo para fraudar ou turvar a vista do que ali acontece. Repisa-se que, diante do questionamento judicial do lesado, o negócio jurídico perpassara pelo controle privado de legalidade
Por todo o exposto, aponta-se que os benefícios da regulação da relação são criados para trazer segurança jurídica à relação e delimitar como, o que, onde e quando os acontecimentos e efeitos devem ocorrer.
Marianna Keller é advogada especialista em Direito, Tecnologia e Inovação pela Universidade FUMEC, especialista em Direito Civil em Juízo pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e integrante do ARM Mentoria Jurídica, em Belo Horizonte/MG.
TUDO SOBRE PACTO ANTENUPCIAL E OUTROS CONTRATOS DE RELACIONAMENTO NO NOSSO BEST-SELLER “PLANEJAMENTO PATRIMONIAL”: