O Conselho Monetário Nacional (CMN), com a publicação da Resolução CMN nº 5.111, de 21 de dezembro de 2023 (“Resolução”), regulamentou o conceito de Entidade de Investimento e qualificou a definição de Direitos Creditórios, para fins de aplicação de regras tributárias mais benéficas e não incidência do regime de come-cotas para fundos de investimento. Estes importantes conceitos apresentados pela Resolução suprem lacunas importantes da Lei nº 14.754, de 12 de dezembro de 2023 (“Lei nº 14.754”), e abrem espaço para revisão do enquadramento das estruturas de investimento atualmente existentes aos conceitos introduzidos pela nova normativa.
Ao abordar o conceito de Entidade de Investimento, a Resolução se pautou na definição e nas características apresentadas no Pronunciamento Técnico CPC 36 (R3), de dezembro de 2012. Apesar de guardar certa semelhança com as disposições contidas no referido Pronunciamento, a resolução do Conselho Monetário Nacional foi além ao trazer critérios mais objetivos e classificar como Entidades de Investimento os fundos de investimento brasileiros que possuam estrutura de gestão profissional, representada por agentes ou prestadores de serviços com discricionariedade sobre o processo de tomada de decisões de investimento e desinvestimento, com o propósito de obter retorno por meio de apreciação do capital investido, renda ou ambos.
Outra inovação trazida pela nova Resolução foi o rol exemplificativo de fundos de investimento que não são classificados como Entidade de Investimento em razão de determinadas características. Nos termos da Resolução, estão automaticamente desenquadrados todos os fundos que (i) possuam comitê de investimento ou outro órgão de governança deliberativo no qual cotistas majoritários pessoas físicas ou as pessoas por eles indicadas tomem decisões e enviem ordens ao gestor quanto à composição da carteira do fundo; (ii) controlem pessoas jurídicas que tenham sido controladas, direta ou indiretamente, por seus cotistas majoritários pessoas físicas nos 5 anos anteriores ao investimento pelo fundo; (iii) os cotistas majoritários pessoas físicas sejam administradores de empresas investidas pelo fundo; e (iv) os cotistas majoritários pessoas físicas possam determinar ou vetar decisões de investimento ou desinvestimento.
No que tange à definição de Direitos Creditórios, a Resolução apresentou o mesmo rol taxativo trazido no artigo 2º, XII, do Anexo Normativo II da Resolução CVM nº 175, de 23 de dezembro de 2022. O conceito apresentado pelo Conselho Monetário Nacional estabeleceu que os Direitos Creditórios abrangem: (i) os direitos e títulos representativos de crédito; (ii) os valores mobiliários representativos de crédito; (iii) os certificados de recebíveis e outros valores mobiliários representativos de operações de securitização que não sejam lastreados em direitos creditórios não padronizados; e (iv) por equiparação, cotas de fundos de investimento em direitos creditórios que observem o disposto no artigo 4º da Resolução.
Apesar de a Resolução ter seguido os mesmos parâmetros apresentados pela Comissão de Valores Mobiliários, a nova norma inovou ao excetuar do conceito de Direitos Creditórios determinados ativos, de modo que não estão abarcados pelo conceito de Direitos Creditórios (i) títulos públicos federais, estaduais, municipais e do Distrito Federal; (ii) títulos de emissão ou coobrigação de instituições financeiras; (iii) operações compromissadas lastreadas nos ativos referidos nos itens (i) e (ii) acima; (iv) cotas de classes de fundos de investimento que invistam preponderantemente nos ativos referidos nos itens (i) a (iii) acima; (v) debêntures não conversíveis ou sem participação nos lucros objeto de distribuição pública; e (vi) notas comerciais objeto de distribuição pública.
Não obstante o disposto acima, a Resolução apresentou determinadas exceções nas quais os ativos listados nos itens (v) e (vi) acima poderão ser classificados como Direitos Creditórios, isto é, quando, no momento de sua aquisição, qualquer uma das regras previstas nos incisos I ou II do §2º do artigo 4º da Resolução forem observadas.
Ainda sob a ótica do conceito de Direitos Creditórios trazida pela Resolução e sua implicação para os fundos de investimento em direitos creditórios, é importante frisar que os prazos estipulados na Lei nº 14.754, para enquadrar a carteira dos fundos ao disposto no artigo 19 da referida Lei, já estão correndo. Diante deste novo cenário normativo, é imprescindível que gestores e administradores dos fundos de investimento em direitos creditórios revisem os ativos que compõem as respectivas carteiras dos fundos que estiverem sob sua administração e/ou gestão, conforme aplicável, para verificar se os ativos se enquadram nas qualificações apresentadas pela Resolução e atendem o disposto no artigo 19 da Lei nº 14.754.
Ante todo o exposto, é possível concluir que determinadas lacunas legislativas foram efetivamente supridas com a entrada em vigor da Resolução. Entretanto, é importante destacar que a redação apresentada na Resolução para definir os conceitos de Entidade de Investimento e Direitos Creditórios não possui um alto nível de detalhamento, o que pode levar à construção de interpretações diferentes acerca da abrangência dos termos utilizados para classificar e definir os conceitos.
Além disso, as disposições da Resolução ainda poderão (e muito provavelmente serão) objeto de análise e interpretação por órgãos reguladores e pela própria Receita Federal do Brasil, que poderá construir interpretações mais abrangentes e, eventualmente, desenquadrar carteiras e fundos de investimentos que venham a ser estruturados a partir de interpretações mais restritivas.
Por fim, por se tratar de regulamentações muito recentes que ainda serão objeto de discussão e interpretação, entendemos que os fundos de investimento que quiserem se valer das regras tributárias mais benéficas trazidas pela Lei nº 14.754 deverão construir teses de investimento cada vez mais sólidas. Ademais, os administradores e gestores destes fundos deverão alinhar as respectivas carteiras e eventuais novas tese de investimento aos novos conceitos apresentados pela Resolução para evitar que interpretações em sentido diverso do que venha a ser construído em benefício da estrutura da operação sirvam de base para a perda dos benefícios trazidos pela Lei nº 14.754.
Ricardo Pisani Filho é advogado com pós-graduação em direito societário e associado do Candido Martins Advogados, em São Paulo.
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