Por Arnaud Colson
Uma nova decisão sobre a tributação de renda fixa foi tomada no dia 16 de maio 2024 na França. Essa decisão resolveu uma questão de interpretação da Convenção Fiscal franco-brasileira, especialmente no que se refere à tributação brasileira na fonte sobre a renda de aplicações em renda fixa recebida pelas pessoas físicas residentes na França.
Qual era o contexto?
A decisão do Tribunal de Montreuil do 16 maio 2024, n°2114411 (que diz respeito ao banco HSBC), pode ser aplicada a um cidadão brasileiro domiciliado na França e que continua a receber rendimentos de aplicações financeiras no seu país de origem, tributáveis no Brasil.
A questão colocada ao juiz era saber como determinar a base de cálculo do crédito de imposto para eliminar a situação de bitributação no sentido da Convenção Fiscal.
A particularidade da Convenção Fiscal Franco-Brasileira é a possibilidade de deduzir do imposto de renda a ser pago na França um crédito de imposto igual a 20% do valor bruto do rendimento, mesmo quando esta pessoa pagar um imposto inferior no Brasil (ex.: 15%).
Porque um exemplo vale mais do que palavras, nós vamos tomar um rendimento de aplicações financeiras de 100. Esse rendimento é sujeito na França a um imposto de renda à alíquota de 30%. O crédito de imposto de 20% seria deduzido do imposto de renda (30%).
Mas como se determina esse rendimento, sobre qual base?
100 (85 + 15)? ou ainda 105 (85 + 20)?
A prática da declaração de imposto de renda atenua os efeitos benéficos do crédito de imposto fixo brasileiro.
Porque segundo a autoridade fiscal francesa, o crédito de imposto presumido (20), é acrescentado ao valor líquido recebido (85) o que nos levaria a uma base de cálculo superior (105) do valor bruto recebido (100).
Assim, se seguirmos o método da administração tributária, a base tributável deveria ser de 105. O contribuinte pagaria 31,5 (30% x 105) menos 20 (20% x 100), ou seja, 11,5 na França.
Em um exemplo prático, imagine um rendimento de € 200.000 auferido no Brasil por residente francês em que houvesse a retenção de 15% de IRRF. Haveria uma retenção equivalente a € 30.000 e recebimento líquido de € 170.000. Para o cálculo do imposto na França, segundo o fisco francês, a base de cálculo deveria ser € 170.000 acrescido do crédito de 20%, ou seja, de mais € 40.000 (20% do rendimento bruto de € 200,000), totalizando € 210.000.
Aplicando a alíquota de 30% sobre esse valor, o imposto devido seria de € 63.000, podendo ser deduzido o crédito fiscal de € 40.000, gerando o imposto a pagar de € 23.000 ao governo francês.
O que diz o tribunal administrativo francês?
O tribunal na sua decisão do HSBC de 16 de maio de 2024 nos traz um sopro de esperança. Ele anuncia que nenhuma estimativa da convenção franco-brasileira ou disposição legislativa na França subordina o benefício do crédito de um imposto antecipadamente pago à sua inclusão na renda de um imposto presumido (argumento que nos já utilizávamos, mais que é bem melhor quando um juiz o confirma). Em síntese, a decisão diz que a convenção França-Brasil não autoriza a inclusão do crédito de 20% – previsto no tratado – na base de cálculo do IR final devido, devendo ser considerado apenas o valor bruto do rendimento.
Voltando ao exemplo, para o tribunal francês, a base de cálculo deve ser € 200.000 e não € 210.000.
Assim, o cálculo do IR francês devido deveria ser 30% sobre € 200.000, totalizando € 60.000. Abatido o crédito de € 40.000, previsto no tratado, o valor a pagar seria de € 20.000, ou seja, € 3.000 a menos do que na sistemática pretendida pelo “Leão” gaulês.
Da decisão ainda cabe recurso, devendo os contribuintes franceses com rendas desse tipo ficarem alertas sobre como a DGFIP (Direção Geral de Finanças Públicas) vai se posicionar sobre o tema do ponto de vista prático. Em todo caso, residentes na França com rendimentos provenientes do Brasil devem considerar o impacto dessa decisão e consultar especialista sobre possíveis oportunidades de planejamento.
Arnaud Colson é advogado especialista em direito tributário francês (imposto de renda, imposto sobre fortuna imobiliária, tributação internacional) e em direito tributário comparado entre França e Brasil. Ele é sócio do escritório de advocacia GV-Paris Nivault, Costa & Colson, escritório baseado em Paris e especialista em negócios entre Brasil e França.