O planejamento sucessório no agronegócio não é um tema recorrente nos meios urbanos, mas a sua falta no meio rural é fonte de muitos problemas, dissabores e disputas por parte dos herdeiros.
Atuo com agronegócio há mais de 15 anos e, neste período, pude observar e acompanhar as inovações promovidas no setor, que permitiram o aumento da eficiência e da produção agrícola, sem contar a geração de valor e renda ao homem do campo.
Não obstante as inovações tecnológicas na produção, merece destaque as formas de se fazer negócios no agro, muitas vezes de forma não profissional, como parece ser a questão do planejamento sucessório.
O crescimento espetacular no setor gera a necessidade de se profissionalizar a gestão nas fazendas, o que nem sempre é a regra. Nelas, em geral, predomina a gestão familiar.
O destaque fica por conta da faixa etária do líder na gestão da fazenda. De acordo com o Censo Agropecuário 2017 publicado pelo IBGE[1], quase 71% dos produtores no comando do agronegócio possuem mais de 45 anos de idade. O envolvimento dos produtores e trabalhadores com laços de parentesco nas atividades rurais representa 74% do total do pessoal ocupado no setor.
Portanto, se tornará cada vez mais frequente a passagem do comando do agronegócio para algum familiar com perfil e/ou disposto a assumir a gestão.
No entanto, não são poucos os desafios que se apresentam na sucessão dos negócios rurais.
Durante meus anos de experiência, pude notar alguns traços e fatores relativamente comuns nas famílias empreendedoras rurais, os quais se relevam verdadeiros pântanos que precisam ser superados com muito cuidado para que o planejamento sucessório possa ser implantado de maneira adequada e eficiente, com o mínimo de interferência nos negócios.
Vejamos.
Em primeiro lugar, vale citar a gestão centralizada, sem permitir o envolvimento de outros familiares, que predomina em várias propriedades. O perfil autoritário do líder intimida ou até afasta os familiares da atividade, que ficam sem o conhecimento adequado dos atos praticados e negócios praticados pelo gestor.
As brigas e disputas por dinheiro, patrimônio e poder também não são raras nas fazendas. O aumento da riqueza gerada no campo passa a ser alvo de disputas familiares, muitas vezes com a complacência do patriarca.
A execução de hipotecas e garantias por credores, sem que os demais membros da família soubessem da real situação financeira na fazenda. Esse fator, muitas vezes, resulta da própria centralização da gestão, que impede que outros membros se familiarizem com os negócios e possam dar sua contribuição para o seu sucesso.
O falecimento inesperado do patriarca, proprietário dos bens, sem que houvesse planejamento sucessório adequado para transmitir o patrimônio de forma a não prejudicar os negócios e bens da família. Isso acarreta a desestruturação familiar de muitos lares, por não acompanharem o dia a dia da gestão.
Em casos extremos chega-se a pedir ajuda financeira a amigos e parentes para manutenção familiar e iniciar o inventário, pois todos os bens e recursos ficaram bloqueados, e o falecido não tinha cobertura de seguro de vida que pudesse gerar liquidez aos herdeiros.
Não raro, bens precisam ser vendidos abaixo de seu real valor a conhecidos ou no processo de inventário para fazer frente às despesas correntes da família, das fazendas, incluindo folha de salários, financiamentos, compromissos comerciais.
A falta de planejamento sucessório também é fator de divisão e disputas após a morte do patriarca. Alguns herdeiros querem vender o patrimônio alegando não terem perfil e nem condições para manter a atividade. Por não buscarem um aconselhamento adequado, as discussões pela repartição da herança e a falta de estrutura emocional acabam por consumir o patrimônio herdado em pouco espaço de tempo.
Mas nem tudo são problemas: tive a oportunidade de acompanhar casos de famílias que assumiram os negócios rurais, mesmo com pouco conhecimento e muitos desafios, conseguiram levar adiante o legado deixado pelos antecessores, além de prosperar as atividades.
A lição que fica é que os desafios no planejamento sucessório no agronegócio são complexos, pois não envolvem apenas a preocupação com bens a serem repartidos, mas também a forma como se dará a continuidade da atividade geradora de riqueza.
O êxito na sucessão no meio rural deve incluir a preparação e capacitação dos herdeiros, combinando experiência de vida dos atuais gestores com as novidades e avanços que os sucessores desejam implementar na atividade. Essa convergência de interesses cria um ambiente favorável entre gestores e sucessores familiares no agronegócio, cujo resultado é a perpetuação dos negócios e a harmonia familiar.
José Luís Bassani é economista, professor universitário e planejador financeiro pessoal com foco em planejamento patrimonial e sucessório para produtores rurais.
[1] Censo Agro 2017 IBGE: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/3096/agro_2017_resultados_definitivos.pdf pg 69.