Em recente posicionamento, a Receita Federal estabeleceu qual o tratamento tributário aplicável quando da doação de cotas de fundos de investimento exclusivos e restritos. O novo entendimento do fisco traz segurança àqueles que utilizam essa forma de investimento.
Não é de hoje que os fundos restritos ou exclusivos são usados como ferramenta de planejamento tributário e sucessório por famílias muito ricas. Esses fundos permitem eliminar o IR come-cotas – ao menos, por enquanto –, profissionalizar a gestão do patrimônio financeiro e, também, facilitar a sucessão sem perda do controle pelo doador.
Uma questão que rondava o planejamento sucessório desses fundos era a necessidade ou não de a doação de cotas se dar pelo seu valor de mercado e, com isso, exigir que o doador apurasse ganho de capital nessa operação a ser apurado entre o valor de mercado das cotas e o seu valor registrado na Declaração de Imposto de Renda do doador.
Publicada pela Receita Federal em 24 de junho de 2021, a Solução de Consulta nº 98/2021 definiu não haver incidência de imposto de renda na doação de cotas de fundo de ações fechado, caso a doação ocorra pelo custo de aquisição do doador e não a valor de mercado das cotas.
A dúvida foi suscitada por contribuinte em razão de operação de doação de parte de suas cotas de fundo fechado de investimento em ações no exterior em adiantamento de legítima para seus filhos. Parte da dúvida do contribuinte se devia em virtude da Solução de Consulta nº 383/2014, versando sobre cotas em fundo de investimento aberto, em que a Receita Federal entendera ocorrer resgate (alienação) de cotas na doação– e consequente incidência de IR – quando da transferência das cotas aos herdeiros em razão de sucessão causa mortis.
Na Solução de Consulta nº 98/2021, a Receita Federal esclarece que, de acordo com a Instrução nº 555/14 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) os fundos fechados são aqueles em que as cotas somente podem ser resgatadas ao término do prazo de duração do fundo, enquanto nos fundos de investimentos abertos, os cotistas podem solicitar o resgate das cotas a qualquer tempo, desde que em consonância com o respectivo regulamento. A mesma Instrução CVM estabelece em seu art. 14 que as cotas de fundo fechado e seus direitos de subscrição podem ser transferidos mediante termo de cessão e transferência.
Ao regulamentar o imposto de renda incidente sobre rendimentos e ganhos líquidos no mercado financeiro e de capitais, o art. 16 da Instrução Normativa RFB nº 1.585/2015, esclareceu que o IR incidiria (i) na alienação das cotas do fundo; (ii) no resgate das cotas, em razão do término do prazo de duração ou da liquidação do fundo; ou (c) na sua amortização.
Ao analisar o caso, a Receita Federal entendeu que, por se tratar de transferência consubstanciada em doação em adiantamento de legítima, a operação (doação) deveria observar as normas específicas sobre apuração do ganho de capital. Sobre o assunto, o art. 23 da Lei nº 9.532/1997 prevê que na transferência de direito de propriedade por doação em adiantamento de legítima, os bens e direitos podem ser avaliados a valor de mercado ou pelo valor constante da declaração de bens do doador.
Por força dessa previsão legal, a Receita Federal conclui no sentido de que, comprovada que a doação em adiantamento de legítima de cotas de fundo fechado de investimento foi realizada pelo valor constante da DIRPF do doador, não haveria o que se falar na incidência do Imposto de Renda, uma vez que não há ganho de capital.
A Solução de Consulta ainda esclareceu que, caso a doação em adiantamento de legítima seja feita por valor superior ao valor constante da DIRPF do doador, a regra geral de retenção do imposto pelo administrador não se aplica. Ou seja, mesmo que a doação ocorra por valor superior ao declarado pelo doador, a apuração e recolhimento do IR caberia exclusivamente ao doador, sem qualquer obrigação de retenção do imposto pelo administrador do fundo. Essa conclusão se baseia na interpretação sistemática do inciso II do art. 16 da IN nº 1.585/2015 com o inciso II do §2º do art. 23 da Lei nº. 9.532/97, pela qual o doador deve ser o responsável pela retenção do imposto de renda, caso haja ganho de capital tributável.
Veja que, ainda que o art. 23 da Lei nº. 9.532/97 não se aplicasse ao caso, a não incidência de IR na doação das cotas de fundo fechado é da essência da figura desse tipo de fundo de investimento. Isso porque as regras aplicáveis a tais fundos determina a incidência do imposto de renda somente em hipóteses muito restritas, a saber: resgate, alienação e amortização.
O resgate de cotas não se confunde com doação: além do resgate não ser permitido nos fundos fechados, este importaria, caso possível, na retirada de recursos do fundo. Na doação, não há retirada de recursos do patrimônio do fundo. De igual forma, alienação e doação não são equivalentes, já que faltam à doação elementos típicos da alienação (como preço). Por fim, doação e amortização também não são conceitos análogos, pois amortização corresponde ao pagamento uniforme realizado pelo fundo a todos os cotistas de parcela do valor das cotas sem redução do número de cotas emitidas, aspecto que não existe na doação pura e simples de cotas. No entanto, ainda que o fundamento da Solução de Consulta não seja exatamente o esperado, o esclarecimento por parte da Receita Federal é sempre bem-vindo.
Priscila Lucenti Estevam é contadora e advogada especializada em planejamento patrimonial e sucessório, e coautora do Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos, Tributação da Economia Digital no Brasil, e do e-book Regimes de Bens e seus Efeitos na Sucessão, todos publicados pela Editora B18.
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