Por Carlo Lorusso e Almudena Soler
Poucos conhecem, mas a lei espanhola permite uma tributação vantajosa para quem se torna residente fiscal no país ibérico, obedecidas certas condições.
Comumente conhecido como “Lei Beckham”, o Regime Especial Espanhol de Expatriados está previsto na Lei Espanhola que trata do Imposto de renda da pessoa física. De acordo com a lei, as pessoas físicas que adquiram a residência fiscal na Espanha podem optar por serem tributadas pelo imposto de renda de acordo com as regras aplicáveis aos não residentes espanhóis, em vez das regras aplicáveis aos residentes na Espanha, desde que sejam satisfeitas determinadas condições.
Benefícios do Regime Especial Espanhol de Expatriados
Uma das suas vantagens é a aplicação de uma alíquota fixa de 24% sobre os rendimentos do trabalho para os primeiros 600 mil euros recebidos como salário por ano e 47% sobre o que exceder este valor. Já os residentes fiscais ordinários são tributados a uma alíquota progressiva, que varia entre 19% e 54%, dependendo da região da Espanha onde o contribuinte é residente.
Vale mencionar que os optantes por este Regime Especial de Expatriados são tributados apenas pela renda de origem espanhola. Portanto, os dividendos, juros e ganhos de capital obtidos fora da Espanha são isentos de imposto.
Os dividendos, juros e ganhos de capital de origem espanhola são tributados de acordo com uma alíquota que varia entre 19% e 28%. Em relação à renda do trabalho, a partir da data de chegada, todo o salário seria considerado de origem espanhola e, portanto, sujeito aos impostos na Espanha.
A fim de evitar uma dupla tributação dos rendimentos de trabalho no exterior, pode ser aplicado um crédito limitado sobre os impostos pagos no exterior referentes aos dias trabalhados fora da Espanha.
Este Regime é benéfico não só em relação ao imposto de renda das pessoas físicas, mas também em relação ao imposto sobre o patrimônio e o imposto de solidariedade, uma vez que essas pessoas físicas estão sujeitas à tributação apenas em relação aos bens de sua propriedade localizados na Espanha (enquanto os residentes regulares são tributados pelos seus bens localizados no mundo inteiro). Os ativos localizados fora da Espanha, portanto, não são tributados.
Além disso, os optantes pelo regime especial não estão obrigados a apresentar o formulário de declaração 720 sobre bens localizados fora do território espanhol para a autoridade fiscal, exigência essa aplicável aos residentes fiscais regulares.
O Regime tem duração de seis anos fiscais, sendo o primeiro ano aquele em que o contribuinte se torna residente na Espanha e os cinco anos fiscais seguintes.
Atualizações da nova Lei das Start-up
Em 1º de dezembro de 2022, o Conselho de Ministros espanhol aprovou a Lei de Promoção do Ecossistema de Startups, mais conhecida como “Lei das Startups”. Esta nova Lei trouxe alterações aos requisitos para requerer o Regime Especial dos Expatriados, como segue:
- Não ter sido residente fiscal na Espanha durante os cinco períodos fiscais anteriores à chegada a Espanha. Portanto, o requisito de não residência na Espanha foi reduzido de dez para cinco períodos fiscais.
- Os trabalhadores que se mudem para Espanha e prestem serviços remotamente para empresas estrangeiras podem candidatar-se ao Regime Especial de Expatriados, ainda que a mudança não tenha sido ordenada pelo empregador. Até agora, era exigida a presença de uma empresa na Espanha.
- Administradores de startups, independentemente da sua percentagem de participação, podem também beneficiar do Regime Especial de Expatriados. No caso de sociedades consideradas holdings, o administrador não pode deter 25% ou mais do capital social da sociedade.
- Pessoas físicas que se deslocam para a Espanha para exercer uma atividade qualificada como empreendedor.
- Profissionais altamente qualificados que desenvolvam atividades para startups, ou no caso de atividades de treinamento, pesquisa e desenvolvimento, o salário fornecido deve representar mais de 40% da receita total do negócio.
- Os rendimentos obtidos na Espanha pelo exercício das atividades previstas nesta nova Lei não devem ser classificados como obtidos através de estabelecimento estável, com exceção das duas últimas circunstâncias.
Adicionalmente, a nova Lei prevê a possibilidade de o cônjuge do contribuinte e os seus filhos menores de 25 anos também optarem pelo Regime Especial de Expatriados, ainda que não tenham contrato de trabalho (ou ainda que não sejam administradores de empresa espanhola etc.).
O Regime Especial de Expatriados Espanhol pode ser particularmente atraente para brasileiros com patrimônio relevante que ainda estão trabalhando ativamente e gostariam de se mudar para o exterior com suas famílias, ou que desejam realizar atividades empresariais no exterior.
Além de se beneficiarem de um imposto fixo sobre o rendimento do trabalho ou rendimento empresarial, esses indivíduos se beneficiariam de tributação zero sobre rendimentos passivos advindos de fonte estrangeira, ainda que pagos por uma empresa, trust ou fundação localizada em jurisdição constante da lista espanhola de países com tributação favorecida, ou da lista europeia.
Em outras palavras, as pessoas físicas brasileiras detentoras de estruturas offshore não seriam obrigadas a realizar qualquer tipo de reestruturação pré-imigração com relação a seus investimentos estrangeiros e poderiam receber dividendos, juros ou ganhos de capital de tais veículos livres de qualquer tributação assim que se tornarem residentes na Espanha.
Importa também referir que a Espanha não tributa as doações feitas por beneficiários do Regime Especial de Expatriados a residentes estrangeiros, desde que os bens doados estejam localizados no exterior.
Assim, os brasileiros que se mudarem para a Espanha poderão usufruir de um duplo benefício em relação às doações feitas a seus familiares brasileiros, considerando que: (i) tais doações não seriam tributadas na Espanha, desde que os bens doados estivessem localizados no exterior; e (ii) de acordo com a legislação vigente, as doações feitas por residente no exterior a pessoas físicas residentes no Brasil não estão sujeitas ao Imposto sobre Transmissões Causa Mortis e Doações, exceto se o bem doado for um imóvel localizado no Brasil.
É importante que os brasileiros que se mudem para o exterior informem às autoridades fiscais brasileiras que estão deixando o País, para que não sejam mais considerados residentes fiscais brasileiros após a data da saída.
Infelizmente, muitos brasileiros saem do país sem cumprir todas as formalidades previstas na legislação e acabam em situação de dupla residência fiscal, sendo devidos impostos em relação aos rendimentos auferidos no Brasil e no exterior.
Para evitar problemas, os brasileiros devem: (i) notificar as autoridades fiscais brasileiras de que deixaram o país por meio de um serviço online (“Comunicação de saída definitiva”); (ii) notificar suas fontes pagadoras brasileiras de que agora são residentes no exterior e devem ser tributados como tal; e (iii) apresentar uma declaração final de imposto de renda às autoridades fiscais brasileiras por meio da qual eles irão apurar e pagar imposto sobre os rendimentos auferidos até a data da saída.
É importante lembrar que o Brasil não cobra imposto de saída dos seus residentes, ou seja, não há tributação brasileira incidente sobre eventuais ganhos de capital não realizados até a data da saída. Portanto, pessoas físicas brasileiras podem ter a oportunidade de se mudar para o exterior sem incorrer em tributação relevante no Brasil, especialmente no que diz respeito a seus ativos no exterior. Devido ao seu Regime Especial de Expatriados, a Espanha pode ser um bom destino para quem deseja fazer este caminho.
Carlo Lorusso é sócio-fundador de Lorusso & Partners, advogado brasileiro e italiano, especializado em direito tributário internacional e wealth planning.
Almudena Soler é conselheira fiscal da B Law & Tax (Espanha) e especialista em fiscalidade internacional e assessoria fiscal a pessoas físicas.
Saída fiscal do Brasil é tema do nosso best-seller PLANEJAMENTO PATRIMONIAL: Família, Sucessão e Impostos.
Olá. Minha filha mudou a residência fiscal do Brasil para a Espanha. Caso eu a empreste 100 mil euros, na Espanha, ela pagará imposto sobre esse empréstimo? Agradeço se conseguir tirar essa dúvida.
Resposta do Dr. David Silva: Rita, em princípio, não há imposto de renda sobre o valor recebido como empréstimo por sua filha. O ideal é que esse empréstimo seja devidamente formalizado para que não seja tratado na Espanha como doação, que pode ser tributada. De qualquer forma, é recomendável sua filha confirmar esse tratamento (e outras formalidades espanholas) com um profissional local.