Por David Roberto R. Soares da Silva
O uso de empresas offshore para investimentos financeiro no exterior, há muito deixou de ser tabu, passando a ser uma realidade para muitos investidores. Mas, o que pouco se comenta é a questão sucessória envolvendo essas empresas quando o seu acionista vem a óbito.
Há várias soluções disponiveis no mercado, especialmente nas jurisdições mais comuns para domiciliação dessas offshores, tais como trusts, joint-tenancy with rights of survivorship, dentre outros. E há, também, os testamentos no exterior.
Mas será que o testamento no exterior é realmente uma opção viável de planejamento sucessório?
Logo de início, convém esclarecer que, nos termos da legislação aplicável, o Poder Judiciário brasileiro não tem competência para processar inventário de bens localizados no exterior, dentre eles as ações de empresas offshore. Na mesma, não é possível incluir em testamento brasileiro, disposições testamentários relacionadas com bens no exterior.
Assim sendo, a sucessão de ações de empresas offshore não poderá ser processada no Brasil, mas sim na jurisdição de registro da empresa.
Por vezes, ouvimos de pessoas de que a questão sucessória da offshore já está resolvida, pois foi feito, também, um testamento no exterior…
A elaboração de testamento no exterior pode auxiliar na mitigação dos transtornos decorrentes da morte do titular da empresa offshore, mas não na total eliminação dos problemas.
Em vários países, ações de empresas são consideradas bens móveis, ou bens pessoais, e, por essa razão, recebem o mesmo tratamento jurídico dos bens localizados fisicamente no país. Dessa forma, a sua transmissão aos sucessores deve ocorrer segundo as leis do país no qual a empresa está registrada.
Nos casos em que não há testamento no exterior, as ações da offshore deverão ser objeto de processo de inventário na localidade de registro da empresa e a sua transmissão ocorrerá de acordo com as leis daquela localidade, o que pode não coincidir com a vontade do falecido.
Um testamento preparado no local de registro da offshore de acordo com as regras daquele país tem a vantagem de garantir que a transmissão das ações se dê conforme a vontade do seu titular, reduzindo o tempo do inventário e também minimizando as discussões judiciais que podem surgir no curso do processo quando não há testamento.
Outra vantagem é a inexistência de custos anuais para manter a validade do testamento. Os procedimentos para a elaboração de testamento variam conforme o país e devem ser acompanhados por profissionais locais capazes de esclarecer as dúvidas, assegurar que a vontade do testador possa ser cumprida sob as leis locais, e garantir a forma mais segura para que o testamento seja levado perante os tribunais locais quando do falecimento do testador.
Deve-se notar, ainda, que a elaboração do testamento pode exigir o deslocamento do testador até o país de registro da offshore para a sua assinatura e devido registro.
Mas, o mais relevante é que o testamento no exterior não evita o processo de inventário, mas apenas agiliza o processo para estabelecer quem deverá receber as ações e em qual percentual. Em vários países, como Ilhas Virgens Britânicas e Bahamas, o processo de inventário é sempre judicial, inexistindo a figura do inventário extrajudicial feito perante um tabelião.
Isso siginifica significa dizer que, mesmo com um testamento feito no exterior, um advogado local deverá ser contratado quando do falecimento do titular das ações para processar o inventário naquela localidade. Isso fará com que toda a sucessão se torne cara, demorada e angustiante.
Em processos de inventário no exterior, uma corte daquela localidade deverá, inicialmente, determinar quem são os sucessores para, num segundo momento, promover a transmissão da propriedade (ações da offshore). Neste contexto, a única vantagem do testamento é agilizar a identificação dos sucessores e seu respectivo quinhão, de acordo com a vontade do seu titular. Mas o testamento em si não irá suprimir a necessidade de uma decisão judicial autorizando a transferência das ações.
Por essa razão, o testamento agiliza, mas não evita um processo de inventário no exterior. É melhor do que nada, a bem da verdade, mas não pode ser considerado uma solução sucessória completa.
Vale ainda ressaltar que, na maioria das vezes, os ativos financeiros detidos pela offshore não podem ser movimentados até a finalização do processo de inventário.
Em termos práticos, um inventário nas Ilhas Virgens Britânicas, por exemplo, pode demorar de seis a 12 meses com testamento, e de 12 a 24 meses quando não há testamento, dado que um juiz deverá reconhecer quem são os titulares dos direitos sucessórios do falecido. A situação fica ainda mais complicada quando há herdeiros menores. Isso tudo, sem considerar os custos com a contratação advogados, tradução e legalização de documentos etc.
Portanto, aqueles que já possuem testamento no exterior para a transmissão de suas empresas offshore deveriam procurar auxilio para otimizar a questão sucessória com ferramentas mais efetivas e práticas.
David Roberto R. Soares da Silva é advogado tributarista, também especializado em planejamento patrimonial e sucessório. É sócio do Battella, Lasmar & Silva Advogados, autor do Brazil Tax Guide for Foreigners (2021), e coautor do Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos (2018), Tributação da Economia Digital no Brasil (2020), Renda Variável: Investimentos, Tributação e Como Declarar (2021), e do e-book Regimes de Bens e seus Efeitos na Sucessão, todos publicados pela Editora B18.