O universo empresarial sofre, cada vez mais e com maior velocidade, mudanças e diminuições de barreiras, ampliadas e aprofundadas pela popularização e maior acesso da população mundial à internet. Barreiras de fronteiras caíram ou foram radicalmente reduzidas (ou eliminadas para mercados comuns). O maior e mais rápido e amplificado acesso a formas de comunicação e divulgação de informações, a mundialização, propagação da tecnologia, facilitação e melhoria da comodidade e velocidade de meios de transporte, diminuiu distâncias, diferenças, abrindo mercados, criando e amplificando desejos e oportunidades.
O que antes apenas era acessível aos grandes grupos e pessoas com alto conhecimento aduaneiro e de comércio internacional, hoje verificamos a possibilidade ao pequeno ou médio empresário de realizar transações em sua localidade, ou em distintas partes do território nacional, ou mesmo com alcance internacional. A tecnologia, somada à crescente e maior integração mundial encurtou distâncias e conectou mercados e amplificou possibilidade de acesso a clientes e consumidores.
Com isso, parece importante rememorar a utilidade, legalidade, cuidados e forma de operações envolvendo as chamadas empresas offshore (ou offshore companies). Esta possibilidade, histórica, sempre esteve a disposição daqueles que se lançaram a empreendimentos internacionais – marítimos, terrestres ou aéreos – buscando conjugar benefícios e utilidades com proteção, segurança e facilidades.
Existem distintos conceitos e entendimentos para enquadrar uma “empresa offshore”. Sem prejuízo, antes de pensar em qualquer definição ou uso de uma estrutura ou entidade legal no exterior, é imprescindível saber que incorporar, constituir, possuir, manter ou ser titular de uma empresa no exterior é, no atual cenário regulatório brasileiro, absolutamente possível, real e legal.
O termo offshore usualmente se refere a “afastado” ou “fora da costa”. Para entidades legais, o termo está associado a empresas constituídas em países e territórios diferentes da sua sede / matriz ou de seus titulares / sócios. Há quem diga que o termo tem origem nos tempos dos corsários, que praticavam atos de pilhagem “legal” e saqueavam embarcações em alto mar ou costas, guardando o fruto / produto de suas ações em local / localidade offshore (fora da costa).
Assim, offshore é o termo comum atribuído a entidades legais – empresas ou mesmo contas bancárias – mantidas em países e territórios onde a tributação é menor ou praticamente inexistente (quando comparado com o país de origem de seus titulares). Há quem chame tais entidades legais de sociedades extraterritoriais ou empresas extraterritoriais. Geralmente em países com forte sigilo bancário e fiscal, juntamente com sigilo ou maior proteção de dados do registro público de comércio e empresas, tornando difícil ou mesmo não sendo possível identificar os membros componentes do quadro social e titulares da empresa. Assim, offshore é uma entidade legal que regularmente opera fora dos limites territoriais onde está localizada, e cuja estrutura e requisitos formais e legais para sua incorporação naturalmente devem variar de acordo com o ordenamento jurídico de cada país.
Mas há quem se refira aos países onde há menor tributação ou ela é praticamente inexistente como paraísos fiscais (tax havens), termo diretamente relacionado à prática de alguns países quando adotaram política fiscal mais favorável, ou até mesmo de isenção fiscal, visando atrair investimentos e capitais estrangeiros (caso de muitas ilhas na América Central, e na América Latina, o Uruguai é um exemplo típico dessa política).
Como são reconhecidos, inclusive por normas nacionais e internacionais, os paraísos fiscais (tax havens) são aqueles países onde os custos, alíquotas, encargos e as obrigações tributárias (principais e/ou acessórias) incidentes sobre a operação da entidade legal são drasticamente reduzidas ou até mesmo não incidentes ou não existentes. E aí reside a confusão.
Logo, primeira importante distinção e compreensão, sob a ótica brasileira, é a dos conceitos de offshore e de paraísos fiscais (países onde existe redução ou isenção dos tributos, ou em outras palavras, que não tributam a renda ou que a tributam à alíquota inferior aos níveis nacionais).
Na parte fiscal, é vital compreender o conceito de “países ou dependências com tributação favorecida” e países de “regimes fiscais privilegiados”. Segundo a Instrução Normativa RFB nº 1037, de 04 de junho de 2010, em sua mais recente atualização de 2019, são considerados países ou dependências que não tributam a renda ou que a tributam à alíquota inferior a 20% (vinte por cento) ou, ainda, cuja legislação interna não permita acesso a informações relativas à composição societária de pessoas jurídicas ou à sua titularidade, as jurisdições listadas na versão mais atual do Art. 1º da norma. Por outro lado, são considerados regimes fiscais privilegiados aqueles aquelas jurisdições listadas na versão mais atual do Art. 2º da norma.
Vale sempre lembrar a questão de estímulos financeiros e econômicos ao empresário e ao desenvolvimento de atividades empresariais, dado que quanto maior ingerência do Estado e quanto maior a carga tributária existente, sempre certamente será maior o incentivo e interesse de pessoas naturais e empresas para planejar e investir no exterior.
A razão e o incentivo aumentam em função da busca por mercados e poupança em moedas fortes, com maior estabilidade econômica e política, e naturalmente, a busca por melhor alocação fiscal ou de impostos. Em muitos casos, segurança está associada a sigilo e privacidade, gerando economia fiscal, pessoal, patrimonial, sucessória, de custos administrativos e eventual acesso a crédito melhor.
Distintamente do que se pode imaginar ou alegar, a constituição de uma empresa offshore é uma prática plena e totalmente lícita, desde haja um planejamento lícito, e que sejam respeitados os princípios e valores ético-legais, legislação aplicável, normas regulatórias nacionais (sob ótica dos empresários constituintes), internacionais e locais da sede da empresa a ser constituída.
Também é requisito da legalidade da operação que a constituição da empresa offshore não seja destinada (utilizada) para fins criminosos e ilícitos, tais como corrupção, roubos, ocultação de bens, valores, e direitos, meio para financiamento ao tráfico e ao terrorismo, e consequentemente, não se destine à lavagem de dinheiro (money laundering). Neste ponto, sempre importante lembrar regras de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo (PLDFT), dado que sua aplicação sempre envolverá aspectos domésticos e internacionais.
Quanto à aplicação e uso destas estruturas offshore em planejamentos fiscais e tributários (incluso planejamento sucessório e de heranças), é essencial se atentar à necessidade de que a operação tenha o devido “propósito negocial”.
Segundo importante e pontual entendimento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”), ao avaliar a estruturação de uma operação, não apenas a legalidade deve ser observada, e sim seu propósito econômico. Em voto, a relatora Juliana Feriato destacou ser necessário “verificar a função a que se destina a operação dentro do empreendimento econômico, e não somente a prática de atos baseados em dispositivos legais (princípio da estrita legalidade em matéria tributária).”. Pontuou, ainda, que não é suficiente haver licitude na cadeia de atos realizados e operacionalizados, “tampouco a máxima argumentativa da liberdade empresarial de auto-organização, para legitimar as alternativas escolhidas em uma reestruturação societária, pois estas devem estar providas de causa econômica, de modo que o motivo da reorganização não seja único ou predominantemente de economizar tributos.”. (Processo nº 10380.725189/2017-20 – decisão de março de 2019). Trata-se, de um aprofundamento do debate e de conceitos de elisão e evasão fiscal [1].
Com todos estes pontos, conceitos em mente, destacamos que o consultor e operador de direito deve sempre buscar a melhor e mais eficiente operação jurídica para acomodar as necessidades e vontades do cliente, tendo em vista sempre o devido “propósito negocial” de cada operação, especialmente para fins de licitude do planejamento fiscal e/ou sucessório.
Vale lembrar que muitas famílias e pessoas naturais buscam soluções lícitas por meio de empresas holdings constituídas em países estrangeiros (empresas offshore), por razões pessoais ou familiares, especificamente visando a administração de investimentos e patrimônio. Estas estruturas visam proporcionam sigilo, privacidade e segurança aos seus titulares, naturalmente considerando uma melhor alocação de custos fiscais.
Last but not least, não se pode esquecer da necessidade / obrigação frente ao Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (“CNPJ”) de indicação e apontamento, para entidades legais domiciliadas no exterior, das pessoas naturais caracterizadas como beneficiárias finais. Isto porque segundo o art. 4º da Instrução Normativa RFB nº 1863, de 27 de dezembro de 2018, em sua mais recente atualização agosto de 2020, são consideradas obrigadas de inscrição no CNPJ aquelas entidades legais domiciliadas no exterior que, no País sejam titulares de direitos ou realizem operações estabelecidas no inciso XV da norma.
Uma vez enquadradas, as entidades legais estrangeiras devem fornecer, nos termos do art. 8º da norma, informações cadastrais abrangendo as pessoas autorizadas a representá-las, bem como a cadeia de participação societária, até alcançar as pessoas naturais caracterizadas como beneficiárias finais.
Para efeitos desta determinação, considera-se beneficiário final a) a pessoa natural que, em última instância, de forma direta ou indireta, possui, controla ou influencia significativamente a entidade; ou b) a pessoa natural em nome da qual uma transação é conduzida. Presume-se influência significativa quando a pessoa natural a) possui mais de 25% (vinte e cinco por cento) do capital da entidade, direta ou indiretamente; ou b) direta ou indiretamente, detém ou exerce a preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores da entidade, ainda que sem controlá-la.
Alertamos que as entidades que não preencherem as informações referentes ao beneficiário final ou que não apresentarem os documentos na forma prevista na Instrução terão sua inscrição suspensa no CNPJ e ficarão impedidas de transacionar com estabelecimentos bancários, inclusive quanto à movimentação de contas-correntes, à realização de aplicações financeiras e à obtenção de empréstimos.
A maior conexão global abriu possibilidade aos empresários, dos mais distintos níveis, e segmentos, de buscar ampliar mercados, nacionalmente, regionalmente (Mercosul ou Europa, p.ex.) ou globalmente (acesso a distintos mercados mundiais). Para isso, certamente o correto e eficaz uso de estruturas e entidades offshore pode contribuir para o sucesso de uma empreitada. A atual possibilidade / facilidade de se constituir uma entidade legal em qualquer lugar do mundo, outorga maior flexibilidade ao empresário, maior escolha do ambiente regulatório mais favorável, maior proteção cambial e política e maior segurança jurídico-institucional, sempre tendo em vista que a operação do negócio deve guardar e respeitar o devido “propósito negocial”.
[1] A grande distinção, inicial e primordial, fica por conta dos conceitos de elisão fiscal e evasão fiscal (e a diferenciação do enquadramento jurídico de ambos). Em linhas bastante simples e gerais, elisão fiscal seria a diminuição da incidência de tributos por meio de planejamento tributário que vise a eliminação ou afastamento do fato gerador do(s) tributo(s), ficando o contribuinte desobrigado ao pagamento do mesmo, pois o fato que o gerou foi eliminado. A elisão fiscal seria uma conduta lícita do contribuinte que busca a redução da carga tributária incidente sobre a sua atividade econômica. Por outro lado, a evasão fiscal ilegal e ilícita, pela qual o contribuinte simula, sonega, frauda e se vale dos mais distintos meios para desviar a incidência e o pagamento dos tributos.
Luís Rodolfo Cruz e Creuz, é advogado e consultor, doutor em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, e sócio de Cruz & Creuz Advogados, em São Paulo/SP.