No último dia 26 de fevereiro de 2021 foi encerrada a votação no Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) referente ao julgamento do Recurso Extraordinário nº 851.108, em que se discutia a possibilidade de os Estados cobrarem ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) nos casos de heranças e doações recebidas do exterior por pessoas residentes no Brasil.
A Constituição Federal atribuiu a competência legislativa aos Estados e ao Distrito Federal para instituírem o ITCMD, mas impôs certas restrições no tocante à criação do imposto em certas operações envolvendo pessoas ou bens no exterior. Para que o ITCMD pudesse ser cobrado nessas situações, a Constituição determinou (art. 155, § 1, inciso III) que era necessário – antes de tudo – que fosse editada lei complementar pelo Congresso Nacional regulamentando questões gerais de tributação, sobretudo para evitar conflitos de competência entre os Estados e até mesmo eventual dupla tributação.
Especificamente, quatro são as situações que exigiam (e ainda exigem) a edição de lei complementar para permitir a cobrança de ITCMD envolvendo o exterior. São elas:
- Doações, quando o doador for residente ou domiciliado no exterior;
- Heranças, quando o falecido (ainda que residente no Brasil) possuía bens no exterior;
- Heranças, quando o falecido era residente ou domiciliado no exterior; e
- Heranças, quando o falecido teve seu inventário processado no exterior.
Vale um parêntese para uma situação inusitada: pelo texto constitucional, um pai que doa as ações de uma empresa offshore ou um imóvel no exterior aos filhos deve pagar ITCMD no Brasil sobre a doação, pois a Constituição exige lei complementar nas doações apenas quando o doador for residente no exterior. Mas, se o pai vier a falecer sem ter feito a doação em vida, a herança no exterior (offshore ou imóvel) configura a situação descrita no item (2) acima, não sujeita ao ITCMD até que seja editada lei complementar.
Pois bem, a tal lei complementar jamais foi editada, fazendo com que 22 Estados acabassem por aprovar leis estaduais instituindo a cobrança do ITCMD em doações e heranças recebidas do exterior.
A questão controversa, então, dizia respeito à possibilidade de os Estados, na inércia do Congresso Nacional, editarem leis próprias para cobrar o ITCMD nessas situações.
De um lado, os Estados alegavam que a cobrança era possível dado que o imposto era, afinal, estadual.
De outro lado, centenas de contribuintes recorreram ao Judiciário para evitar tal cobrança sob o argumento de que, se a Constituição exigia a edição de lei complementar para a cobrança de ITCMD em situações envolvendo o exterior, não se poderia ignorar seus termos apenas usando a inércia do Congresso Nacional como pretexto.
Só no Estado de São Paulo foram propostas mais de 200 ações desde o ano 2000 questionando a incidência do ITCMD nessas situações. Desde 2011, o Tribunal de Justiça de São Paulo já havia pacificado entendimento no sentido da inconstitucionalidade da cobrança do ITCMD pelo estado em razão da inexistência de lei complementar regulando a matéria. Nos demais estados, a jurisprudência era predominantemente desfavorável aos contribuintes, com algumas decisões favoráveis em Minas Gerais.
Foi um caso de São Paulo que chegou ao STF.
Com um placar final de 7x 4, o STF decidiu pela inconstitucionalidade da cobrança de ITCMD nos casos de heranças e doações envolvendo residentes ou domiciliados no exterior, em razão da inexistência de lei complementar sobre o assunto. Houve divergência, no entanto, quanto à produção de efeitos de tal decisão.
Em princípio, os efeitos da inconstitucionalidade se aplicam (i) aos fatos geradores (doação ou recebimento de herança) ocorridos após a publicação do acórdão do STF e; (ii) aos contribuintes que já tenham ações judiciais questionando para qual Estado o contribuinte deve pagar o ITCMD, ou a validade da cobrança do imposto.
Como o caso tem repercussão geral, o posicionamento do STF se aplicará a todos os processos sobre o assunto.
Em termos práticos, até que o acórdão do STF seja publicado, os contribuintes que tenham recebido herança ou doação do exterior nas situações descritas acima, e ainda não tenham pagado o ITCMD, podem questionar judicialmente a cobrança e se beneficiar da produção de efeitos da decisão. Imperioso notar que tal janela de oportunidade é pequena, uma vez que o acórdão pode ser publicado a qualquer momento.
Por fim, aqueles que pagaram o ITCMD, mas não propuseram ação judicial, não poderão pedir a restituição do imposto pago. Esta parece ser a interpretação dada pelo STF de acordo com as notícias disponíveis, pendente de confirmação quando for publicado o acórdão.
Priscila Lucenti Estevam, contadora e advogada especializada em planejamento patrimonial e sucessório, e coautora do Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos, Tributação da Economia Digital no Brasil, e do e-book Regimes de Bens e seus Efeitos na Sucessão, todos publicados pela Editora B18.