Por Roger Correa
O processo de inclusão e a necessidade de ampliar as formas de união estável fazem com que as estratégias de sucessão patrimonial de casais homoafetivos sejam cada vez mais procuradas.
Para começar a nossa conversa, é necessário entender que a união homoafetiva possui todos os direitos da relação heterossexual. A herança familiar é garantida plenamente por decisões já proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Neste panorama, também é garantido aos casais homoafetivos a partilha de 50% dos bens comuns após a morte do companheiro, uma vez que ele é visto, de acordo com a interpretação de diversos tribunais, como um herdeiro necessário.
Sendo assim, o planejamento sucessório de uma família é um tema que deve ser analisado com atenção, inclusive quando o casal não possui filhos, o que é bem comum entre casais homoafetivos.
Testamento
Numa conversa recente com um cliente, fui questionado sobre como funciona a guarda de filhos de casais homoafetivos. Caso ocorra o falecimento de um dos cônjuges (ou companheiros), o outro segue como responsável pelas crianças, sejam elas adotadas ou geradas por meio de inseminação artificial.
Por outro lado, há casos mais complexos que podem fazer com que a sucessão tenha algumas complicações adicionais. Uma dessas situações complexas ocorre quando o parceiro falecido deixa filhos menores gerados anteriormente numa relação heterossexual, e esses menores viviam com o falecido e com o parceiro e não com o outro genitor.
Neste caso, pode existir uma disputa entre o companheiro sobrevivente e o antigo cônjuge (genitor(a)) da pessoa falecida. O(a) genitor(a) pode ingressar em juízo para obter a guarda o menor por ele(a) gerado com a pessoa falecida, dado que, por lei, mantém o poder familiar sobre a criança. A questão pode ser ainda mais complicada com relação ao patrimônio construído pelo falecido com seu companheiro homoafetivo e herdado pelo menor, pois seu pai/mãe biológico poderá pleitear a administração dos bens do menor até que atinja a maioridade.
Embora não se possa prever o resultado de uma ação judicial dessa natureza, o testamento pode se revelar uma ferramenta poderosa para minimizar os riscos legais. Por meio dele, a pessoa pode expor as razões pelas quais deseja a guarda da criança fique com o companheiro e não com o genitor(a).
Na parte patrimonial, o testamento, com fundamento no Código Civil, pode nomear o companheiro sobrevivente como curador especial do menor, impedindo que o genitor(a) assuma essa gestão.
Seguros e Previdência
Em outras oportunidades, já falei sobre as estratégias de sucessão patrimonial que contam com o seguro de vida (veja artigo AQUI) como instrumento principal.
É importante ressaltar que as apólices de seguro de vida conservam as mesmas características para os casais homoafetivos e são uma boa forma de proteção financeira à família em casos de morte ou invalidez.
Por sua vez, a pensão por morte também é garantida desde 2011, quando a Justiça Federal do Tocantins autorizou o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) a pagar pensão por morte a um companheiro homoafetivo.
Em relação à previdência privada, um texto da advogada Jaqueline Renata dos Santos de Oliveira trouxe alguns pontos interessantes. Segundo a profissional, “os Regimes de Previdência Privada não tratam da questão envolvendo dependentes de segurados que convivem em união homoafetiva. Entretanto, o Estado deverá intervir nas questões tendentes a limitar o exercício de direitos fundamentais da pessoa humana, devendo fazê-lo a partir dos instrumentos jurídicos postos à disposição de toda a sociedade”, comentou.
Na sua visão dela, apesar de não existir uma regra própria dentro da jurisdição atual do assunto, as uniões estáveis de homoafetivas devem ter seus efeitos aplicados de maneira análoga aos das uniões heterossexuais, “desde que preenchidas as características que se amoldam à referida entidade familiar, de modo a permitir que as normas reguladoras do Regime Geral de Previdência Social sejam, em igual medida, utilizadas para a concessão do benefício da pensão por morte a reconhecido companheiro de participante de entidade de previdência privada complementar”, complementou.
Em uma decisão de 2010, o STJ garantiu a pensão por morte de dependente que convivia em união homoafetiva, obrigando a Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil) a efetuar os pagamentos.
Conclusão
A população homossexual no Brasil é estimada em mais de 20 milhões de pessoas, com mais de 80% de pessoas com cartão de crédito e gastos com bens de consumo superiores à média da população em geral.
Desta forma, instituições financeiras e empresas de seguros também passaram a modelar produtos, como financiamentos imobiliários, apólices de seguro e planos de previdência privada voltados a esse público.
Na seara não financeira do planejamento patrimonial e sucessório, casais homoafetivos têm garantidos os mesmos instrumentos jurídicos previstos em lei. Todavia, a depender do histórico de vida de cada um, o planejamento patrimonial e sucessório pode exigir precauções adicionais para evitar dissabores aos entes queridos que ficam, especialmente nos casos em que há filhos menores.
Roger Correa, economista e consultor financeiro, sócio e CEO da RC Sucessão Patrimonial e Planejamento de Herança, em Fort Lauderdale, Flórida, EUA.