Por Gessimbergue Monteiro Jr, Esq., LL.M., TEP®
A mudança do Brasil para os Estados Unidos exige muito planejamento, mas não somente com relação aos aspectos de natureza pessoal, profissional e migratória. Questões tributárias não podem ser subestimadas, em especial se o emigrante brasileiro estiver pensando em deixar investimentos financeiros no Brasil.
A popularidade dos fundos de investimentos no âmbito do planejamento patrimonial das famílias de grandes fortunas brasileiras não é assunto novo. Segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (ANBIMA), em 2019. os fundos brasileiros somaram aproximadamente R$5,2 trilhões em patrimônio. Essa popularidade está diretamente ligada às vantagens tributárias oferecidas aos cotistas no Brasil.
Todavia, em se tratando de famílias brasileiras cujos membros são considerados residentes fiscais norte-americanos, é extremamente aconselhável que a análise se estenda às implicações tributárias do regime fiscal norte-americano conhecido pela sigla “PFIC” (Passive Foreign Investment Company).
Resumidamente, uma vez que uma companhia é tratada como PFIC[1], os sócios que são residentes fiscais norte-americanos estão sujeitos a uma tributação mais desfavorável[2], bem como a aplicação de juros compostos sobre as distribuições recebidas da companhia (conhecido como “PFIC” tax). O objetivo do PFIC tax é desincentivar o diferimento de potencial imposto sobre a renda por meio da utilização de empresas estrangeiras para retenção da apreciação do portfólio financeiro.
Este é um assunto recorrente no contexto das famílias brasileiras que estão no processo de migração para os EUA. Uma vez que seus membros se tornem sujeitos ao imposto de renda nos EUA, com a mudança da residência fiscal, eles passam a se sujeitar ao regime tributário do PFIC.
Por isso, é muito importante que as famílias entendam a relevância do tema em sede de planejamento tributário pré-migratório, especialmente no contexto dos fundos de investimentos.
Sem prejuízo aos demais requisitos do PFIC, é importante salientar que uma entidade legal deve obrigatoriamente ser tratada como uma companhia estrangeira (foreign corporation) sob a ótica da lei tributária americana para que possa ser tratada como uma PFIC. Ou seja, ser foreign corporation é um pré-requisito para uma possível classificação como PFIC.
Para esse efeito, os fundos de investimentos brasileiros são organizados sob a forma de condomínios e registrados apenas perante a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”), ou seja, não são tratados como uma companhia para fins da lei brasileira. Por isso, uma análise superficial do tema pode gerar o entendimento de que o regime PFIC não se aplica aos fundos de investimentos brasileiros.
Aqui começam os problemas!
Na medida em que os fundos de investimento brasileiros possuem características semelhantes àquelas aplicáveis à classificação fiscal das entidades legais (companhias e sociedades) e se distanciam daquelas aplicáveis aos trusts, o fisco norte-americano (IRS) pode tentar uma (re)classificação desses fundos como entidades legais para fins tributários.
Nesta linha, existem precedentes envolvendo estruturas similares aos fundos brasileiros que já foram tratadas como entidades legais. Assim, o planejamento pré-migratório geralmente traz recomendações para lidar com o tema e prevenir os efeitos negativos de uma (re)classificação dos fundos de investimentos brasileiros como companhias estrangeiras.
Na medida em que um fundo brasileiro é tratado como entidade legal para fins tributários americanos, ele é classificado de uma das seguintes formas: (i) como companhia estrangeira (foreign corporation[3]) ou (ii) como sociedade estrangeira (foreign partnership[4]). Geralmente, fundos de investimentos brasileiros têm características semelhantes às foreign corporations. Uma vez assim considerado, o fundo passa a ser automaticamente tratado como uma PFIC com relação aos cotistas brasileiros que são considerados residentes fiscais americanos. Com isso, os cotistas estariam sujeitos ao PFIC tax.
A fim de evitar os efeitos negativos de uma (re)classificação do fundo de investimentos pelo IRS como uma foreign corporation, utiliza-se uma técnica conhecida como check-the-box. Em síntese, o check-the-box consiste em uma eleição fiscal para mudança da classificação tributária. Ou seja, por meio da eleição, uma foreign corporation passa a ser tratada como uma sociedade estrangeira (foreign partnership).
Em termos de planejamento tributário, com essa eleição, o fundo de investimentos mudaria sua classificação inicial de foreign corporation e passaria a ser tratado como foreign partnership. Como já dito, o tratamento como foreign corporation é pré-requisito para a classificação como PFIC. Portanto, não há que se falar em PFIC! Porém, a análise não deve terminar aqui. Aliás, aqui os problemas se intensificam!
Com a utilização do check-the-box, o fundo de investimentos passa a ser tratado como transparente[5] para fins do imposto de renda nos EUA. Assim, o fundo será desconsiderado para fins tributários e os seus ativos são tratados como se fossem detidos direta e proporcionalmente pelos seus cotistas.
Consequentemente, os cotistas brasileiros passam a ser responsáveis tributários nos EUA pela renda gerada pelos ativos do fundo. E mais: se os ativos do fundo de investimento sejam classificados como PFIC, os cotistas estarão sujeitos ao PFIC tax, agora em relação aos ativos do fundo de investimentos.
A complicação se acirra quando a carteira detida pelo fundo de investimentos consiste em cotas de outros fundos de investimentos ou participação societária em entidades legais (“ativos”) e a renda proveniente dos ativos é passiva. Ou seja, os ativos investidos do fundo consistem em outros fundos de investimentos ou companhias holdings que administram o portfólio financeiro.
Este cenário se vislumbra com a renda proveniente (i) de certos direitos creditórios adquiridos por um Fundo de Investimentos em Direitos Creditórios (FDICs), (ii) de certas distribuições recebidas por um Fundo Multimercado de um outro fundo de investimentos, bem como (iii) de certas distribuições recebidas por um Fundo de Investimento em Participações (FIPs). Neste caso, os ativos do fundo de investimentos são tratados como PFICs, ou como são conhecidos no jargão tributário, “BabyPFICs.”
Coincidentemente, em conversa recente com os gestores de um family office brasileiro, este assunto se mostrou de extrema relevância, especialmente no contexto de as investidas serem outros fundos de investimentos. Em se observando o tratamento dos ativos detidos pelo fundo de investimentos como BabyPFICs, há certas eleições fiscais que servem para atenuar os efeitos da tributação adversa do PFIC tax. Entre outros benefícios, essas técnicas eliminam o juro composto e permitem a tributação favorável sobre o ganho na venda de bens de capitais.
Uma alternativa é conhecida como qualifying election fund ou QEF election.[6] Todavia, a QEF election requer informações e documentações detalhadas sobre o BabyPFIC. Na prática, compliance com a documentação requerida não é tarefa trivial, especialmente no cenário dos fundos abertos e mais pulverizados. Por isso, é muito importante que as famílias brasileiras que se encontram em situação semelhante consultem com profissionais especializados nesta área.
Gessimbergue Monteiro é advogado licenciado no Brasil e na Flórida, especializado em planejamento tributário, sucessório e patrimonial internacional, com foco na assessoria a famílias brasileiras com bens nos EUA, e associado do Dorot & Bensimon PL.
[1] PFIC é definido como (i) uma companhia incorporada em uma jurisdição fora dos EUA (foreign corporation) da qual pelo menos (ii) 75% da renda provém de fontes passivas ou (iii) 50% dos ativos geram renda passiva. A renda oriunda de aplicações financeiras, como por exemplo, a renda dos fundos de investimento geralmente é tratada como passiva.
[2] Valores distribuídos a título de dividendos, bem como ganho sobre a venda de bens de capital (geralmente tributado com base em uma taxa de 20%) são tributados com base na taxa máxima aplicável a pessoas físicas atualmente de 37%.
[3] A seção 301.7701-3(b)(2)(i)(B) do regulamento do imposto de renda americano classifica uma entidade legal como companhia estrangeira (foreign association ou foreign corporation) quando todos os sócios possuem responsabilidade limitada.
[4] A seção 301.7701-3(b)(2)(i)(A) do regulamento do imposto de renda norte-americano classifica uma entidade legal como sociedade estrangeira (foreign partnership) quando esta entidade tem pelo menos dois sócios, dos quais, um, ao menos, assume responsabilidade ilimitada.
[5] O regime tributário conhecido como pass-through desconsidera a existência da sociedade (partnership) para fins do imposto de renda, tratando como se os ativos desta sociedade fossem detidos direta e proporcionalmente pelos sócios.
[6] O QF é uma eleição fiscal feita por meio do protocolo do formulário 8621 perante o fisco norte-americano, que deve ser protocolado juntamente com a declaração de imposto de renda norte-americana do fundo de investimentos referente ao primeiro ano na qual o cotista brasileiro deseja tratar o fundo de investimentos como um QEF. Em essência, quando considerado um QEF, o fundo de investimentos tem tratamento semelhante ao de uma sociedade (partnership). Ou seja, passa a ser sujeito ao regime tributário do pass-through. Dessa forma, a renda gerada pelo fundo de investimentos retém o seu caráter para fins fiscais (ou seja, tanto podendo ser considerada ordinária ou renda proveniente de ganho sobre a venda de bens de capitais), porém é reportada pelos cotistas anualmente, a medida da proporção detida por cada cotista, independente de se efetivamente distribuída aos cotistas. Além disso, a eleição como QEF elimina a aplicação dos juros compostos. Outra alternativa neste contexto é denominada “Mark-to-Market election.”