Por Nohad Harati
Gerir um patrimônio exige vivência, algo que não se aprende na internet.
É inegável o quanto a democratização e a tecnologia facilitaram o processo de investimento. Entretanto, longe dos aplicativos financeiros inteligentes e dos influenciadores digitais, um grupo de famílias diligentemente e discretamente coloca o seu dinheiro para trabalhar, com a gestão de patrimônio.
Ao responsável pela rotina desses escritórios de gestão de fortunas, delegam uma única missão: cuidar da riqueza para que possa ser transmitida às próximas gerações (ou “stewardship”, em inglês), adotando uma visão de longo de prazo e utilizando-se da diversificação.
Dito de outra forma, atuar com imparcialidade e ter domínio suficiente para falar com profissionais de bancos, escritórios de advocacia e de contabilidade. Tarefa normalmente entregue a uma pessoa mais experiente, ela executa aquilo que é perfeito no papel, mas que pode ser bem diferente na vida real.
Origens da gestão de patrimônio
Cuidar de uma fortuna familiar é diferente de fazer a gestão de recursos de terceiros, uma incumbência da indústria de fundos de investimento. Isso se deve ao fato de o detentor da riqueza ter uma certa bagagem no que diz respeito às suas preferências e opiniões.
Prestar atenção ao que ele e as pessoas mais próximas dizem vale mais que qualquer especialização em alguma Ivy League. Não que o conhecimento não tenha importância. Nesse caso, o objetivo é atender uma necessidade, não disputar uma vaga em um banco de primeira linha.
Providenciar o que está sendo pedido pode exigir novas habilidades. Como orientar na compra de uma propriedade que não esteja em Miami ou em Portugal? Escritórios locais mais especializados não possuem muita expertise em outras praças.
No que diz respeito a investimentos de alto valor, é fato que muitos não se sentem confortáveis com uma ameaça ao estilo de Donald Trump a cada 4 anos.
Além disso, fora das Américas, a cidadania não é obtida apenas pelo nascimento, o que pode inclusive limitar os direitos de herdeiros estrangeiros sobre os ativos no exterior, mesmo quando há a constituição de uma empresa para tal finalidade.
O mundo dos investimentos
As vantagens e as desvantagens dos mais variados produtos financeiros são conhecidas de qualquer um que já tenha assistido vídeos de educação financeira no Youtube. Porém, ainda são comuns os casos em que se houve a seguinte frase no momento de se escolher uma aplicação financeira: “esse investimento deu o maior retorno no mês passado.”
Surge então a necessidade de lembrar o dono do dinheiro que investir bem é contemplar as variáveis futuras que podem impactar os recursos investidos ainda que com um certo grau de incerteza. Mesmo com esse cuidado, nem tudo está resolvido.
Primeiro, porque existe uma rotatividade entre os profissionais que atendem esse seleto grupo. Não é segredo para ninguém que são assediados por outras instituições financeiras em função das contas que administram. Segundo, porque muitos estão mais preocupados em ter o mesmo estilo de vida de seus clientes.
Fundos exclusivos
Para minimizar esses e outros transtornos, famílias ricas inevitavelmente são orientadas a montar fundos exclusivos, dadas as vantagens sucessórias (permitem a doação das cotas com a reserva do usufruto) e tributárias (o imposto é pago no resgate, independentemente das movimentações realizadas dentro do fundo).
Por outro lado, o detentor da fortuna pode ter alguma dificuldade em assimilar porque os ativos que porventura já possua em carteira não podem ser aportados no fundo, obrigando-o a vender posições lucrativas (o que causa a incidência de imposto) para então efetuar a integralização em dinheiro.
Uma segunda limitação está no fato de não poder escolher os ativos que farão parte do fundo exclusivo. Em muitos casos, lhe é oferecido uma relação de fundos, de acordo com o seu perfil de risco.
Considerando a enorme quantidade de gestoras independentes que surgem todos os dias, fica difícil ganhar dinheiro quando todos colocam as suas fichas nos mesmos lugares.
Marcação a mercado
Além disso, existe a questão da volatilidade. Como explicar que aquela estrutura que, teoricamente foi criada (e paga) para facilitar a transferência do patrimônio está sujeita à marcação a mercado?
A preocupação com a oscilação nos preços não se limita aos fundos exclusivos. Ela também se reflete nos ativos isentos. Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs) e Fundos de Investimento em Participações (FIPs), apesar de se concentrarem no setor de construção civil e nos projetos de infraestrutura (quando na modalidade FIP-IE), são preteridos mesmo com a isenção de imposto de renda.
O que dizer então das alternativas que sequer possuem lastro, como as criptomoedas?
Ativos reais
Os investimentos então acabam sendo feitos diretamente em ativos reais, sendo o caso dos imóveis bastante comum. Diferentemente dos fundos exclusivos, a integralização de ativos imobiliários em empresas é possível, desde que se efetue o pagamento do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI).
Todavia, tal como nos fundos exclusivos, as empresas imobiliárias permitem a doação das cotas e possuem vantagens tributárias, seja na venda, seja na locação de imóveis. Essa é a solução encontrada para que propriedades possam ser rentabilizadas ao longo dos anos, gerando dessa forma a riqueza financeira adicional para se endereçar novas demandas familiares, locais ou internacionais.
Conclusão sobre gestão de patrimônio
Gerir um patrimônio exige vivência, algo que não se aprende na internet.
Por mais que exista a necessidade de se conhecer o mercado financeiro, seus produtos e as leis que regem a vida das pessoas, é imprescindível conhecer as motivações e receios do detentor do patrimônio e de seus familiares, além de seu contexto social e cultural.
Esse conhecimento é fundamental para navegar nos inúmeros imprevistos que podem surgir, sejam eles decorrentes de um acontecimento familiar, da realidade do país ou até mesmo de um evento do outro lado do planeta, mas que, de alguma forma, afeta as decisões de investimento.
Como a pandemia e um conflito armado dentro da Europa mostraram, um mundo mais conectado e incerto por si só traz uma maior complexidade, mesmo para arranjos familiares bastante tradicionais.
Esses desafios tendem a aumentar. Hoje, as chamadas “famílias mosaico” (pessoas com filhos de diferentes relacionamentos) são uma realidade, o que exige um preparo que a frieza dos números não consegue suprir.
Ponto para a arte, que reinventa as pessoas, todos os dias.
Nohad Harati possui MBA em Finanças e LLM em Direito do Mercado Financeiro pelo Insper/SP, e é gestora de uma carteira proprietária e responsável por um Family Office em São Paulo/SP.
(*) Artigo publicado originalmente no site Mais Retorno (https://maisretorno.com/portal/gestao-de-patrimonio-arte-entre-numeros). Republicação autorizada pela autora.