Por Roberto Prado de Vasconcellos
A questão sobre a incidência do imposto sobre heranças e doações em transmissões que envolvem partes ou bens no exterior começou a ser analisada no STF, tendo sido proferidos dois votos por ministros da Corte. No entanto, as perspectivas que se anunciam parecem gerar mais insegurança do que certeza para os contribuintes.
A Constituição Federal de 1988, no art.155, inciso I, concedeu, aos estados brasileiros a competência para legislar sobre o imposto sobre transmissão de heranças e doações (ITCMD ou ITD). Entretanto, no art. 155, § 1º, III, b, abriu exceção ao poder estadual de legislar sobre esse imposto nos casos de doador ou falecido com domicílio ou residência no exterior, ou quando o falecido possuía bens ou teve o seu inventário processado no exterior. Nestes casos, a competência legislativa estadual só poderia ser exercida após a promulgação de lei (federal) complementar.
Ocorre que já se passaram mais de três décadas sem que a lei complementar prevista na Constituição Federal tenha sido promulgada. Sem dúvida, a demora legislativa prejudica tanto contribuintes como os estados.
Ao longo dos anos, os contribuintes sempre procuraram invocar o texto constitucional que os protege de serem tributados nas hipóteses descritas no art. 155, § 1º, III, b, enquanto os estados alegam poder legislar sobre o imposto, pois a demora na promulgação da lei complementar federal não pode prejudicá-los por tempo indeterminado, impedindo-os de recolher o imposto sobre as hipóteses excetuadas.
De fato, há bons e válidos argumentos de ambos os lados. Contudo, o status quo criado pela longa inércia dos legisladores em nível federal não poderia durar para sempre. O voto do Min. Dias Toffoli lembra que diversas leis estaduais já preveem a incidência do ITCMD nos casos de doadores no exterior e demais hipóteses descritas no art. 155, § 1º, III, b da Constituição Federal.
Após anos de litígios judiciais, recentemente, vinha se formando, em estados como São Paulo e Minas Gerais, uma jurisprudência judicial sólida a favor dos contribuintes, sempre no sentido de assegurá-los a proteção garantida pela Constituição Federal. Nunca foi segredo que, em algum momento, essa questão chegaria ao Supremo Tribunal Federal e este tribunal, por ser a cúpula do Poder Judiciário brasileiro, exerceria o papel de pacificar a questão em nível nacional.
Em outubro de 2020, teve início no STF o julgamento, com natureza de repercussão geral, do recurso extraordinário nº 851.108. O voto do Ministro Dias Toffoli, relator do recurso, foi no sentido de reconhecer o direito dos contribuintes em não estarem sujeitos a leis estaduais do imposto sobre heranças e doações enquanto não existir a lei complementar prevista na Constituição Federal.
Mais precisamente, a tese de repercussão geral proposta é a seguinte: “É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”.
O voto do relator foi acompanhado do voto do Min. Edson Fachin no mesmo sentido. Porém, a questão ainda está indefinida tendo em vista o pedido de vista do Min. Alexandre de Moraes.
Entretanto, o voto do relator causou polêmica ao pretender modular os efeitos da decisão no tempo. Segundo o voto comentado, os fatos geradores ocorridos antes da decisão do STF podem ser tributados pelos estados, valendo a limitação constitucional sobre o poder de legislar dos estados somente para fatos geradores que ocorrerem após a publicação do acórdão.
A leitura do voto do Min. Dias Toffoli revela que o único fator expressamente considerado para a modulação de efeitos proposta é o prejuízo iminente dos estados em relação aos valores já recolhidos ou depositados. O voto ainda destaca o impacto orçamentário no estado de São Paulo se a decisão do STF puder retroagir.
Se a maioria dos ministros confirmarem o voto do relator, o impacto gerado aos contribuintes também deverá ser significativo, e não apenas no sentido econômico ou financeiro. Afinal, após muitos anos contando com a proteção da regra constitucional, é de se esperar que os contribuintes enxergarão a decisão como uma validação de leis estaduais inconstitucionais que sequer deveriam ter existido.
É importante destacar que o contexto temporal em que o voto do relator foi proferido inclui tentativas frustradas de alguns estados, incluindo São Paulo, em aumentar suas alíquotas internas para melhorar a arrecadação em tempos de pandemia, além de matérias jornalísticas sobre doações bilionárias de um doador no exterior para seus parentes no Brasil que teriam ficado sem tributação.
Roberto Prado de Vasconcellos é especialista em tributação americana, advogado tributarista sênior, e coautor do livro Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos, publicado pela Editora B18.