Em recente decisão, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisou e confirmou a validade de um testamento elaborado por uma mulher, que designou sua filha mais velha como a responsável pela administração dos bens deixados para a filha menor de idade.
O colegiado baseou sua decisão no parágrafo 2º do Art. 1.733 do Código Civil, que permite a nomeação de um curador especial para gerir os bens deixados a um herdeiro menor, mesmo que essa criança esteja sob a guarda de sua família.
O caso envolvia um processo de inventário e partilha, no qual a falecida, por meio de seu testamento, nomeou como curadora especial a filha mais velha, para a administração dos bens provenientes de herança, que a outra filha (menor de idade) receberia.
Inicialmente, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a decisão de primeira instância, que considerou a disposição testamentária sem efeito. O argumento foi de que a nomeação de um curador especial não se aplicava quando as herdeiras necessárias eram também as únicas beneficiárias do testamento, não havendo justificativa para afastar o pai da administração dos bens deixados à co-herdeira incapaz.
Em terceira instância, o ministro Marco Buzzi do STJ, no julgamento do Resp 2.069.181-SP, argumentou que o fato de uma criança ser herdeira tanto por lei, quanto por testamento, não impede a instituição de uma curadoria especial para gerenciar os bens a que ela tem direito, mesmo estando sob o poder familiar.
Ressaltou, ainda, a importância de interpretar o Art. 1.733, § 2º, do Código Civil, de modo a preservar a autonomia de vontade da testadora. Para ele, o testamento é uma expressão da autonomia privada – ainda que limitado por regras da sucessão legítima – e representa a preservação da vontade da pessoa que, em vida, planejou a disposição de seu patrimônio para o momento posterior à morte, o que inclui o modo como os bens deixados serão administrados.
Vale transcrever trechos do acordão:
“De fato, o testamento consubstancia expressão da autonomia privada, inclusive em termos de planejamento sucessório, ainda que limitada pelas disposições e regras afetas à sucessão legítima.”
(…)
Nesse contexto de preservação de autonomia da vontade é como o dispositivo acima transcrito – 1.733, parágrafo 2º, do Código Civil – deve ser interpretado, ao conferir a faculdade ao testador de nomear curador especial para administração dos bens deixados em suas disposições de última vontade,ainda que o herdeiro e/ou legatário encontre-se sob o poder familiar ou tutela, conforme expressamente indicado no texto legal. Aliás, o artigo 1.693, inciso III, do Código Civil também corrobora a referida exegese, na medida em que preceitua estarem excluídos do usufruto e administração dos pais, “os bens deixados ou doados ao filho, sob a condição de não serem usufruídos, ou administrados, pelos pais”.” (REsp 2.069.181-SP, Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 10/10/2023).
Nessa seara, destacamos que a designação da curadoria especial por meio do testamento mostra-se como um mecanismo fundamental dentro do âmbito jurídico, conferindo proteção e cuidados específicos em situações de alta relevância.
A figura do curador especial designado por testamento, além de assumir um papel crucial no planejamento patrimonial e sucessório, revela-se essencial em contextos em que há a presença de herdeiros menores de idade, incapazes ou com necessidades especiais.
Além disso, a nomeação de um curador especial pode ser essencial em casos de conflitos familiares iminentes ou potenciais, garantindo que a vontade expressa do testador (titular do patrimônio) seja cumprida de maneira imparcial e justa.
Em suma, trata-se de uma decisão relevante, vez que enfatiza a importância crucial do planejamento patrimonial e sucessório, ressaltando o testamento como um instrumento vital para não apenas gerir, mas concretizar os anseios do testador muito além de sua existência terrena.
Ana Bárbara Zillo é advogada do departamento de wealth planning do BLS Advogados, em São Paulo.
Chegou nosso novo best-seller CONSTRUINDO O PLANEJAMENTO PATRIMONIAL E SUCESSÓRIO: Análise de casos reais: