Em recente decisão, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, decidiu que os herdeiros não podem cobrar aluguéis da companheira sobrevivente, pelo uso do imóvel, enquanto perdurar o direito real de habitação.
No caso em tela, o falecido residia com sua companheira e sua filha – fruto do casal – em um imóvel de sua titularidade. Com o seu falecimento, suas demais filhas, coerdeiras, pleitearam em face da companheira sobrevivente e de sua filha, a extinção de condomínio, cumulada com o arbitramento de aluguéis, pelo uso exclusivo do imóvel.
Em sede recursal, o STJ reformou a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que havia condenado a companheira do falecido e a filha do casal ao pagamento de aluguéis.
Segundo o entendimento do STJ, o direito real de habitação tem caráter gratuito, razão pela qual os herdeiros não podem exigir remuneração do companheiro sobrevivente pelo uso do imóvel.
Segundo a Corte, seria um contrassenso atribuir-lhe a prerrogativa de permanecer no imóvel em que residia antes do falecimento do seu companheiro e, ao mesmo tempo, exigir dela uma contrapartida pelo uso exclusivo.
Foi decidido, ainda, que aos herdeiros não é autorizado exigir a extinção do condomínio e a alienação do bem imóvel comum enquanto perdurar o direito real de habitação.
Vale transcrever a ementa do julgado:
“Aos herdeiros não é autorizado exigir a extinção do condomínio e a alienação do bem imóvel comum enquanto perdurar o direito real de habitação (REsp 107.273/PR; REsp 234.276/RJ). A intromissão do Estado-legislador na livre capacidade das pessoas disporem dos respectivos patrimônios só se justifica pela igualmente relevante proteção constitucional outorgada à família (203, I, CF/88), que permite, em exercício de ponderação de valores, a mitigação de um deles – in casu – dos direitos inerentes à propriedade, para assegurar a máxima efetividade do interesse prevalente, que na espécie é a proteção ao grupo familiar”.
(STJ – REsp: 1846167 SP 2019/0326210-8, Relator: Ministra Nancy Andrighi, Data de Julgamento: 09/02/2021, T3 (Terceira Turma), Data de Publicação: DJe 11/02/2021).
Nesse viés, a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, explicou que o direito real de habitação reconhecido ao cônjuge ou companheiro sobrevivente decorre de imposição legal e possui natureza vitalícia e personalíssima, o que significa que a companheira do falecido pode permanecer no imóvel até a sua morte.
A decisão se baseou no que dispõem os arts. 1.831 e 1.414 do Código Civil e art. 7º, parágrafo único da Lei nº 9.278/1996, senão vejamos:
“Art. 1.831: Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar”.
“Art. 1.414. Quando o uso consistir no direito de habitar gratuitamente casa alheia, o titular deste direito não a pode alugar, nem emprestar, mas simplesmente ocupá-la com sua família”.
“Art. 7°. (…)
Parágrafo único: Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família”.
O direito real de habitação é o instituto que garante ao cônjuge ou ao companheiro sobrevivente o direito de permanecer no imóvel que servia de moradia ao casal, independentemente do regime de bens adotado.
Vale ressaltar que a fruição desse direito é vitalícia, ou seja, o cônjuge ou companheiro sobrevivente pode permanecer no imóvel até o momento de sua morte ou até quando decida se mudar para outro imóvel. Além disso, a existência de outros bens imóveis no inventário não afasta o direito de habitação.
Na prática, percebe-se que a maioria das pessoas desconhece sobre o instituto e isso pode causar problemas no caso da sucessão. Portanto, o direito real de habitação deve ser considerado no âmbito de um planejamento patrimonial e sucessória para evitar dissabores ou dificuldades financeiras pelos herdeiros.
Ana Bárbara Zillo é advogada do departamento de wealth planning do Battella, Lasmar & Silva Advogados.