Assunto bastante corriqueiro, a existência de hipoteca antiga que ainda consta da matrícula do imóvel pode ser um problema, especialmente quando não mais se possui informações sobre o pagamento da dívida ou mesmo a localização do credor para obtenção do documento de baixa.
Situações como essa são comuns especialmente quando o imóvel está há muitos anos no patrimônio familiar, não sendo raro que só se perceba a existência da hipoteca não baixado quando o proprietário do imóvel vem a falecer e o bem é incluído no seu inventário.
No passado, quando a oferta de crédito imobiliário não era tão abundante, e antes do advento da Lei nº 9514/1997, que regulamentou o uso da alienação fiduciária de bem imóvel, era comum, em transações imobiliárias entre particulares, o comprador adquirir a prazo o imóvel, sendo financiado diretamente pelo vendedor, sendo essa transação garantida por hipoteca constituída pelo primeiro em favor do último.
A hipoteca é constituída por meio de escritura pública, lavrada em qualquer tabelionato de notas, cujo traslado deve ser levado a registro na matrícula do imóvel objeto da garantia, no cartório de registro de imóveis da circunscrição do bem imóvel em questão. Com o registro, o vendedor (credor hipotecário), terá a seu favor uma garantia real, com as características que lhe são peculiares: oponibilidade perante terceiros, direito de sequela e preferência.
Voltando à questão do financiamento, poderão ocorrer dois cenários: (1) o devedor deixa de pagar, situação na qual o credor hipotecário irá excutir a garantia, através de uma ação de execução fundada em título executivo extrajudicial; ou (2) o devedor adimpliu a obrigação e pagou toda a dívida.
No segundo cenário, o credor terá de fornecer ao devedor o instrumento de quitação, documento que deverá atender aos ditames estabelecidos na Lei de Registros Públicos (Lei nº 6015/1973), e levá-lo ao cartório de registro de imóveis no qual a hipoteca foi registrada, para que a garantia real seja baixada, através de ato de averbação, mediante requerimento dirigido ao Oficial daquela serventia.
A baixa do gravame é ato bastante simples. Porém, muitas vezes, o devedor, pelas mais diversas razões, acaba se esquecendo de solicitar ao credor a quitação.
Quando, por qualquer razão, especialmente quando desejar vender o imóvel, ou mesmo utilizá-lo como garantia real para a obtenção de financiamento bancário, aquele irá se deparar com o velho problema e, consequentemente, não conseguirá concluir a transação almejada: venda ou obtenção do financiamento.
Nesse momento, desesperadamente, o devedor resolve procurar o credor-hipotecário. Sim, aquela mesma pessoa que havia lhe vendido o imóvel, a prazo, em favor de quem a garantia fora constituída. Entretanto, com o passar dos anos, muitas coisas podem ter acontecido. Exemplos: o paradeiro do credor é desconhecido ou ele faleceu.
Assim, o que teria sido, anos antes, uma providência simples (obtenção de uma quitação firmada pelo credor), pode ser tornar um verdadeiro pesadelo, que dependerá da busca – e da boa vontade – do próprio credor, se vivo estiver, ou, na sua falta, de herdeiros, às vezes até de gerações mais distantes, que deverão outorgar a almejada, justa e necessária quitação, para, enfim, ser levada ao cartório de registro de imóveis.
Pergunta-se: E se, passados muitos anos, não for possível a obtenção do termo de quitação? Este ônus ficará gravado na matrícula do imóvel eternamente?
A reposta às questões acima é simples: Transcorridos, no mínimo, 30 anos, será possível promover a baixa da hipoteca. E ainda melhor: com providências simples, baixíssimo custo e extrajudicialmente.
Para isso, alguns passos deverão ser seguidos.
O primeiro deles é requerer no cartório de registro de imóveis competente a averbação da baixa da hipoteca, sob o argumento de sua decadência (perempção, nos termos do Art. 1485, do Código Civil). De antemão, já é possível dizer que a averbação não será efetuada, sob a justificativa expressa no Art. 251, da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6015/1973) que diz:
“Art. 251 – O cancelamento de hipoteca só pode ser feito:
I – à vista de autorização expressa ou quitação outorgada pelo credor ou seu sucessor, em instrumento público ou particular;
II – em razão de procedimento administrativo ou contencioso, no qual o credor tenha sido intimado (art. 698 do Código de Processo Civil);
III – na conformidade da legislação referente às cédulas hipotecárias.”
A saída será a alternativa expressa no inciso II, destacada no texto. Através de procedimento denominado “Pedido de Providências” dirigido ao Juízo da Vara de Registros Públicos (com caráter administrativo), este irá intimar o cartório de registro de imóveis do qual partiu a negativa, de quem conhecerá as razões para a recusa; e o credor hipotecário e seus eventuais sucessores, a quem dará ciência do pleito formulado pelo devedor hipotecário, para que se manifestem. O Ministério Público também será consultado, a fim de que opine a respeito da procedência do pedido formulado pelo devedor hipotecário.
Uma vez processadas essas etapas, a tendência é que, por meio de sentença, o Juízo de Registros Públicos dê provimento ao pedido formulado pelo devedor hipotecário, com fundamento no art. 1.485 do Código Civil, que diz:
Art. 1.485. Mediante simples averbação, requerida por ambas as partes, poderá prorrogar-se a hipoteca, até 30 (trinta) anos da data do contrato. Desde que perfaça esse prazo, só poderá subsistir o contrato de hipoteca reconstituindo-se por novo título e novo registro; e, nesse caso, lhe será mantida a precedência, que então lhe competir.
Ou seja, uma hipoteca somente poderá ser prorrogada até 30 anos. Findo esse prazo, ela somente terá eficácia se constituída por novo título, com o imprescindível registro na matrícula.
Finalmente, o epílogo: O devedor hipotecário deverá, uma vez mais, requerer ao cartório de registro de imóveis a baixa da hipoteca, desta vez anexando ao requerimento a sentença prolatada pelo Juízo de Registros Públicos. Transcorrido o prazo de análise, o resultado será uma nova averbação na matrícula do imóvel objeto da garantia real, por meio da qual ficará cancelada a hipoteca.
Beno Marcio Karlik é administrador de empresas e consultor imobiliário autônomo em São Paulo/SP.
Holding imobiliária, ITBI e tributação de imóveis são temas do nosso best-seller PLANEJAMENTO PATRIMONIAL, família, sucessão e impostos. Saiba mais no link abaixo: