Por Carlos Borrelli
A sucessão familiar é um processo complexo que envolve não apenas a transferência de bens materiais, mas também de valores, tradições e responsabilidades. Nesse contexto, a utilização de uma holding familiar como instrumento facilitador da sucessão se destaca como uma estratégia eficaz para garantir a continuidade harmoniosa do patrimônio e a preservação do legado familiar ao longo das gerações.
Ao compreendermos o papel fundamental da holding familiar como facilitadora da sucessão, podemos garantir uma transição suave e bem-sucedida do patrimônio familiar, fortalecendo os laços familiares e preservando a identidade e os valores que definem a essência da família ao longo das gerações.
No universo complexo do planejamento sucessório, a utilização da holding familiar como estratégia-chave desperta tanto mitos quanto verdades que permeiam a mente dos envolvidos nesse processo delicado. A holding familiar, com sua estrutura e funcionalidades específicas, muitas vezes é alvo de interpretações equivocadas e concepções errôneas que podem influenciar as decisões dos gestores patrimoniais e familiares. Entender esses pontos é crucial para tomar decisões informadas sobre a gestão e proteção do patrimônio familiar.
Ao mergulharmos nesse universo de percepções e realidades, poderemos compreender de forma mais clara e fundamentada como a holding familiar pode ser uma peça fundamental para garantir a continuidade e a harmonia do legado familiar no contexto da sucessão.
Um mito comum encontra-se na crença de que a holding familiar é o único instrumento do planejamento patrimonial sucessório e que gera uma significativa economia tributária. O grande problema dessa afirmação é a de que ela não é a única ferramenta existente, bem como é falsa porque nem sempre gera uma economia tributária.
Mas é certo que o uso das estruturas societárias para o planejamento da sucessão patrimonial em vida (holding familiar) possibilita a escolha da melhor (e não a menor) carga tributária, isso porque, antes mesmo da constituição da empresa, é preciso considerar e planilhar todos os tributos incidentes, como, por exemplo, o ITBI (na integralização de capital, quando se tratar de bem imóvel, salvo algumas exceções constitucionais) e o ICTMD, na cessão das quotas da empresa, além de ficar atento para a decisão do regime tributário mais adequado.
Uma observação aqui é válida: a busca pela economia tributária jamais deverá ser o foco e o objetivo principal de quem busca fazer uma holding familiar, enquanto instrumento eficaz do planejamento sucessório. Como bem ensinam Laerte Rosalem Júnior e Marina de Almeida Prado:[1] “O principal objetivo da constituição da holding é a garantia da manutenção do patrimônio familiar e o sucesso de eventuais empresas da família, atravessando e geração fundadora e a atual.”
Gladston Mamede e Eduarda Cotta Mamende[2] ensinam que: “A criação de uma holding possui inúmeras vantagens na perspectiva do planejamento patrimonial e familiar, que não perpassam necessariamente pela questão fiscal. O instrumento pode ser utilizado para acomodar novas gerações na organização empresarial; para distribuir adequadamente as funções entre os membros da família, mesmo aqueles que não têm vocação para a atividade empresária; para a contenção de conflitos familiares que coloquem em risco os negócios; ou ainda, pode ser constituído com o propósito de centralizar a administração de diversas sociedades ou unidades produtivas, assumindo seu papel primordial de governo de toda a organização.”
Outra crença equivocada é a de que o inventário é o grande vilão das famílias do ponto de vista econômico. Ensina Izabella Maria Medeiros e Araújo Pinto[3] que: “É um mito, porque o inventário (judicial ou extrajudicial) é o instrumento processual imprescindível para efetivar a transmissão patrimonial do falecido e não pode ser dispensado em nenhuma hipótese – salvo se o falecido não deixar quaisquer bens.”
Na mesma linha, Daniel Bucar[4] entende acontecer uma mitigação do princípio da saisine, já que inexiste a transferência direta e imediata da propriedade, como corre no direito francês, de onde deriva. Para o autor, no sistema brasileiro é obrigatória a chancela estatal da transmissão causa mortis, realizada através do processo de inventário, o que o leva a questionar se o droit de saisine realmente existe no ordenamento jurídico brasileiro.
Além disso, a holding familiar não é o único instrumento eficaz do planejamento patrimonial sucessório. Pode ser, e é, uma ferramenta bastante usada e eficiente para organização patrimonial e planejamento sucessório, mas não é necessariamente a única indicada para qualquer família, indistintamente.
A estruturação de uma holding oferece diversos benefícios, como a proteção patrimonial, eficiência fiscal em algumas situações e a facilitação da gestão dos ativos familiares. Contudo, esses benefícios devem ser avaliados à luz das necessidades e particularidades de cada família.
É essencial considerar o tamanho e a complexidade do patrimônio familiar. Famílias com um patrimônio extenso e diversificado podem encontrar mais vantagens em uma holding, pois a centralização dos ativos facilita a administração e o acompanhamento das finanças. Por outro lado, em famílias com poucos ativos ou uma estrutura simplificada, pode ser que os custos e a burocracia envolvidos na criação e manutenção de uma holding não justifiquem os benefícios.
Outro elemento crucial é o planejamento sucessório. A holding familiar pode proporcionar uma transição mais organizada e menos litigiosa entre gerações. No entanto, é fundamental que haja clareza e consenso sobre o papel de cada membro da família na administração da holding e sobre a divisão dos bens. Famílias que não possuem essa clareza ou que têm relações conflituosas podem enfrentar desafios adicionais.
O impacto fiscal também merece atenção. Embora uma holding possa oferecer vantagens fiscais, como a redução da carga tributária em certas operações, é necessária uma análise cuidadosa para evitar surpresas desagradáveis.
A legislação tributária é complexa e variável, e uma estratégia inadequada pode resultar em custos fiscais elevados ao invés de economia, ainda mais em relação à reforma tributária, com a criação do IBS (imposto sobre bens e serviços) e a CBS (contribuição sobre bens e serviços), onde haverá um novo conceito sobre serviços, onde possivelmente será incluída a locação.
Além disso, a gestão profissional é um fator determinante. Uma holding requer uma administração competente, que pode envolver a contratação de consultores e gestores especializados. Famílias que não estão dispostas ou não dispõem de recursos para essa profissionalização podem não obter os resultados esperados.
Considere-se, também, que a manutenção de uma holding envolve custos contínuos, incluindo taxas administrativas, impostos e honorários de consultoria. Famílias devem ponderar se esses custos são sustentáveis no longo prazo, especialmente se o patrimônio não gerar rendimentos suficientes para cobri-los.
Em suma, embora a criação de uma holding familiar possa oferecer vários benefícios, ela não é uma solução universal. É fundamental que cada família avalie suas necessidades específicas, o tamanho e a diversidade de seu patrimônio, suas dinâmicas internas e sua capacidade de gestão antes de decidir pela constituição de uma holding.
Outro mito é que a holding familiar elimina completamente os conflitos familiares sobre a gestão do patrimônio. Embora a holding possa ajudar a alinhar interesses e proporcionar regras claras de governança, ela não é uma solução mágica para conflitos. A eficácia do modelo depende da comunicação aberta e contínua entre os membros da família e de uma clara definição de papéis.
Muitos acreditam que a finalidade principal de uma holding familiar é proteger o patrimônio familiar. Esse é um ponto verdadeiro. Através de uma estrutura de holding, é possível segregar patrimônios pessoais dos empresariais, protegendo os bens familiares de eventuais riscos e dívidas empresariais. Além disso, a holding facilita a sucessão empresarial, evitando disputas e garantindo a continuidade dos negócios. Em conclusão, as holdings familiares apresentam uma série de mitos e verdades que precisam ser desmistificados. Embora não sejam uma solução mágica para todos os problemas empresariais e familiares, elas oferecem vários benefícios, como proteção patrimonial (quando bem executado o planejamento), vantagens fiscais e facilitação na gestão e sucessão dos negócios. Com o correto planejamento, uma holding pode ser uma ferramenta valiosa para a longevidade e prosperidade de uma família empresarial.
[1] ROSALEM JÚNIOR, Laerte; PRADO, Marina de Almeida. A tributação das sociedades holdings patrimoniais. Revista dos Tribunais, v. 976, p. 402, fev, 2017.
[2] MAMEDE, Gladston: MAMEDE, Eduarda Cotta. Holding Familiar e suas vantagens: planejamento jurídico e econômico do patrimônio e da sucessão familiar, 8. Ed. Ver. E atual. São Paulo: Atlas, 2016, p. 94-74.
[3] Ob. Cit. p. 46.
[4] BUCAR, Daniel. Existe o droit de saisine no sistema sucessório brasileiro? In: TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado: NEVARES, Ana Luiza Maia. Direito das sucessões: problemas e tendências. Indaiatuba: Foco, 2022, p. 1-22.
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