Recentes mudanças legislativas podem encarecem o planejamento patrimonial e sucessório, sendo motivo de alerta para as famílias.
Breves considerações sobre o ITCMD
O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações – ITCMD é o imposto que incide sobre as transmissões gratuitas de bens ou direitos, ou seja, é o imposto incidente sobre operações não onerosas, onde não há contraprestação.
Duas são as hipóteses de incidência do imposto: a) a transmissão causa mortis e b) a doação, de quaisquer bens ou direitos.
O ITCMD está previsto no art. 155, inciso I da Constituição que deu competência para a instituição e cobrança do referido imposto aos Estados e ao Distrito Federal, verbis:
Art.155 – Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir imposto sobre:
I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos.
(…)
§1º – O imposto previsto no inciso I:
I – relativamente à bens imóveis e respectivos direitos, compete ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal;
II – relativamente a bens móveis, títulos e créditos, compete ao Estado onde era domiciliado o de cujus, ou que tiver domicílio o doador, ou ao Distrito Federal;
III – terá competência para a sua instituição regulada por lei complementar:
a) se o doador tiver domicílio ou residência no exterior;
b) se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve seu inventário, processado no exterior;
IV – terá suas alíquotas máximas fixadas pelo Senado Federal
A Constituição não cria impostos, mas confere competência tributária aos entes federados (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) para a instituição e cobrança de tributos. No caso do ITCMD, essa competência foi atribuída ao Estados e aos DF, devendo cada um deles instituir os impostos, por lei própria.
Entretanto, a Constituição estabeleceu regras gerais, especialmente para evitar conflitos de competência, ao estabelecer que o imposto compete ao Estado da situação do bem, no caso de bens imóveis ou se for o caso, ao Distrito Federal e com relação aos bens móveis, ao Estado em que tinha domicílio o de cujus, em caso de sucessão e ao Estado de domicílio do doador, em caso de doação ou ao Distrito Federal. Ela ainda estabeleceu que o imposto terá a competência regulada por lei complementar, se o doador tiver domicílio ou residência no exterior ou se o falecido possuía bens, era residente ou teve seu inventário processado no exterior.
Como não foi editada lei complementar, os Estados estavam impedidos de incluir em suas respectivas leis, a incidência do tributo ou mesmo de cobrar o imposto, quando prevista a incidência na legislação estadual, nos casos em que doador era residente no exterior ou no caso de heranças, quando o de cujus possuía bens ou tivesse o inventário processado no exterior.
Por fim, a Constituição também estabelece que a alíquota máxima do ITCMD deve ser regulada pelo Senado Federal, sendo ela atualmente fixada em 8%. Todavia, encontramos legislações estaduais com as mais variadas alíquotas, como o Amazonas (2%), atualmente a mais baixa do Brasil, e Goiás e Mato Grosso, com a alíquota máxima de 8%.
Mas, não é apenas a alíquota que varia conforme o estado. Por exemplo, no caso de quotas de sociedades limitadas e ações de S/A não negociadas em mercado, São Paulo estabelece que a base de cálculo é o valor patrimonial contábil, que nada mais é do que o patrimônio líquido verificado no balanço contábil da sociedade; outros Estados, como Goiás, estabelecem que a base de cálculo é o valor patrimonial real das quotas, em que os ativos da sociedade são reavaliados a valor de mercado.
A reforma tributária e o ITCMD
Em 20 de setembro de 2023 foi promulgada a Emenda Constitucional nº 132, que implementou a reforma tributária, trazendo mudanças estruturais no Sistema Constitucional Brasileiro. Com relação ao ITCMD, a EC 132/2023 autorizou a cobrança do ITCMD nas hipóteses em que o doador tiver domicílio ou residência no exterior e nos casos em que o de cujus tenha deixado bens no exterior, até que lei complementar venha a ser editada para regular essas hipóteses. Veja-se a redação do art. 16 da EC 132/2023, verbis:
Art. 16. Até que lei complementar regule o disposto no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal, o imposto incidente nas hipóteses de que trata o referido dispositivo competirá:
I – relativamente à bens imóveis e respectivos direitos, ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal;
II – se o doador tiver domicílio ou residência no exterior:
a) ao Estado onde tiver domicílio o donatário ou ao Distrito Federal;
b) se o donatário tiver domicílio ou residir no exterior, ao Estado em que se encontrar o bem ou ao Distrito Federal;
II – relativamente aos bens do de cujus, ainda que situados no exterior, ao Estado onde era domiciliado, ou, se domiciliado ou residente no exterior, onde tiver domicílio o sucessor ou legatário, ou ao Distrito Federal.
Dessa forma, a EC 132/2023 passou a permitir a tributação de doações e heranças do exterior, independentemente de edição de lei complementar, estabelecendo as regras de competência, até que a referida legislação venha a ser editada. Assim, ficaram assim as regras para a cobrança do ITCMD, nas hipóteses de doador domiciliado no exterior ou quando o de cujus tinha bens ou teve seu inventário processado no exterior:
- No caso de imóvel, o imposto competirá sempre ao Estado de localização do bem;
- Quando se tratar de bem móvel, no caso de doações, se o doador tiver domicílio ou residir no exterior, o imposto caberá ao Estado de domicílio ou residência do donatário e caso o donatário tenha domicílio ou residência no exterior, ao Estado onde se encontrar o bem ou ao Distrito Federal.
- No caso de sucessão, ainda que os bens se localizem no exterior: (i) ao Estado de domicílio ou residência do de cujus e se for o caso ao Distrito Federal e (ii) quando o de cujus era domiciliado no exterior, ao Estado de domicílio e residência do sucessor ou legatário ou se for o caso ao Distrito Federal.
Os Estados e o Distrito Federal que, até então, estavam impedidos de cobrar o ITCMD nas doações e heranças do exterior, ficaram autorizados a essa cobrança.
Outra alteração importante foi permissão para que as alíquotas do ITCMD possam ser progressivas em razão do valor do quinhão, do legado ou da doação. Ou seja, passou-se a permitir que os Estados adotem alíquotas progressivas, isto é, que aumentam em razão do valor do quinhão, legado ou doação, estimulando assim os Estados a adotarem essa progressividade. Dessa forma, os Estados que hoje ainda não trabalham com a alíquota máxima, ficam estimulados, a alterar as suas respectivas legislações, para adotar as alíquotas progressivas, inclusive com a utilização de alíquotas máximas para grandes patrimônios.
Como essas alterações entraram em vigor na data da publicação da promulgação, é esperado que os Estados passem a exigir o tributo na hipótese de heranças e doações do exterior, assim como adotem alíquotas progressivas onde elas ainda não tenham sido adotadas. No Estado de São Paulo, por exemplo, onde a alíquota é fixa em 4%, é possível uma alteração legislativa que incorpore as alíquotas progressivas, inclusive com a utilização da alíquota máxima em caso de grandes fortunas, podendo, de um exercício para o outro, simplesmente dobrar a tributação incidente na sucessão ou doação.
Do mesmo modo é possível a alteração da legislação de outros Estados que trabalham com alíquotas próximas do mínimo, como o caso do Estado do Amazonas, cuja legislação estabelece a alíquota de 2%, que também poderá passar a adotar a alíquota máxima para grandes patrimônios, podendo aumentar em até quatro vezes o custo da transmissão patrimonial.
E mesmo para os Estados que já adotam a alíquota máxima, como é o caso de Goiás, há que se pensar no cenário de majoração do teto da alíquota por aquela casa legislativa, para permitir que esses Estados venham a adotar alíquotas progressivas, atingindo grandes patrimônios, com alíquotas bem superiores às que hoje estão em vigor.
A boa notícia é que como o ITCMD é um imposto de competência dos Estados e do Distrito Federal e, assim, eventuais modificações 2023, dependem da alteração nas atuais leis estaduais, que apenas poderão produzir efeitos em 2025 por força do art. 150, III, “b” da Constituição, veda a cobrança de tributos no mesmo ano da publicação da lei.
Assim, ainda que os Estados venham a alterar as suas legislações para aumentar alíquotas e base de cálculo do ITCMD, essas alterações apenas valerão para o ano de 2025.
Impactos da reforma tributária no planejamento sucessório
Pensando em planejamento sucessório, a conclusão é que podem ser fortemente impactados, a partir do ano de 2025, em razão de alterações que venham a ser promovidas pelos Estados, que poderão incluir, também, a incidência do ITCMD sobre doações e heranças do exterior.
Para fugir desses impactos trazidos pela reforma tributária, a alternativa passa por promover planejamentos sucessórios ainda em 2024.
Para o Estado de São Paulo, outra razão recomenda atenção de famílias com patrimônio relevante, especificamente no caso das holdings e empresas familiares. A base de cálculo do imposto na transmissão de quotas e ações não negociadas no mercado, é o valor patrimonial contábil, e não o valor patrimonial real, onde ativos e passivos são avaliados a valor de mercado, como acontece na grande maioria dos demais Estados.
Esse cenário extremamente favorável para o caso de transmissão de quotas ou ações de empresas familiares, também pode ser modificado para o próximo ano, em função de eventual alteração legislativa que vise incorporar na lei estadual do Estado de São Paulo, as alterações introduzidas pela reforma tributária.
Obviamente que essa transferência patrimonial aos sucessores, promovida de forma antecipada, para fugir ao provável aumento da carga tributária, deve observar todos os cuidados recomendados para um bom planejamento sucessório, como constituição de holdings, doação de participações societárias com reserva de usufruto, com utilização de cláusulas restritivas, como incomunicabilidade e impenhorabilidade e acordos societários.
Aluisio Velloso Grande é advogado atuante em Direito Societário e Planejamento Societário e Sucessório, Especialista pela PUC/SP e FGV, com LLM em Direito Societário. Professor convidado da Escola Superior de Advocacia e do Curso de Pós Graduação em Finanças da Universidade Federal de Goiás, disciplina Planejamento Sucessório e Gestão de Grandes Fortunas.