Por Carlos Borrelli
Questão tormentosa diz respeito à sucessão nos casos de embrião, implantado ou não, quando ocorre a morte do autor da herança. Teria o embrião algum direito sucessório protegido, tal como ocorre com os nascituros?
O embrião humano é o estágio inicial do desenvolvimento humano após a fertilização do óvulo pelo espermatozoide. É formado por uma única célula inicial, chamada zigoto, que passa por divisões celulares sucessivas para formar um conjunto de células que se diferenciam em diferentes tecidos e órgãos do corpo humano. O desenvolvimento humano passa por várias fases, sendo o embrião apenas uma delas. Durante o estágio embrionário, ocorrem processos complexos de multiplicação celular, migração celular, diferenciação e formação de estruturas básicas do corpo. A biologia explica.
Assim, pode-se dizer que o embrião humano é caracterizado por ser um organismo em desenvolvimento que ainda não atingiu a fase de feto. Geralmente, o estágio embrionário compreende as primeiras oito semanas de desenvolvimento após a fertilização. Durante esse período, o embrião passa por períodos de desenvolvimento que incluem a formação de camadas germinativas, a diferenciação de tecidos e órgãos, e a formação de estruturas fundamentais, como o tubo neural, que darão origem ao sistema nervoso central.
É importante ressaltar que o embrião humano possui potencial para se desenvolver em um ser humano completo, desde que as condições adequadas sejam fornecidas para seu desenvolvimento contínuo. O embrião é um estágio crítico no ciclo de vida e no processo de reprodução humana, e é objeto de debate em vários contextos, incluindo questões éticas, legais e científicas.
Mas se o embrião for resultado da fertilização in vitro e ainda não implantado no organismo materno, gozará da mesma proteção que o ordenamento jurídico confere ao nascituro? É preciso, contudo, termos uma boa concepção do que vem a ser a chamada “fertilização in vitro”.
A fertilização in vitro (FIV) é um procedimento de reprodução assistida que ocorre fora do corpo da mulher. Durante esse processo, os óvulos são coletados e fertilizados em laboratório com o esperma do parceiro ou de um doador. Após a fertilização, os embriões resultantes são cultivados por alguns dias em uma incubadora para, então, serem transferidos para o útero da mulher com o objetivo de estabelecer uma gravidez.
Esse tipo de fertilização é frequentemente utilizado por casais que têm dificuldade em conceber naturalmente devido a diversos problemas, como bloqueios nas trompas de falópio, baixa contagem de espermatozoides, endometriose, entre outros. Também é uma opção para mulheres que desejam ter filhos mais tarde na vida ou que não conseguiram engravidar por métodos convencionais.
É importante ressaltar que a fertilização in vitro é um procedimento complexo, que envolve várias etapas e requer acompanhamento médico especializado. Os resultados podem variar de acordo com a idade da mulher, a qualidade dos óvulos e espermatozoides, e outros fatores individuais. Frise-se, também, que tanto óvulos quanto embriões podem ser congelados durante o processo de fertilização in vitro. O congelamento de óvulos e embriões é uma prática comum em clínicas de reprodução assistida e pode ser útil por várias razões, como:
- Preservação da fertilidade: Mulheres que desejam preservar sua fertilidade para o futuro, seja por motivos médicos ou pessoais, podem optar por congelar seus óvulos para uso posterior;
- . Transferência de embriões em ciclos futuros: os embriões excedentes resultantes de um ciclo de FIV podem ser congelados e armazenados para uso futuro. Isso pode ser útil se o primeiro ciclo de FIV não resultar em gravidez ou se o casal decidir ter mais filhos futuramente.
O congelamento de óvulos e embriões é realizado por meio de um processo chamado criopreservação, no qual são gradualmente resfriados a temperaturas muito baixas para serem armazenados em nitrogênio líquido. Quando desejado, os óvulos ou embriões congelados podem ser descongelados e usados em um procedimento de FIV no futuro.
Dito isso, será que os direitos sucessórios do nascituro são estendidos aos embriões? O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a ADIN nº 3.510/DF, declarou constitucional o art. 5º, da Lei nº 11.105/2005 (Lei de Biossegurança), cuja determinação é a que segue:
Art. 5º. É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:
I – sejam embriões inviáveis; ou
II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.
Repare que o inciso I trata de embriões inviáveis para fins de pesquisas com células-tronco embrionárias e que, segundo o STF, não violam o direito à vida, nem o princípio da dignidade da pessoa humana.
Porém, e na hipótese de o embrião vir a ser implantado no útero materno após o falecimento do doador do material genético, teria o mesmo tratamento legal, o ser humano daí advindo teria os mesmos direitos sucessórios?
Observe a questão: o embrião foi concebido, porém não chegou a ser inserido no ventre da mãe. Qual é a solução? O art. 1.798 do Código Civil diz que:
Art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão.
Note-se que a futura criança já era órfã do pai quando o embrião fora implantado no ventre materno e, por essa razão, entendemos que a questão é bastante complexa!
A doutrina brasileira encontra-se dividida. Para José Roberto Moreira Filho:[1] “Quanto à inseminação post mortem, ou seja, a que se faz quando o sêmen ou o óvulo do de cujus é fertilizado após a sua morte, o Direito Sucessório fica vedado ao futuro nascituro, por ter sido a concepção efetivada após a morte do de cujus, não havendo, portanto, que se falar em direitos sucessórios ao ser nascido, tendo em vista que pela atual legislação somente são legitimados a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão.”
Por outro lado, Maria Helena Diniz[2] entende que: “Filho póstumo não possui legitimação para suceder, visto que foi concebido após o óbito de seu pai genético, e por isso é afastado da sucessão legítima ou ab intestato. Poderia ser herdeiro por via testamentária, se inequívoca a vontade do doador do sêmen de transmitir herança ao filho ainda não concebido, manifestada em testamento. Abrir-se-ia a sucessão à prole eventual do próprio testador, advinda de inseminação artificial homóloga post mortem (LICC, arts. 4.º e 5.º).”
João Álvaro Dias,[3] ao se debruçar sobre essa complexa questão, entende que: “De ordem inclusive psicológica — para a criança, de ser concebida quando já é órfã de um dos pais, situação que não pode ser justificada com as mesmas razões lançadas para as hipóteses em que, por vicissitudes impossíveis de serem afastadas pela vontade, a criança nasce sem um dos genitores.”
Em primeiro lugar é preciso entendermos um pouco do que vem a ser a Teoria da Vontade Procriacional. Trata-se de um conceito ético e legal que se refere ao direito fundamental de os indivíduos decidirem se desejam ou não ter filhos, quando desejam tê-los e quantos desejam ter. Em um sentido mais amplo, a teoria engloba o direito à autonomia reprodutiva, ou seja, o direito de as pessoas de tomarem decisões informadas e livres sobre questões relacionadas à reprodução.
Essa teoria reconhece que a decisão de ter filhos é uma escolha pessoal e íntima, que deve ser respeitada pela sociedade e pelas instituições governamentais. Ela defende que os indivíduos têm o direito de planejar suas famílias de acordo com seus próprios valores, crenças e circunstâncias pessoais.
A teoria da vontade procriacional também está relacionada a questões como o acesso a métodos contraceptivos, a reprodução assistida, o direito ao aborto seguro e legal, entre outros temas ligados à saúde reprodutiva. Ela busca garantir que os direitos reprodutivos das pessoas sejam protegidos e que elas possam exercer controle sobre suas próprias vidas reprodutivas.
Em resumo, ela enfatiza a importância de respeitar a autonomia e a liberdade das pessoas em relação às suas decisões reprodutivas, promovendo assim uma sociedade mais justa, igualitária e respeitosa dos direitos individuais.
Voltando à questão dos direitos sucessórios, pensamos que a melhor solução é aquela dada por Maria Helena Diniz,[4] no sentido que se conferir ao futuro herdeiro, ainda não concebido, os direitos sucessórios, mas pela via do testamento, desde que, contudo, seja a vontade expressa do doador do sêmen.
Perceba-se que não se reconheceria, de fato, uma legitimidade sucessória autônoma, mas, sim, uma aplicação analógica das regras da prole eventual. Trata-se de uma linha de pensamento convincente, muito embora não afaste o inconveniente de o ente concebido poder permanecer congelado, em laboratório, por longos anos. Afinal, o § 4.º do art. 1.800 do Código Civil parte da premissa de que haveria a implantação no útero materno no prazo legal, com a perspectiva de nascimento para os próximos nove meses.
Bem, a nosso ver, se a origem já ocorreu, por meio sintético, mantendo o embrião congelado em ambiente de laboratório, a indicação testamentária esperaria a introdução no ventre materno por tempo indeterminado? E a questão do processo de inventário nesse cenário, permaneceria em espera?
Pensamos que, ao menos até que exista uma legislação específica, que considere especialmente os progressos tecnológicos, a estabilidade jurídica sugere que, no âmbito da Sucessão por Testamento, o embrião só poderá ser incluído como beneficiário se a inserção no útero materno ocorrer dentro do prazo de dois anos, conforme o § 4.º do art. 1.800 do Código Civil.
Após esse período, continuará sendo reconhecido como descendente do falecido, mas não terá direito à herança. Não esperamos que seja a solução ideal, mas, no nosso sistema atual, é a mais indicada, sobretudo ao se levar em conta que a ausência de um limite temporal para a inclusão poderia afetar o desenrolar do procedimento de inventário ou partilha por longos períodos, em prejuízo dos direitos dos demais herdeiros legítimos ou testamentários.
Neste contexto, uma abordagem alternativa e mais progressista poderia ser a possibilidade de reconhecer, torne-se a dizer, ao embrião não implantado, o direito à herança por meio de testamento do falecido.
Essa medida inovadora poderia representar um avanço significativo no campo do Direito Sucessório, promovendo uma maior inclusão e proteção dos direitos dos embriões não implantados em casos específicos de disposição testamentária.
[1] José Roberto Moreira Filho, Os Novos Contornos da Filiação e dos Direitos Sucessórios em Face da Reprodução Humana Assistida. Disponível em: <http://www.abmp.org.br/textos/2556.htm>. Acesso em: 25/07/2024.
[2] Maria Helena Diniz, O Estado Atual do Biodireito, 3. ed., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 480.
[3] João Álvaro Dias, Procriação Assistida e Responsabilidade Médica. Coimbra: Coimbra Ed., 1996, p. 40.
[4] Ob. Cit. p. 208.
Carlos Borrelli é advogado especializado em planejamento sucessório e direito tributário, e sócio-fundador do Carlos Borrelli Advogados Associados, com sede em Curitiba/PR.
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