Por Bruno Chaves Santos Cordeiro
O capital social representa as contribuições dos sócios na empresa. A partir dessas contribuições se estabelecem questões relativas a controle, exercício de voto, partilha de lucros, dentre outros temas do cotidiano societário. As contribuições podem ser realizadas por meio de dinheiro ou de bens suscetíveis de avaliação em espécie. No linguajar técnico, esse evento se denomina integralização de capital, que deverá ser realizada nos termos previstos no estatuto/contrato social da sociedade[1].
Os sócios muitas vezes optam por integralizar o capital social com imóveis. A razão para isso pode ser simplesmente o aproveitamento do bem na empresa (sede, venda, aluguel de espaço, etc.) ou planejamento tributário e sucessório.
Em regra, a incorporação de imóvel ao patrimônio de uma pessoa jurídica em realização de capital não está sujeita à cobrança do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) pelos municípios[2]. Trata-se da chamada neutralidade fiscal, que busca estimular investimentos e não interferir na circulação e melhor aproveitamento desses bens na atividade empresarial.
A não incidência do ITBI na integralização de imóveis ao capital social está expressamente disposta na Constituição Federal e excepcionada, segundo entendimento atual da maior parte das fazendas municipais e das decisões judiciais, quando a atividade preponderante da empresa envolve compra, venda e locação de bens e direitos relacionados a imóveis ou arrendamento mercantil.
Segundo a legislação nacional, a atividade preponderante é identificada por meio de regra objetiva baseada na receita operacional da empresa. A receita decorrente de atividades imobiliárias ou de arrendamento mercantil não poderá ultrapassar o percentual de 50% do total das receitas da empresa para fins de reconhecimento da não incidência de ITBI na integralização de imóveis ao capital social[3].
Em 25.08.2020, o Supremo Tribunal Federal julgou o Tema 796, firmando a seguinte tese: “A imunidade em relação em relação ao ITBI, prevista no inciso I do §2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”. No voto vencedor proferido pelo Min. Alexandre de Morais, defendeu-se, ainda, que a imunidade do ITBI na integralização de imóveis ao capital social não está condicionada à análise das atividades preponderantes da empresa, não importando se envolvam compra, venda e locação de bens e direitos relacionados a imóveis ou arrendamento mercantil.
Dessa forma, quando se fala em planejamento patrimonial e sucessório com a utilização de empresas holdings, há de se atentar para a finalidade última dessas empresas. Se a holding for criada para a compra, venda e aluguel de imóveis, os bens imóveis conferidos ao seu capital poderão ser tributados pelo ITBI no momento da integralização.
Se, por outro lado, o objetivo da holding for deter bens imóveis para uso próprio, sem o recebimento de aluguéis ou venda a curto prazo, a conferência dos imóveis poderá gozar de imunidade tributária, ou seja, não gerar pagamento de ITBI. Neste particular, o não pagamento do ITBI, via de regra, exige a apresentação de documentos junto à Prefeitura Municipal da localidade do imóvel e a emissão de guia de exoneração, sem a qual não é possível o registro do bem junto ao Cartório de Registro de Imóveis.
Tão importante quanto a guia de exoneração, é de se notar que alguns municípios têm exigido a apresentação anual das demonstrações financeiras da empresa, demonstrando a inexistência de receita imobiliária preponderante.
Assim sendo, tem-se que embora a integralização de bens imóveis possa ser uma oportunidade interessante para planejamento patrimonial, sucessório e tributário, ela exige uma análise ampla de diversos aspectos.
Bruno Chaves Santos Cordeiro, advogado, mestre em Direito Empresarial pela UFMG, LL.M pela New York University (NYU), sócio do Battella, Lasmar & Silva Advogados.
[1] Lei 9249/95 – Art. 23. As pessoas físicas poderão transferir a pessoas jurídicas, a título de integralização de capital, bens e direitos pelo valor constante da respectiva declaração de bens ou pelo valor de mercado. § 1º Se a entrega for feita pelo valor constante da declaração de bens, as pessoas físicas deverão lançar nesta declaração as ações ou quotas subscritas pelo mesmo valor dos bens ou direitos transferidos, não se aplicando o disposto no art. 60 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, e no art. 20, II, do Decreto-Lei nº 2.065, de 26 de outubro de 1983. § 2º Se a transferência não se fizer pelo valor constante da declaração de bens, a diferença a maior será tributável como ganho de capital.
Atualmente, ocorre importante discussão no Supremo Tribunal Federal acerca da abrangência da imunidade em relação ao ITBI na integralização de imóvel ao capital social. É discutido no caso concreto se a imunidade se restringe ao valor constante do contrato social, devendo ser tributado o valor de mercado que exceder o valor integralizado. (Tema 796)
[2] As capitais brasileiras têm adotado em média alíquota de 3% sobre o valor do imóvel.
[3] Código Tributário Nacional –“Art. 37. O disposto no artigo anterior não se aplica quando a pessoa jurídica adquirente tenha como atividade preponderante a venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição.
§ 1º Considera-se caracterizada a atividade preponderante referida neste artigo quando mais de 50% (cinquenta por cento) da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos 2 (dois) anos anteriores e nos 2 (dois) anos subsequentes à aquisição, decorrer de transações mencionadas neste artigo.
§ 2º Se a pessoa jurídica adquirente iniciar suas atividades após a aquisição, ou menos de 2 (dois) anos antes dela, apurar-se-á a preponderância referida no parágrafo anterior levando em conta os 3 (três) primeiros anos seguintes à data da aquisição.”
Cabe ao fisco municipal a incumbência de verificar as demonstrações contábeis, os contratos/estatutos sociais e a atividade preponderante da empresa, conforme previsto na legislação. Eventualmente, o fisco poderá desconstituir, de forma justificada, tentativa de simulação/ocultação da atividade preponderante da empresa e cobrar o ITBI.
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