Por Fernando Pacheco Di Francesco
Apesar da contínua manutenção da taxa Selic em dois dígitos e das novas regras de tributação de investimentos no exterior (conforme previsto pela Lei nº 14.754/23 e regulamentado pela Instrução Normativa nº 2.180/24), os brasileiros têm mostrado apetite cada vez maior para realizar investimentos fora do País.
Conforme tem se noticiado, dados publicados pelo Banco Central indicariam que, somente no ano de 2023, brasileiros investiram mais de USD 45 bilhões no exterior[1].
Diversas razões podem explicar o crescente apetite dos brasileiros por investimentos internacionais, incluindo: (1) diversificação do patrimônio; (2) acesso a novos mercados e produtos; (3) busca por maior rentabilidade; (4) aversão ao “risco Brasil”; e (5) planejamento patrimonial e sucessório.
Esse movimento é impulsionado por diferentes fatores, entre os quais certamente se destacam: (1) a recente reforma cambial, que modernizou e flexibilizou diversas normas cambiais, permitindo que os bancos brasileiros incentivem seus clientes residentes no Brasil a realizar investimentos no exterior, inclusive oferecendo a abertura de contas bancárias internacionais; (2) o surgimento de plataformas digitais que simplificam a abertura de contas bancárias e a realização de investimentos fora do país; e (3) a recente reforma dos fundos de investimento, que ampliou os limites para que esses fundos possam investir de forma mais relevante em ativos internacionais.
Nesse contexto, também notamos que o perfil dos brasileiros que tipicamente investem no exterior mudou bastante ao longo do tempo. Se antigamente era comum que esse tipo de investimento fosse restrito às famílias com patrimônio substancialmente elevado, hoje em dia isso já não se aplica mais.
Atualmente, o perfil do brasileiro que investe no exterior é bastante diverso, cabendo mencionar especialmente aqueles que: (1) investem em ativos estritamente financeiros no exterior – por exemplo, as ações de companhias abertas no exterior (atualmente, fala-se muito dos títulos do tesouro americano, das ações das big techs – Apple, Amazon, NVidia, Meta etc.); (2) investem em imóveis no exterior – por exemplo, as famílias que adquirem imóveis principalmente nos Estados Unidos e em Portugal. Muitas vezes esse tipo de investimento não busca apenas um retorno financeiro, mas também a possibilidade de obtenção de visto de residência ou até de nacionalidade, tal como o já bastante conhecido programa de Golden Visa em Portugal; ou (3) são detentores de ações de empresas sediadas no exterior, principalmente em razão de planos de opção de compra de ações (as conhecidas stock options).
Por motivos que incluem facilidade para captação de recursos, é cada vez mais comum que startups brasileiras sejam constituídas no Brasil, tendo como único sócio um veículo offshore. Os fundadores, investidores e os funcionários-chave recebem, então, ações de emissão desse veículo offshore.
Em qualquer um dos cenários acima, nota-se que muitas vezes o investimento no exterior é feito sem qualquer cuidado e sem o mero conhecimento das possíveis implicações jurídicas, principalmente no contexto familiar e sucessório, o que pode resultar em situações indesejadas no futuro.
Para ilustrar, podemos usar como exemplo a situação do cidadão brasileiro que decide investir, por meio de alguma plataforma digital (portanto, por uma conta aberta diretamente pela pessoa física), em ações de companhias americanas listadas em bolsa de valores dos Estados Unidos.
No caso específico de falecimento desse cidadão brasileiro (que investe em ativos financeiros americanos diretamente pela sua pessoa física), poderá ser necessário realizar tanto a abertura de processo de inventário nos Estados Unidos (em inglês, probate), quanto o recolhimento do imposto de herança (em inglês, estate tax).
Caso aplicáveis, ambos os procedimentos – abertura de inventário e recolhimento do imposto de herança– devem ser conduzidos diretamente nos Estados Unidos, com o auxílio de advogados americanos. Sem que haja um planejamento correto, esses procedimentos tendem a ser não apenas necessários, mas também trabalhosos e bastante custosos.
Vale, ainda, destacar que esses procedimentos americanos seguirão de forma paralela ao tradicional processo de inventário no Brasil, podendo o processo brasileiro ser impactado pelo processo americano (e vice-versa). Em outras palavras, sem um planejamento correto, os sucessores desse investidor terão trabalho e custos redobrados.
Em algumas dessas plataformas digitais já existem sugestões de medidas que podem ser adotadas por seus clientes para evitar a necessidade de abertura de um inventário. Essas sugestões incluem: (1) conta individual com o formulário TOD (Transfer on Death – TOD): nesse caso, o cliente indica alguns beneficiários (necessariamente maiores de idade) para que, em caso de falecimento do cliente, os ativos sejam automaticamente transferidos aos beneficiários; (2) conta conjunta (Joint Tenants With Rights of Survivorship – JTWROS): nesse caso, a conta é aberta em nome do cliente e de outras pessoas indicadas pelo cliente (por exemplo, seu cônjuge e filhos). No falecimento de algum deles, os demais assumem a titularidade da parte originalmente detida pelo falecido; e (3) investimento via sociedade offshore (usualmente via uma Private Investment Company – PIC): nesse caso, o cliente não fará o investimento diretamente por sua pessoa física, mas sim por intermédio de um veículo constituído para esse fim.
As sugestões acima podem, sim, evitar a necessidade de abertura de inventário. Essas sugestões, entretanto, possuem outras implicações que não podem ser ignoradas, tal como o custo financeiro (aplicável especialmente no caso de constituição de sociedade offshore), ou pelas eventuais consequências do ponto de vista familiar (aplicável em todos os casos, considerando principalmente situações de divórcio).
Além disso, ainda que seja possível evitar a necessidade de abertura de um processo de inventário nos Estados Unidos – seja pela conta individual com o formulário TOD, seja com a conta conjunta – é possível que o recolhimento do imposto de herança americano continue sendo devido.
O recolhimento (ou não) do imposto americano dependerá de outros fatores como, por exemplo, o valor e a natureza dos ativos investidos. Isso também deverá ser analisado caso a caso, com auxílio de advogado americano (ou de outra jurisdição, conforme for aplicável).
No caso específico do investimento via sociedade offshore, o imposto de herança dos Estados Unidos não será aplicável, justamente porque os ativos são detidos pela sociedade (e não pelo indivíduo em si). No entanto, será necessário entender no detalhe como funcionará o processo de inventário que deverá haver na jurisdição em que a offshore estiver constituída.
Para evitar os problemas mais usuais inerentes aos investimentos no exterior, os brasileiros devem estar cientes de várias questões jurídicas, incluindo: (1) Obrigações fiscais relacionadas ao investimento, tanto no Brasil quanto no país onde o investimento é realizado, que variam conforme caso a caso; (2) Obrigações regulatórias de divulgação perante o Banco Central, conforme recentemente alteradas pela reforma cambial, bem como possíveis exigências no país do investimento; e (3) Consequências jurídicas, especialmente considerando eventos matrimoniais, sucessórios e de residência fiscal, considerando tanto os aspectos brasileiros, quanto os aspectos do país onde o investimento é realizado.
É crucial, portanto, que qualquer investimento no exterior seja prévia e devidamente planejado, conforme as necessidades de cada pessoa. Isso evitará riscos como (1) realização de processo complexo e custoso de inventário no exterior, que muitas vezes poderia ser dispensado ou simplificado, (2) recolhimento incorreto de tributos, (3) ausência e/ou inconsistências na divulgação de informações à Receita Federal e/ou ao Banco Central, entre outros.
E, embora em alguns casos até seja possível corrigir ou minimizar problemas já existentes por conta de um investimento mal planejado, é sempre mais eficiente e econômico preparar-se antecipadamente e montar, desde o início, a estrutura mais apropriada para cada caso.
É de esperar que o brasileiro tenha, cada vez mais, maior acesso e facilidade para realizar os mais variados tipos de investimentos no exterior. Isso será ainda mais nítido se houver uma futura redução da taxa de juros no Brasil, o que tornará esses investimentos ainda mais atrativos. Portanto, os cuidados mencionados acima não deveriam continuar sendo ignorados.
[1]Conforme acessado em setembro/2024 no site: https://www.infomoney.com.br/onde-investir/brasileiro-descobre-contas-internacionais-e-manda-us-45-bi-para-fora-em-um-ano/
Fernando Pacheco Di Francesco, é advogado do escritório CGM Advogados, especializado em planejamento patrimonial e sucessório, direito societário e fusões e aquisições. Graduado pela PUC-SP, possui LL.M. em Direito Societário pelo Insper e LL.M. em Direito pela Universidade da Califórnia, Berkeley.
OS MELHORES LIVROS SOBRE PLANEJAMENTO PATRIMONIAL E SUCESSÓRIO, E TRIBUTAÇÃO DE ATIVOS NO EXTERIOR, ESTÃO NA EDITORA B18.