Por David Roberto R. Soares da Silva
Faltam poucos dias para o final de 2024 e a contagem regressiva para 2025 não deve levar em conta apenas as festas de final de ano, especialmente para quem possui investimentos no exterior por meio de entidades controladas, as chamadas empresas offshore. O tempo está acabando para quem quer adotar alguma forma de planejamento. É sobre isso que falaremos nesse artigo.
Como já amplamente divulgado desde o final de 2023, a Lei nº 14.754/2023 trouxe mudanças significativas na forma de tributação de ativos no exterior, especialmente aplicações financeiras e lucros de entidades controladas no exterior. A Parte 1 deste artigo tratou de algumas medidas de planejamento para as aplicações financeiras no exterior[1]. Esta Parte 2 trata de medidas para quem possui investimentos por meio de empresas offshore.
Para evitar dúvidas terminológicas, adotaremos a expressão entidade controlada para nos referirmos às empresas offshore (1) detidas por pessoa física residente no Brasil e que (2) mantêm investimentos passivos no exterior, especialmente investimentos financeiros, e que estão localizadas em países que não tributam a renda (ou a tributam com alíquotas mínimas), os chamados paraísos fiscais.
Para essas entidades, a Lei nº 14.754/2023 determinou que o lucro auferido a partir de 1º de janeiro de 2024 seja tributado automaticamente na Declaração de Ajuste Anual (DAA) de 2025 e anos subsequentes. Assim, 2025 será o primeiro ano em que esses lucros serão apurados e tributados pela pessoa física em sua DAA, à alíquota de 15%, independentemente de ter havido distribuição desses lucros ao acionista.
Dito isso, analisemos pontos importantes que merecem atenção ainda em 2024 para atenuar os efeitos da lei e da nova tributação.
Contabilidade e ganhos não realizados
Uma das grandes novidades trazidas pela Lei nº 14.754/2023 foi a obrigatoriedade da preparação de demonstrações financeiras das entidades controladas no exterior seguindo as regras contábeis brasileiras. É o que estabelece o Art. 5º, § 10 da lei:
Art. 5º. (…)
§ 10. Os lucros das controladas enquadradas nas hipóteses previstas no § 5º deste artigo serão:
I – apurados de forma individualizada, em balanço anual da controlada, direta ou indireta, no exterior, com exclusão dos resultados da controlada, direta ou indireta, da parcela relativa às participações desta controlada em outras controladas, inclusive quando a entidade for organizada como um fundo de investimento, o qual deverá ser elaborado com observância:
a) aos padrões internacionais de contabilidade (International Financial Reporting Standards – IFRS), ou aos padrões contábeis brasileiros, a critério do contribuinte; ou
b) aos padrões contábeis brasileiros, caso esteja localizada em país ou em dependência com tributação favorecida ou seja beneficiária de regime fiscal privilegiado de que tratam os arts. 24 e 24-A da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996.
No que toca os investimentos financeiros nas demonstrações contábeis, as regras contábeis internacionais (IFRS), adotadas pelo Brasil, vão no sentido de que a entidade deve classificar os ativos financeiros com base tanto: (a) nas características de fluxo de caixa contratual do ativo financeiro, quanto (b) no modelo de negócio da entidade para a gestão dos ativos financeiros. Essa sistemática está contida no IFRS 9, refletida no Brasil no CPC 48. O CPC 48, que é o padrão contábil brasileiro na acepção da Lei nº 14.754/2023, apresenta três métodos para classificação de ativos financeiros para fins contábeis, sendo eles: (1) Custo amortizado (CA); (2) Valor Justo por meio de Outros Resultados Abrangentes (VJORA); e (3) Valor Justo por meio do Resultado (VJRE ou VJR).
Já tive a oportunidade de discorrer sobre esses métodos há quase um ano e meio[2], mas para aqueles não tiveram a oportunidade de lê-lo, faço uma breve síntese sobre os dois principais métodos que podem ter impacto significativo na apuração do lucro do exercício e, consequentemente, no IR a pagar em 2025.
Em linhas bem gerais, pelo VJORA, a variação do valor de um investimento financeiro ao longo do ano – que não tenha sido vendido – é alocada a uma conta de patrimônio líquido, chamada “Outros resultados abrangentes”, não afetando o resultado do exercício. Somente quando esse investimento é realizado (vendido), o eventual ganho é reconhecido como receita e comporá o lucro a ser reportado e tributado na DAA do contribuinte. Se o investimento perder valor durante o ano, mas não for alienado, a variação negativa não afeta o lucro do ano.
No VJRE, por outro lado, a variação (positiva ou negativa) do valor de um investimento financeiro durante o ano – mesmo que não tenha sido vendido – é alocada diretamente no resultado, compondo o lucro do ano. Assim, pelo VJRE, um investimento que variou de $ 1000 para $1500 durante o ano, mas não foi vendido, exigirá que $500 sejam alocados como receita da entidade controlada e comporá o lucro do exercício. Da mesma forma, um investimento que variou negativamente de $ 2000 para $300, permitirá que se reconheça um prejuízo de $1700, mesmo que o ativo não tenha vendido.
A escolha entre um ou outro método não pode vir da mera vontade do titular da entidade controlada, mas deve ser precedida de uma análise detalhada da composição da carteira e da política de investimentos adotada.
Muitos investidores estão recebendo comunicações de seus contadores indagando sobre o método a ser adotado para a mensuração e contabilização dos investimentos financeiros, exigindo a formalização dessa decisão a fim de se resguardarem de eventuais questionamentos.
Isso porque a Receita Federal já se manifestou – sem base legal – no sentido de que o método “padrão” para a contabilização dos investimentos financeiros nas entidades controladas deve ser o VJRE. Essa manifestação se deu por meio da resposta à pergunta 32 do Perguntas e Respostas sobre a Lei nº 14.754/2023, que diz:
“32. Como devem ser contabilizadas as aplicações financeiras detidas por entidades offshore, segundo as regras do IFRS e do BR GAAP?
Como regra geral, as aplicações financeiras, inclusive participações societárias minoritárias (por exemplo, ações negociadas em bolsa) são contabilizadas a valor justo, com as contrapartidas sendo registradas no resultado do exercício, de acordo com o disposto no CPC 48 e no IFRS 9, tanto no IFRS, quanto no BR GAAP, independentemente do porte da offshore.
As exceções que permitem a contabilização pelo custo amortizado ou pelo valor justo em contrapartida a outros resultados abrangentes são restritas a modelos de negócios específicos. A título exemplificativo, ações negociadas em bolsa não devem se enquadrar nessas exceções, sobretudo nos casos em que o modelo de negócios da entidade, a ser verificado na prática (e não somente pela intenção da administração), inclui a compra e venda desses ativos e se a marcação a mercado for relevante para analisar a performance da entidade.
Caso o contribuinte entenda que se enquadra em alguma dessas exceções, é importante ter em mente que haverá fiscalização por parte da RFB para verificação do enquadramento e, em caso de incorreção no balanço, haverá a lavratura de auto de infração para cobrança do imposto de renda sobre o lucro não contabilizado, com acréscimo de juros e multa.”
Essa manifestação da Receita Federal tem assustado (e com razão) muitos contadores, especialmente o seu último parágrafo que trata da fiscalização e auto de infração.
Sem entrar no mérito sobre se o CPC 48 determina como regra a adoção do VJRE (ele não determina essa regra), é importante ter em mente que a escolha do método de contabilização não deve recair nas costas do contador. Ela deve ser uma decisão da administração da entidade controlada, comunicada ao contador.
Como a própria Receita Federal reconhece, o VJORA pode se adotado se assim permitir o modelo de negócios da entidade controlada. Esse modelo de negócio é verificado mediante uma análise detalhada da composição da carteira e da política de investimento adotada na prática.
E aí está a oportunidade.
Uma revisão completa do comportamento da carteira e da política de investimento pode permitir a adoção do VJORA. Sendo esse o caso, a recomendação seguinte é formalizar o resultado dessa análise e decisão pelo VJORA em uma ata de reunião assinada pela diretoria da entidade controlada. A lei não estabelece prazo para essa ata, mas o ideal é que ela ocorra antes da finalização das demonstrações financeiras de 2024 para já incorporar essa medida.
A análise e a ata são fundamentais para sustentar a adoção do VJORA, caso haja questionamento pela Receita Federal. Se adotado o VJORA sem qualquer critério e sem formalização, o risco de autuação em caso de fiscalização pela Receita Federal parece ser bastante alto. E a redação da ata deve ser feita cuidadosamente, demonstrando que foi, de fato, feita uma análise detalhada e que o seu resultado está em linha com os critérios para a adoção do VJORA, nos termos estabelecidos pelo CPC 48. Quanto mais detalhada e robusta for a análise e a ata, menores serão as chances de questionamento da Receita Federal sobre a adoção do VJORA.
A ausência de qualquer tipo de formalização para utilizar o VJORA pode fazer com que a Receita Federal exija a adoção do VJRE, com a tributação dos ganhos não realizados. A tributação de 15% sobre resultado não realizado virá acompanhada de multa de 75% sobre o IR devido, mais juros calculados pela taxa SELIC, em caso de autuação.
Por isso, é bom não menosprezar as consequências da adoção do VJORA sem as precauções descritas acima.
Realização de prejuízos
Sabe aquele ativo financeiro que você acreditava que ia explodir, mas que até agora somente deu prejuízo? Pois é, talvez o final do ano seja o momento ideal de vendê-lo e realizar o prejuízo ainda em 2024.
A consequência dessa venda será a possibilidade de gerar perdas que poderão ser compensadas com lucros e rendimentos realizados em 2024, permitindo otimização tributária.
Assumamos que a offshore de Julia tenha comprado dois ativos financeiros (A e B), ambos por $ 10.000. Ao final de 2024, a offshore vende o ativo A por $ 13.000, realizando um ganho de $ 3.000; na mesma data, o ativo B está cotado a $ 6.000, mas ainda é mantido em carteira.
A ser mantida esta situação, sem a venda do ativo B, a offshore ao final de 2024 terá apurado um lucro tributável de $ 3.000, gerando imposto de renda devido de $ 450, a ser pago na Declaração de Ajuste Anual de 2025 de Julia.
Agora, se Julia vende o ativo B em 2024 por $6.000, o resultado líquido do ano será um prejuízo de $1.000 (lucro de $ 3.000 menos perda de $ 4.000). Neste caso, Julia não apenas não pagará $ 450 de IR, como poderá carregar o prejuízo de $ 1.000 para compensar com lucros dos anos seguintes de sua offshore.
Mas digamos que Julia goste do ativo B e realmente acredita que ele irá se valorizar futuramente. Ora, nada a impede de vendê-lo ainda em 2024, realizando o prejuízo, para tempos depois readquiri-lo. Com a venda, gera-se uma perda dedutível e a compra posterior do ativo atenderá o desejo de ver o ativo B em carteira.
Mesmo que esse não seja o seu caso (venda e recompra), vale a pena pensar em revisar a carteira de investimento nos últimos dias que restam de 2024 e verificar se não há ativos depreciados que, se vendidos, possam permitir a realização de perdas ainda este ano que permitirão reduzir os lucros e rendimentos realizados em 2024. Essa revisão pode significar uma economia interessante de IR já na Declaração de Ajuste Anual a ser entregue a partir de março de 2025.
Despesas
A contabilização correta de despesas pode ser um aliado importante na redução do lucro da entidade controlada. A Lei nº 14.754/2023 não proíbe a dedução de despesas, exigindo apenas que se observe os princípios contábeis.
Assumindo uma entidade controlada cujo objetivo seja realizar investimentos financeiros, temos que várias despesas corriqueiras podem ser deduzidas, como despesas bancárias (tarifas), serviços de aconselhamento financeiro e advisory, taxas anuais recorrentes como reportes de CRS, FATCA e agente registrado, custos com diretoria profissional, custos com a contabilidade, comissões pagas a terceiros na aquisição de ativos, assessoria jurídica e tributária, despesas financeiras (juros) etc.
A depender dos investimentos mantidos na entidade controlada, outras despesas podem também ser computadas. Imagine, por exemplo, uma entidade controlada que mantenha ativos imobiliários: despesas com manutenção, consertos, depreciação etc. também podem ser deduzidas. No caso de investimentos em startups, o que dizer das despesas de viagem para reuniões com a administração dessas empresas, incluindo despesas com passagens e hospedagens?
Se até 2023 essas despesas eram desprezadas, pois o lucro não era automaticamente tributado no Brasil, a partir de 2024 a sua correta contabilização pode oferecer alguma oportunidade de redução tributária.
Futuras capitalizações
Pensando no futuro, se os planos incluírem novos aportes de recursos na entidade controlada, talvez valha a pena considerar fazê-lo por meio de empréstimos ao invés de aumentos de capital.
Em artigo recente[3], demonstrei que a realização de aportes em entidade controlada como empréstimo ou aumento de capital possui tratamento tributário distinto sob a Lei nº 14.754/2023, com alguma vantagem para o empréstimo. Aqui não estamos falando de vantagem tributária para a entidade controlada em si, mas para o seu sócio ou acionista.
Na redução de capital de uma entidade controlada, a Lei nº 14.754/2023 (Art. 7º) determina que a variação cambial verificada entre a data do aporte e a data da redução deve ser tributada como ganho de capital, sujeito às alíquotas progressivas de 15% a 22,5%, e com pagamento do imposto no último dia útil do mês subsequente à percepção dos ganhos.
Para a devolução de empréstimos originalmente feitos para a entidade controlada, o tratamento tributário da variação cambial dado pela Lei nº 14.754/2023 é outro. Operações de crédito (leia-se, empréstimos) em que o devedor seja domiciliado no exterior (entidade controlada), são tratadas como aplicações financeiras pelo Art. 3º, § 1º, inciso I da Lei nº 14.754/2023. E, como tal, a variação cambial verificada entre a data do empréstimo e o seu pagamento é considerada como rendimento de aplicações financeiras (inciso II do § 1º do mesmo Art. 3º). A consequência de considerar essa variação cambial do empréstimo como rendimento de aplicação financeira no exterior é que esse tipo de rendimento é tributado à alíquota de 15% (Art. 2º, § 1º da Lei nº 14.754/2023) e o pagamento do imposto somente é feito no ano seguinte (e não no mês seguinte), mais precisamente na Declaração de Ajuste Anual.
Assim, temos que os aportes feitos como empréstimos (e não como aumento capital) permitem não apenas a redução da alíquota sobre a variação cambial (de até 22,5% para 15%), como estendem o prazo para pagamento do imposto (na Declaração de Ajuste Anual e não no mês seguinte).
E em tempos de dólar indo às alturas, a variação cambial pode ser expressiva, assim como a tributação correspondente.
Conclusões
As comemorações de final de ano estão chegando, mas antes de estourar a champagne na virada, vale a pena dedicar algum tempo sobre possíveis oportunidades tributárias que podem não estar disponíveis depois que o Ano Novo chegar…
Boas Festas!
[1] Acesse: https://www.b18.com.br/investimentos-no-exterior-e-ir-2025-hora-de-se-preparar-parte-1/
[2] Acesse: https://www.b18.com.br/investimentos-financeiros-via-offshore-e-mp-1171-uma-analise-pratica/
[3] Acesse: https://www.b18.com.br/investimento-em-offshore-via-capital-ou-emprestimo-e-seus-efeitos-tributarios/
David Roberto R. Soares da Silva é advogado tributarista especializado em planejamento patrimonial e sucessório, sócio do BLS Advogados, e autor de Tributação das aplicações financeiras, empresas offshore e trusts no exterior (2024), Construindo o Planejamento Patrimonial e Sucessório: Análise de casos reais (2023), do Brazil Tax Guide for Foreigners (2010-2021), e coautor do Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos (2022), Renda Variável (2021) e Tributação da Economia Digital no Brasil (2020), todos publicados pela Editora B18.
SAIBA TUDO SOBRE TRIBUTAÇÃO DE OFFSHORE E APLICAÇÕES FINANCEIRAS NO EXTERIOR COM O NOSSO BEST-SELLER: