Por David Roberto R. Soares da Silva
O PL 4173, aprovado recentemente na Câmara dos Deputados e que muda a forma como são tributados os investimentos no exterior, tem gerado muitas dúvidas sobre se ainda vale manter investimentos no exterior por meio de empresa offshore, ou se faz mais sentido acabar com essas estruturas e investir direto na pessoa física. Tomo a liberdade de fazer algumas considerações.
A. Regras gerais do PL 4173
Para saber o que é mais vantajoso, primeiro, é necessário entender as principais regras contidas no PL 4173, assumindo que elas não sejam alteradas significativamente na sua conversão em lei.
Vamos a elas, valendo a ressalva de que o foco dessa análise são as aplicações financeiras no exterior. Não entraremos em detalhes sobre as definições de aplicações financeiras ou de empresas controladas, nos limitando a uma análise mais geral sobre a tributação.
Em linhas gerais, o PL 4173 unifica a forma como as aplicações financeiras no exterior são tributadas, deixando de aplicar critérios distintos de acordo com o tipo de renda (rendimentos ou ganhos) e acabando com o recolhimento mensal do imposto. A partir da sua conversão em lei, todos os rendimentos de aplicações financeiras mantidos por pessoas físicas no exterior passarão a ser informados diretamente na Declaração de Ajuste Anual (DAA) e tributados à alíquota única de 15%.
Para quem investe no mercado financeiro internacional por meio de empresa offshore, há uma mudança radical na tributação. Se até agora os lucros da offshore somente eram tributados quando havia uma distribuição de dividendos ao sócio (Carnê-Leão com tributação de até 27,5%), o novo regime acaba com esse diferimento e estabelece a tributação automática anual desses lucros, observadas certas condições, nos mesmos moldes da pessoa física, ou seja, 15% na DAA.
Em uma perspectiva ampla, pode parecer, à primeira vista, que o PL 4173 igualou a tributação de aplicações financeiras no exterior – via pessoa física ou por meio de offshore -, valendo a pergunta se ainda vale à pena manter a pessoa jurídica dado que ela gera custos de manutenção, taxas anuais, contabilidade etc. A pergunta pode fazer ainda mais sentido quando se o olha o Art. 8 do PL 4173, que permite à pessoa física ‘desconsiderar’ a offshore para fins tributários e reconhecer rendimentos e ganhos como se fossem auferidos diretamente.
B. Pessoa física ou offshore?
Embora o momento da tributação (anual) e a alíquota (15%) sejam os mesmos, quando se olha as regras do PL 4173 com mais detalhe, alguns pontos chamam a atenção e podem trazer consequências bastante distintas ao investidor. Vamos a elas.
Ganhos de capital
Em breves linhas, ganhos de capital são o resultado positivo percebido na alienação (venda, por exemplo) de um ativo quando comparado com o seu custo de aquisição. Na letra fria do PL 4173, nem todos os ganhos podem ser considerados como rendimentos de aplicações financeiras sujeitos ao regime de tributação anual e alíquota de 15%.
O Art. 3º, § 1º, inciso II do PL 4173 considera rendimento de aplicações financeiras, entre outras coisas, os “ganhos em negociações no mercado secundário, inclusive ganhos na venda de ações das entidades não controladas em bolsa de valores no exterior.” Ou seja, apenas esses ganhos podem ser incluídos no regime, o que basicamente exclui operações que não sejam realizadas em mercado secundário, como bolsa de valores.
Assim, enquanto ações negociadas em bolsa claramente se sujeitam ao regime de tributação anual à alíquota de 15%, pois o seu resultado positivo se enquadra no conceito do inciso II, o mesmo não ocorre com a venda de participações em outros tipos de empresas, como em start-ups, especialmente se não tiverem ações negociadas em bolsa. De maneira similar, enquanto a venda de cotas de fundos negociados em mercados abertos (secundário) se beneficia dos 15% na DAA, a venda de cotas de fundos fechados de private equity ou venture capital, ou mesmo o resgate dessas cotas (normalmente fora de bolsa), não se enquadra como ganho de aplicações financeiras na acepção do PL 4173 para fins da alíquota de 15% na DAA. Para esses ganhos, a pessoa física investidora estará sujeita às regras gerais de ganho de capital, quais sejam, alíquotas progressivas de 15% a 22,5% com recolhimento mensal do imposto sobre ganho de capital.
Veja, por exemplo, a diferença entre a venda de ações em bolsa e a venda de ações de uma start-up ou cotas de fundo de private equity fora de bolsa, assumindo um ganho de US$ 3 milhões (cerca de R$ 15 milhões).
A venda das ações em bolsa pela pessoa física gera um IR de R$ 2,25 milhões (15%) a serem pagos na DAA. Já a venda do fundo de private equity ou start-up resulta na aplicação das alíquotas progressivas (15% a 22,5%), gerando um imposto de R$ 2,625 milhões (17,5%), cujo pagamento deverá ocorrer no mês seguinte ao recebimento.
Todavia, se ações da start-up ou cotas de fundo de private equity forem mantidas em uma offshore, todo o ganho de capital nessa venda será considerado lucro de controlada no exterior e deverá ser tributado à alíquota de 15% na DAA. O mesmo tratamento se aplica a outros ganhos excluídos como rendimentos de aplicações financeiras, como, por exemplo, o ganho de capital na venda de imóveis, aeronaves, embarcações e até mesmo obras de arte.
Assim, para certos tipos de investimento, a manutenção da offshore pode permitir ‘transformar’ um ganho fora das regras do PL 4173, com tributação mensal e mais alta, em um lucro de controlada no exterior com imposto de 15% na DAA.
Variação cambial
Outro ponto pouco explorado diz respeito à tributação da variação cambial. O PL 4173 revoga regras de origem do rendimento utilizado para compras de ativos no exterior e, caso aprovado, a regra geral será a de apuração de ganho de capital em reais, o que significa dizer que a variação cambial, em todas as hipóteses, será sempre tributada como rendimento de aplicações financeiras.
Para explicar os efeitos dessa tributação em um investimento financeiro na pessoa física ou na offshore, consideremos que João e Maria enviaram US$ 1 milhão ao exterior para investir em ações da empresa Not So Sure Inc. O câmbio de remessa era R$ 5,00. João enviou para uma conta de corretora no exterior e Maria envio para sua offshore, que irá fazer a compra. Ambos compraram 10 mil ações da Not So Sure Inc por US$ 100.
Na DAA, João tem registrado R$ 5 milhões em 10 mil ações da Not So Sure Inc e Maria R$ 5 milhões em investimento na sua offshore.
Passados alguns meses, ambos vendem as ações da Not So Sure Inc a US$ 95 por ação, totalizando US$ 950 mil, ou seja, com prejuízo de US$ 50 mil. Nesse momento, o câmbio subiu para R$ 5,50.
Pelas regras do PL 4173, João irá apurar ganho nessa operação da seguinte forma:
João
Preço de venda = R$ 5.225.000 (US$ 950.000 x R$ 5,50)
Custo de aquisição = R$ 5.000.000 (US$ 1 milhão x R$ 5,00)
Ganho de capital = R$ 225.000
IR a pagar na DAA = R$ 33.750 (15%)
Como Maria vendeu as ações pela sua offshore, a situação é diferente, pois a variação cambial será desconsiderada e o ganho/prejuízo deve ser apurado na moeda do investimento e irá compor o lucro/prejuízo da offshore e não de Maria diretamente. Assim, temos a seguinte situação:
Offshore da Maria
Preço de venda = US$ 950.000
Custo de aquisição = US$ 1.000.000
Prejuízo na venda = (US$ 50.000)
Ganho em R$ = zero
IR a pagar = zero
Na DAA do ano seguinte, João deverá desembolsar R$ 33.750 em imposto de renda, mesmo tendo tido prejuízo (em dólares na venda), pois o câmbio se apreciou no período.
Maria, por sua vez, não terá imposto de renda a pagar, pois a sua offshore terá tido prejuízo em moeda estrangeira, não havendo lucro a ser convertido para reais e tributado na DAA. Mas não é só isso. O prejuízo de US$ 50 mil poderá ser ‘guardado’ pela offshore de Maria para compensar lucros futuros da sua offshore. Ou seja, não apenas não pagou imposto no Brasil, como ainda ‘ganhou’ um crédito de US$ 50 mil que reduzirá o lucro da sua offshore em anos posteriores e, consequentemente, o IR a pagar. É o que determina o § 14 do Art. 5º do PL 4173.
Vale notar que o PL 4173 também permite que as perdas da pessoa física também sejam compensadas com ganhos futuros. No entanto, como visto no exemplo de João, não houve perda, pois a lei exige que o ganho na pessoa física seja apurado em reais. Se a taxa de câmbio tivesse permanecido a mesma, João poderia aproveitar essa perda (em reais) contra resultados positivos futuros (também em reais).
Assim, a conclusão que fica é que a offshore permite eliminar a variação cambial na apuração de ganhos de capital, oferecendo mais eficiência tributária em caso de perdas nos investimentos.
Por fim, vale o comentário de que se a pessoa física com offshore utilizar a ‘opção’ de transparência para tributar os investimentos como se fossem detidos diretamente, o efeito tributário aplicável, usando os exemplos acima, seria o de João e não o de Maria.
Ponto de atenção.
Imposto pago no exterior
Um último comentário diz respeito ao aproveitamento do imposto pago no exterior.
Para as pessoas físicas, a regra contida no Art. 4º do PL 4173 é aquela já em vigor há muitos anos, ou seja, o imposto do exterior somente pode ser compensado contra o IRPF devido no Brasil em caso de existência de tratado internacional ou acordo de reciprocidade. Diz o Art. 4º:
“Art. 4° As pessoas físicas que declararem rendimentos de que trata esta Seção poderão deduzir do IRPF devido na ficha da DAA de que trata o art. 2° o imposto sobre a renda pago no país de origem dos rendimentos, desde que:
I – a compensação esteja prevista em acordo ou convenção internacional firmado com o país de origem dos rendimentos; ou
II – haja reciprocidade de tratamento em relação aos rendimentos produzidos no País.”
O Brasil possui atualmente 37 tratados para evitar dupla tributação, contando com o reconhecimento oficial de reciprocidade para mais três países: Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha. Assim, são 40 países ao todo em que se permite que o imposto pago no exterior sobre rendimentos de aplicações financeiras seja compensado com o IRPF no Brasil.
Não se pode negar que essa gama de países representa uma parcela significativa de países nos quais os brasileiros investem. Mas não deixa de ser uma limitação.
Por outro lado, as possibilidades de compensação de imposto pago no exterior pelas empresas controladas são muito maiores, não sendo exigida a reciprocidade ou tratado.
Veja, por exemplo, a venda de um imóvel no Líbano, país que não possui tratado com o Brasil. Em caso de ganho de capital, a pessoa física poderá ter que pagar impostos no Líbano e no Brasil, não podendo compensar um imposto com o outro, além do que o IR devido aqui deverá ser pago no mês seguinte ao recebimento do preço. Por outro lado, se o imóvel for vendido por uma empresa controlada, o imposto de renda libanês poderá ser compensado contra o IR brasileiro quando a pessoa física reportar os lucros da offshore na DAA.
Nesse caso, não apenas haverá a compensação do imposto, como o regime será o do PL 4173 com apuração anual do imposto na DAA à alíquota de 15%. Além disso, os custos transacionais, como corretagem, custos de registro, honorários de advogados etc. podem ser tratados como despesas da empresa, reduzindo ainda mais o lucro tributável no Brasil.
C. Comentários finais
A conclusão a que se chega é a de que não é conveniente simplesmente se acabar com a empresa offshore para deter investimentos no exterior diretamente. Como visto, a manutenção de empresa no exterior pode oferecer algumas oportunidades interessantes, e até otimização tributária legítima.
Assim, é recomendável uma análise detalhada de cada caso antes que se tome uma decisão precipitada e que pode ser mais prejudicial do que benéfica.
Por fim, vale ressaltar que esse artigo traz apenas algumas breves anotações sobre o tema, sem a pretensão de encerrar a sua análise.
David Roberto R. Soares da Silva é advogado especializado em planejamento patrimonial e sucessório, sócio do BLS Advogados, e autor do Construindo o Planejamento Patrimonial e Sucessório: Análise de casos reais, do Brazil Tax Guide for Foreigners (2010-2020), e coautor do Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos (2022), Renda Variável (2021) e Tributação da Economia Digital no Brasil, todos publicados pela Editora B18.
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Muito bom!
Offshore é necessária ainda devido a questão sucessória.
Baita texto, uma aula!
Obrigado Eduardo. Ficamos felizes que nossos artigos sejam apreciados.