Se você pretende organizar seu patrimônio, principalmente em relação aos bens imóveis, creio que esse artigo será de grande valor. Em virtude do recente posicionamento do STF em relação ao limite da imunidade tributária do ITBI sobre o valor dos imóveis, quando se trata de integralização de capital social, uma outra questão de grande relevância surge: existe alguma condição para que o contribuinte tenha direito a essa benesse fiscal?
Melhor dizendo, a imunidade na integralização de bens imóveis ao capital social da empresa é condicionada ou incondicionada? É o que se explica a seguir.
A integralização de bens móveis e imóveis ao capital social da pessoa jurídica é expediente muito comum, sobretudo se pensarmos que não há dispêndio de valor pelo sócio, ao menos inicialmente. Ao invés de dispor de uma quantidade expressiva de dinheiro, opta o membro da sociedade em ingressar com uma parcela de seu patrimônio mobiliário ou imobiliário.
Com isso, segrega-se o que é da pessoa jurídica e o que é da pessoa física, evitando a confusão patrimonial, e formando-se o capital social da empresa, vital para o sucesso da empreitada. O primeiro problema nesse arranjo veio a partir da relação entre o valor do bem e o valor das quotas, caso aquele seja superior a estas.
É que a Constituição Federal confere imunidade tributária em relação ao ITBI, quando há a integralização do capital social por meio de bens imóveis. Assim, o que seria fator gerador do imposto – a transmissão de imóvel ao capital social da empresa – passa a não ser mais exigido, mediante uma norma constitucional. Mas como dito, havia o problema da discrepância entre o valor do bem e da cota social.
Digamos que que a XPTO Administração de Bens Ltda., possui capital social de R$ 100 mil, divididos entre dois sócios, Sócrates e Cícero, subscrito igualmente entre eles – R$ 50.000,00 para cada. Sócrates já ingressou com sua parte, feita em dinheiro, mas Cícero pretende integralizar sua parte mediante a transferência de uma das suas propriedades imobiliárias, uma casa avaliada em R$ 150.000,00. Ora, seriam os R$ 100.000,00 também imunes à incidência do ITBI?
A resposta foi dada pelo Supremo Tribunal Federal, em repercussão geral julgada em 2020, no qual ficou decidido que “…sobre a diferença do valor dos bens imóveis que superar o capital subscrito a ser integralizado, incidirá a tributação pelo ITBI”. Ou seja, de acordo com o exemplo acima, Cícero é contribuinte do ITBI no valor de R$ 100.000,00, ou seja, do valor excedente ao capital social da empresa e alocado à reserva de capital.
Mas calma, que o problema ainda não foi totalmente solucionado. Sabe-se que sobre a diferença incide o imposto, mas resta saber quem está sujeito ao recolhimento do ITBI . Isso porque, pela letra da Constituição Federal, existem duas situações distintas quando o assunto é a imunidade tributária pela integralização de imóvel ao capital social:
Situação A – Art. 156, § 2º, I, primeira parte | Situação B – Art. 156, § 2º, I, segunda parte |
não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital | nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil |
Observe que são duas situações totalmente diversas. Enquanto a primeira (A) não condiciona a imunidade a nenhum fato isolado, a segunda (B) elege como critério de diferenciação o não exercício de atividade preponderante pela empresa, de compra e venda, locação e arrendamento mercantil de bens imóveis. Inclusive o próprio STF, quando do julgamento da Repercussão Geral acima, assume essa premissa: “Ou seja, a exceção prevista na parte final do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF/88 nada tem a ver com a imunidade referida na primeira parte desse inciso”.
Parece bem claro, correto? Nem tanto…
As prefeituras espalhadas pelo território nacional vêm considerando que, mesmo que não seja caso de fusão, incorporação, cisão ou extinção da pessoa jurídica, deve o sujeito comprovar que a atividade preponderante da pessoa jurídica não é voltada à compra e venda, locação e arrendamento mercantil de bens imóveis. Ou seja, o que o STF separou em letras garrafais, os fiscos municipais, por um “descuido” na interpretação, vêm exigindo o ITBI nas integralizações de bens imóveis ao capital social da empresa, mesmo daquelas que exerçam as atividades tidas como incompatíveis pela leitura equivocada da decisão.
Logicamente, a questão foi parar no Judiciário, com decisões esparsas pelos tribunais do país. Uma primeira de caráter relevante foi proferida Tribunal de Justiça do Distrito Federal, em apreciação da inconstitucionalidade da lei distrital que exige do contribuinte o ITBI nas condições acima narradas:
4. No julgamento do Tema 796 da Repercussão Geral, RE nº 796.376/SC, o Supremo Tribunal Federal consignou, nas razões de decidir do voto condutor do acórdão, que “a exceção prevista na parte final do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF/88 nada tem a ver com a imunidade referida na primeira parte desse inciso”. Assim, sedimentou a interpretação de que a imunidade do ITBI relativa à integralização de capital social é incondicionada e a condição de não exercer atividade preponderantemente para se beneficiar dessa imunidade alcança apenas as hipóteses de transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica.
Ainda, o juiz de primeira instância do Tribunal de Justiça do Espírito Santo concedeu a segurança em ação mandamental, conferindo os mesmos contornos do TJDF:
O caso em cotejo se aplica perfeitamente ao entendimento já citado, isso porque a autoridade coatora indeferiu pedido administrativo de não incidência do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis – ITBI sobre a incorporação de bem ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, sob o fundamento de que a empresa “teve como faturamento preponderante receitas advindas de atividades imobiliárias em sua documentação contábil, contrariando assim o disposto no Art. 9º da Lei Municipal n.º 3.571/1989 e Art. 10, § 1º, do Decreto 12.882/2006”.
Ocorre que, para além dessa definição, o acórdão proferido pelo STF acabou por fortalecer outra tese jurídica, que defende ser pura e incondicionada a imunidade tributária na incorporação de bens para integralização de capital, não havendo para esta regra qualquer exceção.
(…)
Nesse ponto importa ressaltar que em que pese o leading case não tratar especificamente sobre as hipóteses excepcionais contidas no dispositivo, a ratio decidendi do precedente está toda calcada na distinção entre as duas hipóteses de imunidade previstas no artigo 156, §2º, inciso I, da CF, nas suas primeira e segunda partes.
Como se vê, ainda são tímidas as decisões que se inclinam pela orientação dada pelo Supremo Tribunal Federal, e certamente a questão voltará à Corte para reafirmar o que já foi dito: a imunidade tributária em relação ao ITBI, quando da incorporação de bens imóveis ao capital social da empresa é incondicionada, enquanto que a vedação só se aplica às pessoas jurídicas cuja atividade preponderante seja a compra e venda, locação e arrendamento de bens imóveis, quando decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica.
Uma coisa é certa, caso o contribuinte tenha recolhido recentemente o ITBI nas condições acima, é melhor se apressar, pois não tardará que a questão volte ao Supremo Tribunal Federal, e somente com o ingresso de uma ação judicial será possível reaver o que foi indevidamente pago. Seria totalmente incoerente por parte do STF, decidir de modo contrário aos interesses do contribuinte, pois já afirmado que se trata de situações distintas. O Ministro Alexandre de Moraes, citando o Professor Kiyoshi Harada, ressalta esse aspecto de diferenciação em seu voto:
“…as ressalvas previstas na segunda parte do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF/88 aplicam-se unicamente à hipótese de incorporação de bens decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica. É dizer, a incorporação de bens ao patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital, que está na primeira parte do inciso I do § 2º, do art. 156 da CF/88, não se confunde com as figuras jurídicas societárias da incorporação, fusão, cisão e extinção de pessoas jurídicas referidas na segunda parte do referido inciso I”.
Portanto, caso tenha recolhido, ou esteja em vias de recolher o ITBI sobre integralização da capital subscrito por meio de imóveis, converse com um profissional da área, pois podem existir oportunidades.
Artur Francisco da Silva é advogado do departamento de wealth planning e tax do BLS Advogados, em São Paulo.
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