Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu decisões importantes sobre a cobrança do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) na integralização de capital social. Essas decisões, que ocorreram em dois casos distintos, esclareceram a aplicação do princípio constitucional da imunidade da cobrança do ITBI.
O ITBI é um imposto municipal que incide sobre a transferência de imóveis entre vivos e de forma onerosa. Contudo, a Constituição Federal estabelece que esse imposto não deve ser aplicado quando um bem é incorporado ao patrimônio de uma empresa na formação do capital social.
Trata-se de relevante tema nos planejamentos patrimoniais e sucessórios, uma vez que, a partir do Tema 796 do STF, muitos municípios passaram a cobrar o ITBI sobre a diferença entre o valor venal do imóvel atribuído unilateralmente pelas municipalidades e o valor integralizado como capital social.
No município de São Paulo, por exemplo, se um imóvel tem o valor venal de R$ 500 mil, mas foi integralizado por R$ 150 mil de acordo com valor histórico de aquisição constante na declaração de imposto de renda pessoa física, infelizmente tem sido cobrado o imposto sobre a diferença de R$ 350 mil, com base em interpretação equivocada da regra prevista no artigo 156, §2º, I, da Constituição, bem como do Tema 796 do STF.
Importante destacar que o contexto e a efetiva diferença mencionados no Tema 796 do STF referem-se ao valor caracterizado como ágio de subscrição, contabilmente classificado com reserva de capital no patrimônio líquido das empresas.
Na tentativa de corrigir esse severo equívoco na interpretação dos municípios e instâncias inferiores do próprio judiciário, o STF trouxe importantes e assertivos esclarecimentos em suas recentes decisões:
“APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. ITBI. INCIDÊNCIA ENTRE A DIFERENÇA DO VALOR DO BEM DECLARADO PELO CONTRIBUINTE EM SUA DECLARAÇÃO DE IRPF, E CONSEQUENTEMENTE O VALOR INTEGRALIZADO, E O VALOR AVALIADO PELO MUNICÍPIO QUANDO DA INTEGRALIZAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL. NÃO CABIMENTO. ISENÇÃO DEVIDA. 1. É uma faculdade da parte quando da integralização do capital social por meio da transferência de bem imóvel, fazê-lo pelo exato valor constante da declaração do IRPF ou pelo valor de mercado. 2. Não há que se falar na cobrança de ITBI em relação à diferença do valor do bem declarado pelo contribuinte e o valor avaliado pelo município, pois ao contribuinte faculta-se deliberar por um ou por outro. Apelação cível conhecida e provida. Sentença reformada.” ARE 1485056 / GO – GOIÁS RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO Relator(a): Min. EDSON FACHIN Julgamento: 29/04/2024 Publicação: 30/04/2024.
“EMENTA – APELAÇÃO CÍVEL – MANDADO DE SEGURANÇA – INTEGRALIZAÇÃO DE IMÓVEL AO CAPITAL SOCIAL DA EMPRESA – IMUNIDADE – ITBI – ANULAÇÃO DO LANÇAMENTO – SENTENÇA MODIFICADA – RECURSO PROVIDO. A imunidade de ITBI abrange a diferença entre o valor de incorporação e o valor de mercado, mormente quando todo o valor é destinado à realização de capital, sem formação de reserva, nos termos do art. 156, §2º, I, da Constituição Federal”. (eDOC 7, p. 1) RE 1449120 / MS – MATO GROSSO DO SUL RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. GILMAR MENDES Julgamento: 13/06/2024 – Publicação: 14/06/2024
Em resumo, o STF reconheceu que o contribuinte pode integralizar o capital da sociedade pelo valor que constar em sua declaração de renda, consoante o disposto no artigo 23 da Lei Federal n.º 9.249/1.995, sem que possa ser tributado pela diferença entre esse valor e o valor venal do bem, além de deixar claro que a situação fática no caso que originou o Tema 796 é muito específica, não podendo ser aplicada a todas as operações de integralização de capital como pretendem os municípios:
“Com efeito, a controvérsia trazida na espécie não é a mesma que conduziu à tese firmada no referido paradigma, no sentido de que a imunidade do § 2º do art. 156 da Constituição da Federal não alcança a diferença entre o valor do imóvel e o do capital integralizado, uma vez que, naquele processo discutia-se o valor excedente destinado à criação de capital de reserva”.
Essas decisões oferecem um importante suporte para os contribuintes, que agora podem utilizar esses valiosos precedentes na tentativa de afastar as cobranças indevidas de ITBI. O correto entendimento do Tema 796 é crucial para garantir que a imunidade ao ITBI seja aplicada da forma prevista na Constituição.
Carlos Gustavo Kimura é advogado com pós-graduação em Direito Tributário e Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV SP), sócio fundador do Kimura Salmeron Advogados, em São Paulo.