Atualmente, diversos municípios têm criado obstáculos na transferência de bens imóveis como integralização de capital social, sem incidência do ITBI, afrontando as disposições do art. 156, inciso II, da Constituição Federal e arts. 36 e 37 do Código Tributário Nacional, justamente, em razão da equivocada interpretação do Tema 796, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Preliminarmente, imprescindível tecermos algumas considerações acerca da imunidade prevista no art. 156, §2º, I, da Constituição Federal.
Os municípios detêm a competência para a instituição e cobrança do ITBI. No entanto, o referido imposto “não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil“.
A norma posta tem a finalidade de facilitar a constituição de empresas, com a integralização de bens imóveis ao capital social, sem que haja a cobrança do ITBI, desde que essas empresas não exerçam atividades de compra e venda, locação e arrendamento de imóveis.
Nesse cenário, sempre foi comum pessoas constituírem empresas não imobiliárias, usufruindo da isenção tributária como uma excelente ferramenta de planejamento patrimonial e sucessório.
Em meados de 2020, o STF fixou a seguinte tese por meio do Recurso Extraordinário n° 796.376/SC: “a imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do §2º do artigo 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”.
O caso julgado pela Suprema Corte tratava de uma sociedade cujo capital social era R$ 24 mil reais, integralizado a partir de 17 imóveis, onde o valor contábil apurado dos imóveis somava R$ 802.724. Na situação, para que o capital social contasse somente com o valor dos R$ 24.000,00, os sócios alocaram a diferença do valor dos imóveis, no montante de R$ 778.724,00 na conta reserva de capital da empresa.
Nesse cenário, discutiu-se o alcance da imunidade tributária do ITBI sobre o valor dos bens que, excedendo o capital social a ser integralizado, foi utilizado em operação diversa. Fixou-se, entãoo entendimento de que a imunidade do ITBI não alcança o valor destinado à conta de reserva de capital.
Todavia, na prática, os Municípios e Cartórios de Registro de Imóveis vêm distorcendo o entendimento proferido pelo STF. Para eles, é devido o ITBI sobre a diferença apurada entre o valor de mercado do imóvel e o valor considerado na operação (constante na declaração de bens do sócio).
Em outras palavras, os municípios desconsideram o valor da operação, arbitram um valor para o imóvel e tributam a diferença entre o considerado na operação e aquele que o Município entende ser cabível, como o valor venal, por exemplo.
Por obséquio, além de se tratar de interpretação errônea e equivocada, ela ainda é ilegal e inconstitucional.
Para a felicidade dos contribuintes mineiros, a 2ª Vara Empresarial da Fazenda Pública e Registros Públicos de Contagem – MG concedeu a segurança ao contribuinte para afastar a exigência do ITBI quando da interpretação errônea do Tema 796 do STF.
No caso, o contribuinte integralizou 15 imóveis ao capital social de sua sociedade (Holding de Instituição não-financeira), sendo que o valor montante das cotas societárias, correspondia ao valor declarado dos imóveis.
Tendo em vista que a sociedade não possuía atividade ligada ao ramo imobiliário, o contribuinte requereu à não incidência do ITBI, referente a um imóvel situado em Contagem/MG, nos termos do art. 156, §2, II, da CF e art. 37, §1 do CTN, a qual foi negada pelo município, pelo mesmo entendimento errôneo já mencionado.
Inconformado, o contribuinte interpôs recurso em sede administrativa ao mesmo tempo em que impetrou mandado de segurança, almejando que a autoridade fiscal se abstivesse de exigir o ITBI sobre o imóvel integralizado ao capital social.
Segundo o Judiciário de MG, que compreendeu pela correta interpretação do Tema 796, não é devido o tributo sobre a diferença apurada entre o valor de mercado do imóvel e o valor considerado na operação, uma vez que o valor do imóvel declarado pelo contribuinte foi inteiramente utilizado para integralizar o capital social da empresa, inexistindo qualquer valor atribuído à conta de reserva de capital.
Nesse sentido, vale transcrever trechos da decisão:
“Visto isso, inexistindo dúvida de que o imóvel foi integralmente utilizado para integralizar o capital social, conforme preconiza o artigo 36, inciso I, do Código Tributário Nacional, e que os atos constitutivos de Id 9702746659, 9702747452 e 7902749104 apontam que a atividade empresarial preponderante não é ligada ao ramo imobiliário, afastada, restou demonstrado o direito líquido e certo à imunidade prevista no art. 156, §2º, I, da Constituição Federal”.
Sobre o Tema 796, informou o juízo que não o desconhecia; entretanto, afirmou que “no caso objeto da Repercussão Geral, o valor dos imóveis excedia às quotas subscritas, destinando-se a formação de reserva de capital, extrapolando, no entendimento defendido pelo STF, ao disposto no citado artigo 156, §2º, da Constituição Federal”.
A decisão proferida é totalmente pertinente e denota uma rara compreensão, pelo Poder Judiciário, do entendimento exarado no Tema 796 do STF. É de se esperar, agora, que outros juízos e tribunais passem a adotar o mesmo entendimento a fim de que a lei seja corretamente aplicada, afastando os abusos ilegais por parte das municipalidades.
Ana Bárbara Zillo é advogada do departamento de wealth planning do BLS Advogados, em São Paulo.
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