Recentemente, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) proferiu uma decisão que promete ter impactos significativos no campo do direito sucessório. Em um caso envolvendo três inventários simultâneos — de pai, mãe e filho — o tribunal deferiu a declaração de morte presumida de quatro parentes diretamente nos autos do inventário. Essa decisão inovadora simplificou a partilha entre 15 herdeiros colaterais, evitando a morosidade processual e trazendo à tona uma importante reflexão sobre a aplicação da morte presumida em inventários complexos.
A peculiaridade do caso reside na complexidade de unir três sucessões em um único processo judicial. O filho, falecido, não deixou descendentes, cônjuge ou ascendentes vivos, o que determinou que os seus bens fossem transmitidos aos herdeiros colaterais, conforme prevê o Código Civil Brasileiro. O maior desafio foi lidar com três inventários dentro de um único processo.
As peças processuais precisaram ser apresentadas três vezes, o que aumentou a carga documental e exigiu uma abordagem cuidadosa para garantir a correta identificação de todos os herdeiros. Uma das maiores dificuldades foi a localização de certidões de óbito de parentes distantes e de gerações anteriores, que deveriam constar nos autos para que o inventário fosse regularizado.
A Declaração de Morte Presumida
A declaração de morte presumida, embora seja um instituto previsto no ordenamento jurídico brasileiro, é geralmente discutida em uma ação autônoma de ausência. No entanto, nesse caso específico, a Justiça de São Paulo admitiu que a declaração ocorresse diretamente nos autos do inventário, considerando a excepcionalidade da situação. O Tribunal aceitou que parentes que ultrapassariam os 130 anos de idade, se estivessem vivos, fossem declarados mortos sem a necessidade de comprovação formal ou instauração de um processo separado.
Em situações normais, a declaração de morte presumida ocorre após um processo de ausência, que envolve diligências para verificar o paradeiro da pessoa e um período de 10 anos de espera até que se possa declarar a morte presumida. No entanto, o artigo 6º do Código Civil permite a morte presumida sem decretação de ausência quando o falecido ultrapassa a expectativa de vida humana, como foi o caso neste processo.
Implicações Legais e Precedente
A decisão do TJSP não apenas simplificou o processo de inventário, mas também abriu um precedente relevante para futuros casos que envolvam múltiplas sucessões ou dificuldades na obtenção de documentos comprobatórios. A morte presumida permitiu que o processo fosse acelerado, evitando a abertura de procedimentos judiciais adicionais que apenas prolongariam o inventário.
Do ponto de vista jurídico, a morte presumida desses parentes fez com que seus direitos hereditários fossem reconhecidos, permitindo a transmissão dos bens aos herdeiros colaterais. Essa abordagem mais célere e pragmática evitou conflitos entre os herdeiros e garantiu que o inventário ocorresse com maior transparência e eficiência.
A decisão é atípica, pois, na prática, é comum que juízes determinem que tais questões sejam discutidas em processos apartados, especialmente em casos que envolvem múltiplas declarações de morte presumida. No entanto, o magistrado entendeu que a demora na resolução do caso prejudicaria todos os envolvidos e optou por uma solução que refletisse a realidade fática: parentes centenários cuja documentação não foi localizada.
Reflexos no Direito Sucessório
Essa decisão representa um marco na jurisprudência do TJSP, pois demonstra uma flexibilização na aplicação de normas processuais em casos de extrema complexidade. A inovação reside na aplicação conjunta de três inventários em um único processo, associada à admissão de morte presumida sem a necessidade de ação autônoma.
Essa abordagem prática e eficiente pode abrir caminho para que, em situações semelhantes, juízes adotem uma visão menos formalista, priorizando a celeridade processual e a pacificação entre os herdeiros. Em especial, quando há concordância entre os interessados, como foi o caso.
Conclusão
A decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao admitir a morte presumida de ascendentes em um inventário com múltiplas sucessões, é uma demonstração de como o Poder Judiciário pode ser flexível e pragmático em situações excepcionais. Essa postura facilita a resolução de questões patrimoniais complexas e beneficia todos os herdeiros envolvidos, evitando a eternização de processos e garantindo uma solução justa e eficiente.
Além disso, esse precedente pode contribuir para a evolução do direito sucessório no Brasil, permitindo que os tribunais adotem abordagens mais ágeis em casos similares, especialmente quando há dificuldades documentais e idade avançada dos falecidos. A decisão fortalece a importância da celeridade processual e da comunicação clara entre as partes, elementos fundamentais para a boa condução de inventários.
Andresa Lopes Rodrigues, é advogada especialista em direito sucessório, inventário, testamentos e planejamento patrimonial e sucessório, em Guaíba/RS.