Nada é à toa: a importância da Escritura de Declaração de Separação de Fato

Por Ana Luiza Naback

Dizem os especialistas que há cinco fases emocionais após o fim de um casamento: a negação, a raiva, a barganha, a depressão e, por fim, a aceitação. Não é à toa que é considerado como o segundo maior luto que um ser humano pode viver.

Como se não bastassem as cinco fases emocionais, o fim do casamento ainda conta com as fases judicial e econômica, as quais, muitas vezes, terminam por massacrar quem ainda está vivendo alguma das emoções do fim. Afinal, em meio a tantos sentimentos confusos e dolorosos, discutir quem fica com o quê, como será a rotina dali para a frente, os filhos, pensão e a reorganização de todos os próximos passos diante do desmoronamento da vida a que se estava acostumado pode ser um verdadeiro martírio.

De acordo com o Código Civil, o casamento só se dissolve com a morte ou com o divórcio, porém a sociedade conjugal pode terminar antes. É aqui que reside o fundamento para quem afirma que o divórcio é a certidão de óbito de algo que já estava morto. No entanto, até que se chegue realmente ao momento da assinatura do atestado, muita coisa pode acontecer.

Frequentemente os episódios de divórcio são precedidos da separação de fato do casal, enganando-se quem pensa que essa separação de fato necessariamente implica a cessação da convivência sob o mesmo teto. Pois é, há muitos casais separados de fato coabitando no mesmo lar por motivos que não cabe julgamento por terceiros. Cada fim é um universo de possibilidades em si mesmo.

Embora cada término seja singular, os efeitos da separação de fato não são, podendo causar uma reviravolta no cenário de quem já está no olho do furacão.

Para o Direito Brasileiro a separação de fato de um casal encerra a sociedade conjugal havida entre eles, fazendo cessar os deveres inerentes ao casamento, bem como os direitos e obrigações advindos do regime de bens que regeu a relação enquanto viva. É, portanto, nesse momento que deixam de existir os bens comuns para aqueles que se uniram através da comunhão parcial ou universal, participação final nos aquestos e separação obrigatória de bens (súmula 377, STF).

Não há mais a exigência de um tempo mínimo de separação de fato do casal para ser decretado o divórcio. A Emenda Constitucional nº 66/2010 acabou com qualquer prazo ou relação de causalidade necessários para se promover um divórcio. Entende-se, hoje, ser ele um direito potestativo do casal, não estando ninguém obrigado a permanecer casado se assim não for de sua vontade.

Da mesma forma, o instituto da separação judicial, principalmente depois do julgamento da tese de repercussão geral nº 1053 pelo STF há um ano (publicação em março de 2024), não mais subsiste no direito brasileiro, nem mesmo como uma figura autônoma, ressalvado o estado civil das pessoas que já estão separadas, por decisão judicial ou escritura pública, por se tratar de ato jurídico perfeito. Logo, o único hiato que permanece entre o fim fático e o fim formal do casamento é a separação de fato.

Pode parecer difícil ler o que será dito a seguir, mas a vida continua após o fim. Separados de fato, seja para repensar a relação, seja para organizar a nova rotina, vida e papéis, certo é que as contas chegam, dívidas são feitas e bens são adquiridos.

Apesar de a lei civil não exigir que a separação de fato seja formalmente declarada, isso não significa que você deva deixar seu barco à deriva aguardando o naufrágio. Pensando nisso, o Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução nº 571/24, disciplinou sobre a Escritura Pública de Declaração de Separação de Fato.

A escritura pública de declaração de separação de fato consensual deverá se ater exclusivamente ao fato de que cessou a comunhão plena de vida entre o casal, definindo e documentando quando isso aconteceu. É aqui que reside a importância desse documento.

Como a vida segue seu fluxo, até que o divórcio seja concretizado uma variedade de atos e negócios jurídicos são praticados por cada um dos ex-consortes: aquisição de veículos, imóveis, aplicações financeiras, participações societárias, empréstimos, dívidas, prêmios etc. E para quem mantinha uma relação cuja implicação era a comunhão de bens, a escritura de declaração de separação de fato pode ser a melhor amiga nessas horas.

Ao definir pública e legitimamente quando a separação de fato do casal começou, tanto os direitos dos ex-cônjuges quanto os direitos de terceiros ficam resguardados até que o divórcio e a partilha aconteçam. Extirpam-se, assim, os riscos de que, quando da análise de quem fica com o quê, aquele carro, apartamento ou aplicação financeira adquiridos depois da separação sejam partilhados com o ex. É que, a partir da separação de fato, os bens que cada um passar a ter serão considerados bens particulares, de livre administração, utilização e disposição pelo seu titular.

Se a definição do início da separação de fato é um importante aliado quando o fim é inevitável – leia-se, divórcio –, ainda mais importante é quando esse hiato vivenciado pelo casal tem uma reviravolta e se resolva pelo restabelecimento da relação conjugal.

Se um casal lavra uma escritura pública de separação de fato e resolve reatar, basta, igualmente por escritura pública, assegurar o restabelecimento da vida a dois, que voltará a surtir os efeitos que surtia. É como se fosse uma pausa. Não nasce outra relação jurídica, mas retoma-se a que já existia. Por outro lado, se o casal se arrepende do divórcio e intenta ficar junto, será preciso se casar de novo.

O restabelecimento da vida após uma separação de fato tem efeito constitutivo e ex nunc (isto é, da data da reconciliação em diante). Dessa forma, tudo o que foi feito durante o período da separação ficará como bem ou dívida particular, mesmo que o casamento tenha sido e volte a ser regido por algum regime que implique comunhão de bens – salvo a comunhão universal –, sendo esse um detalhe que não pode passar despercebido.

A lei não contém palavras inúteis. Se a primeira impressão é de que a escritura pública de declaração de separação de fato não tem relevância, espera-se que o pensamento agora seja outro.

Viver um término merece cuidado, merece respeito, merece o tempo necessário para que cada coisa encontre o seu devido lugar, no tempo singular de cada pessoa. Contudo, isso não significa que se deva deixar a vida levar, porque há consequências. Portanto, nessa fase, troque o bordão do Zeca Pagodinho pelo ensinamento de Paulinho da Viola e “faça como o velho marinheiro que durante o nevoeiro leva o barco devagar”.

Ana Luiza Naback é advogada pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil, , e associada do departamento de wealth planning  do BLS Advogados em Belo Horizonte/MG.

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