Por David Roberto R. Soares da Silva
O Governador de São Paulo João Dória encaminhou projeto de lei à Assembleia Legislativa um projeto de lei com medidas para equilibrar as contas do Estado para o ano de 2021. Como já era esperado, o projeto contempla medidas que, na prática, aumentam o ITCMD incidente sobre heranças e doações, muito embora não contemplem aumento de alíquota, mas sim de base de cálculo.
A extensão das medidas é relevante e pode representar aumento significativo da carga tributária nas transmissões por doação e herança.
Em 13 de agosto, o Diário da Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP) publicou o Projeto de Lei nº 529/2020 (PL 529) que, dentre diversas outras medidas fiscais, promove algumas alterações importantes na legislação do ITCMD.
O PL 529 traz medidas importantes que, se aprovadas, vão afetar profundamente algumas ferramentas de planejamento patrimonial e sucessório.
A medida mais importante do PL 529 é mudança da base de cálculo do ITCMD nas transmissões de participações societárias. Na redação atual, a Lei nº 10.705/2000 (art. 14, § 3º) estabelece que a base de cálculo do ITCMD nessas operações é o valor patrimonial quando a participação não tiver sido negociada em Bolsa nos 180 dias anteriores.
Pois bem, o PL 529 muda a redação desse dispositivo para determinar que a base de cálculo será o valor do patrimônio líquido ajustado pela reavaliação dos ativos e passivos ao valor de mercado na data do fato gerador. Eis a redação completa do dispositivo:
“§ 3º – Nos casos em que a ação, quota, participação ou qualquer título representativo do capital social não for objeto de negociação ou não tiver sido negociado nos últimos 180 (cento e oitenta) dias, a base de cálculo será o valor do patrimônio líquido, apurado nos termos do artigo 1.179 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), ajustado pela reavaliação dos ativos e passivos ao valor de mercado na data do fato gerador, observando-se o disposto na legislação, em especial o previsto no Capítulo IV desta lei, calculado conforme disciplina estabelecida pelo Poder Executivo.”
Se aprovado o PL 529, a cada doação ou falecimento de sócio, a empresa deverá reavaliar o valor dos ativos e passivos a mercado para que o ITCMD possa incidir sobre o patrimônio líquido ajustado. Não há dúvidas de que o aumento da carga tributária será brutal e exigirá muita cautela não apenas para os planejamentos patrimoniais e sucessórios, como para as transmissões por herança ou doação de qualquer empresa operacional.
Todavia, já é possível vislumbrar algumas alternativas para suavizar o impacto desse aumento, embora seja necessário aguardar a aprovação final do projeto.
Outra alteração relevante diz respeito à cobrança do ITCMD sobre planos de previdência privada, nas modalidades de Plano Gerador de Benefício Livre – PGBL -, Vida Gerador de Benefício Livre – VGBL, e semelhantes.
O PL 529 atribui às entidades de previdência privada a responsabilidade pelo cálculo e recolhimento do imposto, mas na falta da retenção, caberá ao beneficiário fazer o pagamento.
Note-se que as mudanças feitas pelo PL 529 não criam um novo fato gerador propriamente dito sobre esses pagamentos, limitando-se a estabelecer a responsabilidade das entidades de previdência privada pela retenção e recolhimento do imposto.
Esse fato, por si só, já seria suficiente para questionar a incidência do imposto sobre os planos de previdência. Além disso, não nos esqueçamos que a Consultoria Tributária da Secretaria da Fazenda desde 2012 vem afirmando que esses planos não se enquadram como doação ou herança para fins de ITCMD.
Não há dúvidas que haverá muita disputa judicial sobre esse assunto, tal como ocorre em outros estados, como Paraná, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Já há vários precedentes dispensando o recolhimento do ITCMD sobre planos de previdência, especialmente sobre VGBL (conheça aqui o nosso e-book sobre o Previdência Privada).
O PL 529 também faz alterações na base de cálculo do ITCMD nas transmissões com imóveis – tanto doações como heranças.
Para imóveis urbanos, a base de cálculo deixa de ser o valor venal para fins de IPTU e passa a ser, no mínimo, o valor venal aplicável para fins de ITBI, normalmente maior. O valor venal do IPTU somente poderá ser utilizado na falta do valor venal para fins de ITBI. Essa situação pode ocorrer em municípios pequenos mas, na cidade de São Paulo, o valor venal para fins de ITBI, a depender do bairro, pode superar 50% o valor para fins de IPTU.
No caso de imóveis rurais, a base de cálculo também é alterada, deixando de ser o valor para fins de cálculo do Imposto Territorial Rural (ITR) e passando a ser o valor a ser divulgado pela Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento. Aqui também o aumento da carga tributária pode ser brutal, devendo os proprietários rurais buscarem medidas – ainda disponíveis – para a mitigação do impacto. Poderão existir casos nos quais herdeiros deverão se desfazer de suas terras – ou parte delas – apenas para o pagamento do imposto.
Por fim, o PL 529 acaba com a possibilidade de dividir o pagamento do ITCMD nas doações com reserva de usufruto. Atualmente, na doação com reserva de usufruto, o contribuinte tem a opção de recolher 2/3 do imposto na doação da nua-propriedade e 1/3 quando da extinção do usufruto. O PL 529 passa a exigir o pagamento integral do imposto na doação.
Atualmente, a ALESP já analisa outro projeto de lei (PL 250) que também promove alterações no ITCMD, algumas delas também contempladas no PL 529 (ex., reavaliação de ativos de empresas). Entre os dois projetos, o PL 529 parece menos nocivo aos contribuintes, dado que o PL 250 pretende aumentar a alíquota do ITCMD para até 8%.
O pior cenário para os paulistas, no entanto, seria a junção dos dois PLs contemplando aumento de base de cálculo e aumento de alíquota.
Agora, mais do que nunca, residentes no estado de São Paulo devem se preocupar com seus planejamentos patrimoniais, ou ajustar os que já foram feitos, pois a probabilidade de aprovação de um desses projetos é muito grande.
Todavia, ainda parecem existir opções viáveis de planejamento e economia de ITCMD, mas pensar nisso somente nas últimas semanas de 2020 pode ser tarde demais para evitar o impacto tributário negativo dessas mudanças.
David Roberto R. Soares da Silva é advogado especializado em planejamento patrimonial e sucessório, sócio do Battella, Lasmar & Silva Advogados, e autor do Brazil Tax Guide for Foreigners, e coautor do Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos, e Tributação da Economia Digital no Brasil, todos publicados pela Editora B18.
_________________________
Quer saber mais sobre este e outros temas? Conheça no livro Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos.