Por Bruno Lima e Moura de Souza
Em seus livros a Ilíada e a Odisseia, Homero faz um relato sobre a Guerra de Troia, travada entre gregos e troianos. Os gregos, com a finalidade de resgatar Helena, esposa raptada de Menelau, rei de Esparta, tentaram incessantemente, sem qualquer sucesso, invadir a cidade murada de Troia durante nove anos. Os gregos, no entanto, se valeram de uma estratégia para conquistar a cidade fortificada de Troia, e assim construíram um grande cavalo de madeira, o famoso Cavalo de Troia.
Os gregos “presentearam” os troianos com o enorme cavalo de madeira, e então os troianos levaram o presente de grego para dentro de suas muralhas, sem saberem que em seu interior se ocultava o inimigo. À noite, os guerreiros gregos que se escondiam dentro do cavalo, saem de seu interior, dominam as sentinelas e possibilitam a entrada do exército grego, que alcançou seu objetivo levando a cidade à ruína.
Pois bem, em janeiro de 2016 foi publicada a Lei nº 13.254 que instituiu o RERCT – Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária – o aludido regime serviu como mecanismo para regularizar os recursos, bens ou direitos de origem lícita, não declarados ou declarados incorretamente, remetidos, mantidos no exterior ou repatriados por residentes ou domiciliados no país.
A adesão ao RERCT conferia ao beneficiário do regime a extinção da punibilidade criminal em relação aos crimes de sonegação fiscal, evasão de divisas, falsidade ideológica, falsificação de documento, operação de câmbio não autorizada e lavagem de dinheiro quando o objeto do referido crime for um bem ou valor proveniente dos já mencionados delitos.
Entretanto, para que pudesse aproveitar das benesses concedidas pelo RERCT, o contribuinte deveria atender alguns requisitos estabelecidos em lei, dentro os quais estava a “declaração do contribuinte de que os bens ou direitos de qualquer natureza declarados têm origem em atividade econômica lícita”[1], ou seja, não derivariam de corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas ou outros crimes.
No que tange a origem dos recursos a serem regularizados, em que pese a adesão ao RERCT estar tão somente condicionada à declaração por parte do contribuinte de que os recursos mantidos no exterior tinham origem lícita, a Receita Federal do Brasil passou a exigir, sem qualquer previsão legal, que os contribuintes comprovassem que os recursos repatriados, de fato, tinham origem lícita, sob pena de serem excluídos do RERCT em caso de não comprovação.
Assim como aconteceu com os troianos, vários contribuintes foram pegos de surpresa, sendo excluídos do RERCT sob o fundamento de que o Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 5 de 2018, um ato infralegal editado após o encerramento do prazo de adesão ao RERCT, previa essa exigência, ao passo que a Lei nº 13.254/2016, que legalmente norteava o regime, autorizava a exclusão apenas nos casos em que o contribuinte apresentasse declarações ou documentos falsos relativos à titularidade e à condição jurídica dos recursos, bens ou direitos declarados.[2]
Diante desses fatos, entendendo existir ilegalidade no ADI nº 05/2018 e, consequentemente, na exclusão do RERCT pela ausência de comprovação de que os recursos repatriados tinham origem lícita, diversos contribuintes socorreram ao Judiciário buscando reverter a exclusão do RERCT especial e obtiveram êxito na manutenção do regime.
O Juízo da 2ª Vara Federal de Joinville prolatou sentença nos autos da Ação Ordinária 5000792-98.2021.4.04.7204, reconhecendo a ilegalidade do ADI nº 05/2018 quanto à interpretação que alargou a atuação do fisco. A decisão rejeitou a restrição do direito do contribuinte, que viu frustrada a sua expectativa de regularização e anistia quando da sua submissão ao RERCT. Como consequência, determinou que a Receita Federal abstivesse de excluir o contribuinte do RERCT ou de deflagrar procedimento administrativo de investigação quanto à declaração por ele apresentada.
Além disso, há de se reconhecer que o procedimento adotado pela Receita Federal desobedeceu aos princípios da segurança jurídica, da irretroatividade e, de quebra, desprezou o ato jurídico perfeito no momento que alterou seu posicionamento quando o RERCT já estava encerrado, traindo a confiança dos contribuintes que aderiram ao programa.
Nessa linha de raciocínio, ao julgar o Agravo de Instrumento 5025977-49.2021.4.03.0000, a 4ª Turma do TRF 3ª Região entendeu que o Fisco deve ser razoável e não gerar impedimentos para o cidadão efetivamente exercer o benefício, e que somente os documentos elencados na Lei nº 13.254/2016 e na IN RFB nº 1.627/2016, podem ser exigidos do contribuinte no prazo de 5 (cinco) anos, não havendo que se falar em comprovação de que os recursos repatriados tenham origem lícita.
Não fosse o amparo judicial, os contribuintes excluídos do programa de repatriação teriam que pagar o imposto de renda de 27,5%, além de multa de 150% por sonegação, mais juros sobre o capital repatriado, o que faria com que os excluídos do programa tivessem que pagar um valor superior àquele que dispunham originariamente.
Segundo a Receita, 374 contribuintes que aderiram ao programa foram intimados a provar a origem dos recursos. Em situações como essa, cabe aos contribuintes, sendo excluídos do programa, buscar socorro ao Judiciário para manterem-se no programa com os benefícios originalmente estabelecidos pela Lei nº 13.254/2016.
Bruno Lima e Moura de Souza é advogado pós-graduado em direito tributário e integrante do departamento de tax e wealth planning do Battella, Lasmar & Silva Advogados em São Paulo.
[1] Art. 4º, §1º, inciso IV, da Lei nº 13.254/2016
[2] Art. 9º da Lei nº 13.254/2016
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